O Zimbábue tem testemunhado de forma recorrente repórteres sofrendo assédio e intimidação, e jornalistas presos que também são feridos, perdem seus equipamentos e enfrentam acusações forjadas por causa de seu trabalho de reportagem.
Recentemente, no último dia 7, os jornalistas Blessed Mhlanga e Chengeto Chidi foram presos e acusados de fotografar e filmar dentro de uma seção eleitoral, durante as eleições em Chitungwiza, perto de Harare. Eles foram acusados de gravar a tentativa de prisão de um legislador local enquanto cobriam uma outra pauta sobre os desafios de acesso à água. Mhlanga afirmou que um policial o agrediu, e a polícia confiscou os celulares e câmeras de repórteres antes de prendê-los.
Mhlanga e Chidi foram ao tribunal dois dias depois e liberados sob fiança. O julgamento dos jornalistas estava previsto para ocorrer no dia 24 de maio.
Foi devido a situações como essa que o comitê do Zimbábue no Instituto de Mídia da África Meridional (MISA na sigla em inglês) lançou um botão do pânico para ajudar profissionais de mídia a garantir sua segurança em situações de emergência.
De acordo com o MISA, o lançamento foi motivado pelo aumento no número de ataques contra jornalistas no país. Com as eleições gerais de 2023 no Zimbábue se aproximando, começando com as eleições suplementares previstas para o dia 26 de maio, o MISA pede que a segurança dos jornalistas seja uma prioridade durante esses eventos, com o botão do pânico servindo como um recurso importante para preservar sua segurança.
Salva-vidas
De acordo com o MISA, a introdução do botão do pânico vai ajudar a salvar vidas e oferecer assistência legal imediata.
O aplicativo do MISA tem um botão de alerta vermelho que envia uma mensagem para contatos pré-configurados, avisando-os da emergência e localização do jornalista, mesmo para contatos que não têm o aplicativo em seus smartphones, conforme explica o vídeo do MISA.
"Este é um aplicativo para Android que pode te ajudar em situações de emergência. Profissionais de mídia que estiverem em emergência enquanto fazem seu trabalho", disse o MISA em uma publicação nas redes sociais.
Admire Mare, professor do Departamento de Comunicação e Mídia da Universidade de Joanesburgo, elogiou o lançamento do aplicativo.
"Eu acho que é um passo na direção certa dado o problema tênue da segurança dos jornalistas, principalmente durante as eleições e em protestos. Temos visto que os jornalistas são frequentemente alvo de agressões por agentes de segurança e militantes de partidos por cumprirem sua função", afirma.
Lazarus Sauti, pesquisador de mídia e resoluções de conflitos, também falou sobre o lançamento. "O aplicativo do botão de alerta do MISA é um bom movimento que vai garantir a segurança de jornalistas que estão sob cerco no país", diz.
"Jornalistas são ameaçados pelo estado, por ativistas políticos e outros membros da sociedade. Desse modo, este botão do pânico surge como um mecanismo de segurança para proteger jornalistas de todas as formas de violência", acrescenta Sauti.
A intimidação continua
Neste ano, o Zimbábue ficou na posição 137 no Índice Mundial de Liberdade de Imprensa do Repórteres Sem Fronteiras (RSF), caindo sete posições em relação a 2021. "As alterações no código penal, os Atos Secretos e a nova Lei de Cibersegurança e Proteção de Dados continuam tolhendo o jornalismo", disse a RSF em um relatório.
O documento da RSF observa que embora a violência contra jornalistas tenha diminuído durante o período analisado, ela segue alta. "Atos de intimidação, ataques verbais e ameaças (principalmente nas redes sociais) ainda são práticas comuns", diz o relatório.
"O principal benefício desse botão do pânico é que ele prioriza a segurança dos jornalistas", diz Sauti. "Os jornalistas são elementos essenciais quando falamos da promoção, proteção e salvaguarda dos direitos humanos, paz e desenvolvimento. Portanto, sua segurança física é de fundamental importância, e o aplicativo de botão de alerta garante essa segurança."
Ameaças físicas não são o único risco para os jornalistas no Zimbábue. Relatos de vigilância digital tendo como alvo repórteres, assim como a aprovação da Lei de Cibersegurança e Proteção de Dados, também impõem barreiras ao trabalho dos jornalistas no país.
A mídia tem apontado o perigo da lei ser usada para silenciar jornalistas ou outras pessoas que usam as plataformas online para expor a corrupção dentro de órgãos estatais. Além disso, a lei tem o potencial de ser usada para silenciar delatores.
"Na era digital, os jornalistas também enfrentam sérios desafios, incluindo vigilância e ataques ou ameaças orquestradas. O botão de alerta, portanto, também ajuda a proteger jornalistas que estejam sofrendo assédio digital", acrescenta Sauti.
Vulnerabilidades do aplicativo
Apesar dos benefícios para jornalistas, ainda há riscos para os usuários, de acordo com Mare.
"Os benefícios estão ligados a um sistema de alerta antecipado que pode acionar intervenções de emergência. Porém, o sistema técnico pode não funcionar direito", diz Mare. "Aplicativos podem ser hackeados, sofrerem algum dano ou não funcionar, por isso estão suscetíveis a todos os tipos de vulnerabilidades."
Embora o aplicativo tenha a intenção de proteger jornalistas, ele não protege os equipamentos, como câmeras, notebooks e outras ferramentas. "Por enquanto, o aplicativo protege os jornalistas fisicamente", diz Saudi. "Isso significa que a segurança de documentos, gravadores e outros dispositivos de armazenamento não é totalmente garantida."
O uso indevido do aplicativo também é uma possibilidade, diz Sauti. "Há o temor de mau uso do aplicativo. Meu maior medo é que as pessoas vão apertar o botão indiscriminadamente, mesmo não estando em perigo. Para evitar isso, o MISA deve proteger estritamente contra o uso incorreto do aplicativo por alguns usuários e garantir que os jornalistas que precisam dele urgentemente sejam prontamente atendidos."
Além da aplicação, Mare acredita que é preciso fazer mais para todos os envolvidos, garantindo a segurança dos jornalistas. "O MISA precisa ser aplaudido por fazer algo pela segurança dos jornalistas, mas é preciso que mais seja feito por órgãos legais, o judiciário, ativistas políticos e veículos de imprensa para garantir a segurança dos profissionais de mídia."
"Precisamos de tolerância política e vontade para promover a segurança dos jornalistas", diz.
Foto por Mikhail Nilov.