SafeBox: uma ferramenta para jornalista não ser silenciado

Jul 13, 2022 em Segurança Digital e Física
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Diante do contexto de ameaças, censuras e outros tipos de ataques à liberdade de imprensa, jornalistas do mundo todo têm agora uma ferramenta adicional para assegurar que suas matérias sejam publicadas por mais que sejam feitas tentativas de silenciá-los.

Forbidden Stories, uma rede de jornalistas do mundo todo que se propõe a proteger e publicar o trabalho de repórteres que enfrentam ameaças, processos ou até assassinatos, lançou uma ferramenta para fazer frente a esses ataques: SafeBox. “Se impedem o jornalista de fazer o seu trabalho, a Forbidden Stories vai continuar com a investigação e a publicará no mundo todo", diz a apresentação da nova iniciativa.

O projeto foi apresentado na Conferência Global do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa 2022 em Punta del Este, no Uruguai, e funciona de forma simples. Os jornalistas que se sentem ameaçados devem fazer o upload de três elementos fundamentais na SafeBox: o material coletado para a investigação (fotos, vídeos, entrevistas, documentos, bases de dados, etc.), evidências de ameaças que tenham enfrentado e instruções do que fazer com o que foi coletado caso seja preciso publicar o trabalho. 

A Forbidden Stories não publicará o trabalho pelo simples fato do jornalista ter subido as informações para a SafeBox. A organização só vai agir se algo acontecer com o jornalista que fez o upload do conteúdo, e antes fará uma pré-investigação para determinar se houve alguma conexão entre as ameaças e os ataques e o trabalho do jornalista. Também será analisado o momento relevante e possível para continuar o trabalho.

Na América Latina, o jornalista investigativo paraguaio Alfredo Guachiré informou no dia 9 de março que  subiu para a SafeBox investigações e áudios relacionados às suas publicações sobre o ex-deputado Juan Carlos Osorio, que foi vinculado a uma organização de tráfico de drogas. O ex-parlamentar teve que renunciar ao mandato e foi processado por lavagem de dinheiro, tráfico de drogas e associação ao crime.

Guachiré recebeu ameaças de morte anônimas e ataques em redes sociais de setores políticos e do vice-presidente do Paraguai, Hugo Velázquez, devido a publicações que envolviam seu irmão, Carlos Velázquez, em casos de contrabando. O jornalista, que já publicou mais de 300 investigações sobre corrupção, tráfico de drogas, contrabando e lavagem de dinheiro, disse à IJNet que subiu a informação sensível para a SafeBox. "Ao tornar público que estou usando a SafeBox, e que compartilhei minhas investigações em curso com a rede, também posso dissuadir um pouco mais os criminosos que estavam me ameaçando e hostilizando", defende. 

A jornalista mexicana María Teresa Montaño Delgado disse que, se a SafeBox existisse antes, ela não teria perdido duas investigações que vinha conduzindo quando foi sequestrada em 13 de agosto de 2021, em Toluca. "O meu caso é muito ilustrativo", disse à IJNet. Os sequestradores roubaram seu equipamento de trabalho, um arquivo físico e o laptop, o qual continha documentos e investigações em curso. "Eu tinha medo até de ter as informações no email e, no fim das contas, as perdi", diz.

Agora a jornalista usa a SafeBox para dar sequência às suas investigações. "O que comecei a fazer são pacotes de informações que, conforme eu vou avançando, eu mando para a SafeBox", explica. Ela está trabalhando novamente em uma das investigações cuja apuração foi perdida quando foi sequestrada no ano passado. "Eu sei que ao enviar essa investigação, que é uma das mais importantes que vou fazer, caso me aconteça algo, tenho certeza que vão entendê-la e, eventualmente, vão publicá-la. Preenchi alguns formulários nos quais explico em que ela consiste, qual a linha que deve ser seguida e a quais fontes recorrer". Para ela, trata-se de uma ferramenta que os jornalistas não podem descartar, principalmente aqueles que trabalham em zonas de risco ou em contextos de corrupção muito alta.

Uma ferramenta de dissuasão

“Acreditamos que proteger a informação dos jornalistas ameaçados é proteger suas vidas". Assim resume a ferramenta Clement Le Merlus, que atua como coordenador do projeto. "Quando esses jornalistas compartilham seu material de investigação com uma rede internacional, torna-se inútil que os inimigos da imprensa tentem silenciar o repórter, já que há dezenas de outros dispostas a continuar o trabalho", diz. O objetivo da ferramenta é, portanto, "dissuadir os crimes contra os jornalistas", ainda que, ele esclarece, esta seja uma solução dentro de um "arsenal de precauções" e que não pode sozinha garantir a segurança dos repórteres.

A ideia da SafeBox Network já existia em 2017, quando foi fundada a Forbidden Stories - uma organização sem fins lucrativos que é financiada por organizações filantrópicas e de doações - pelas mãos do jornalista Laurent Richard, que presenciou o assassinato de seus colegas de Charlie Hebdo em 2015. "Antes de lançar a plataforma, era essencial criar uma rede sólida de veículos associados no mundo todo. E essa rede poderosa é agora a força da SafeBox Network”, diz Le Merlus. Desse modo, a ferramenta "complementa a missão" do Forbidden Stories: agiar antes que as ameaças recebidas pelos jornalistas se traduzam em crimes.

De acordo com Le Merlus, os esforços estão focados em desenvolver a rede na América Latina, onde os jornalistas são "especialmente vulneráveis". De fato, foi feito um workshop em março deste ano, em São Paulo, com jornalistas ameaçados em toda a América Latina, para que começassem a proteger suas informações com a SafeBox Network. Também são priorizados esforços em outras regiões como África, Ásia e Oriente Médio, onde "a liberdade de imprensa está mais ameaçada".

O projeto é coordenado atualmente por duas pessoas, mas espera-se que a equipe da SafeBox cresça nos próximos meses.


Imagem por olieman.eth no Unsplash.