Sites de notícias investigativas redefinem modelo de negócio jornalístico

por James Breiner
Oct 30, 2018 em Sustentabilidade da mídia

Um dos pequenos segredos sujos na mídia digital é que os grandes números de page views e usuários únicos vangloriados pelos editores são ilusórios na melhor das hipóteses. Eles exageraram o tamanho da audiência e o impacto da publicação.

A maioria dos visitantes do conteúdo de um editor é gente passando: Eles ficam por apenas alguns segundos. E mesmo quando ficam mais tempo do que isso, a grande maioria vem para o site apenas uma ou duas vezes por mês. Estes não são os usuários fiéis dedicados a uma marca.

O que é mais interessante e significativo, especialmente para os editores de notícias e informação séria, é que o menor número de usuários fiéis -- que vem com frequência, relaxa e lê muitas páginas -- está disposto a pagar pelo conteúdo e outros produtos. Eles se identificam fortemente com a marca.

Kinsey Wilson, editor de inovação e estratégia do New York Times, falou sobre essa questão na semana passada no Simpósio Internacional de Jornalismo Online quando mencionou que 90 por cento da receita digital da sua publicação vem de 10 por cento de seus usuários.

Isso é significativo, uma vez que o Times tem apenas 1 milhão de assinantes digitais, um aumento de 20 por cento comparado ao ano anterior, enquanto que as assinaturas do impresso diminuíram (veja a página 2 do seu relatório anual).

Muitos editores de jornalismo de prestação de contas de alta qualidade -- também chamados de jornalismo investigativo ou "watchdog" -- estão atraindo receitas significativas do forte relacionamento com seus usuários. Publishers nos EUA como o Texas Tribune e MinnPost não estão vendendo centenas de anúncios e classificados para patrocinadores e anunciantes, mas sim fazendo parte de uma comunidade com um interesse comum no bem público. Eles falam sobre os leitores que contribuem monetariamente como "membros" ou "parceiros", e não assinantes, recebendo privilégios especiais.

Os comentários de Wilson sobre o Times afirmam algumas das minhas próprias descobertas, apresentadas no simpósio, que os sites de jornalismo investigativo podem gerar receitas significativas a partir de um pequeno número de usuários e ainda causar impacto. (O que se segue vem de uma pesquisa e a apresentação de slides muito abreviada das minhas descobertas.)

  • A plataforma holandesa de jornalismo De Correspondent foi lançada em 2013 com a promessa de ser um canal independente e livre de publicidade com análise e reportagem de investigação em profundidade financiado por assinaturas anuais de US$66. Quase 20.000 pessoas responderam à campanha de crowdfunding inicial e geraram US$1,7 milhões, o suficiente para contratar uma equipe de 24 funcionários. A publicação cresceu para 40.000 membros pagantes a US$66 cada, o que totaliza US$2,6 milhões por ano, levando o editor e cofundador Ernst-Jan Pfauth a argumentar que o jornalismo pode criar valor e ganhar a confiança do público ao separar-se da publicidade. 

 

  • Na Espanha, onde os interesses políticos e empresariais influenciam fortemente a cobertura de notícias, Eldiario.es também é vendido como uma fonte de notícias independente. O CEO Ignacio Escolar fundou a publicação digital em 2012, e os próprios jornalistas são os proprietários. Escolar recentemente anunciou (em espanhol) que a publicação terminou 2015 com uma receita de US$2,6 milhões, um aumento de 33 por cento no ano, e um lucro depois de impostos de US$235.000. Embora a publicação digital seja gratuita, os seus 14.500 "parceiros" (sócios) pagam pelo menos US$66 por ano para ter acesso às notícias algumas horas à frente do resto do públio, bem como páginas sem anúncios, descontos e convites para eventos. Esses parceiros geram um terço da receita. Vale a pena notar que os parceiros representaram menos do 1 por cento de leitores mensais de 6 milhões, o que significa que a receita significativa pode ser gerada por uma pequena parte leal de audiência online de uma publicação. A maior parte do resto da receita veio de publicidade.     

 

  • Outra estrela empresarial na mídia digital é o Malaysiakini, com base na Malásia, que foi tema de artigo de Tim Carrington para o Center for International Media Assistance em 2015. Desde a sua fundação em 1999 por dois jornalistas inovadores, Steven Gan e Premesh Chandran, o site sobreviveu a muitas oscilações financeiras, lutou contra as tentativas do governo para censurar conteúdo e em 2014 chegou a um público de mais de 9 milhões de visitantes por mês. Embora seja publicado em quatro línguas -- tamil, chinês, malaio e inglês -- apenas a versão em inglês está atrás de um paywall porque esse público é o que mais pode e está disposto a pagar. As assinaturas totalizaram mais de 16.000 a cerca de US$40 cada ano.  

Além de suporte ao usuário, os editores de jornalismo de qualidade estão gerando receita com paywalls, modelo de pagamento por artigo, subsídios públicos (a BBC é o exemplo notável) e apoio de fundações. Estas publicações digitais também se beneficiam do fato de que não têm os custos de impressão e distribuição do impresso, nem as cargas pesadas de dívida da mídia tradicional.

O público, publishers, fundações e governo estão agora, de fato, negociando o preço para este tipo de jornalismo já que o modelo de publicidade, que subsidiou o jornalismo no passado, entrou em colapso. Mas, claramente, algumas pessoas vão pagar. Os publishers precisam identificar essas pessoas e trazê-las para suas comunidades se quiserem sobreviver e prosperar.

Este post apareceu originalmente no blog  News Entrepreneurs de James Breiner e é republicado na IJNet com permissão.

Imagem principal sob licença CC no Flickr via Jonathan Taglione