Cinco jornalistas foram assassinados no México durante os primeiros cinco meses de 2019, um número que é tão trágico quanto comum em um dos países mais letais do mundo para exercer o ofício. O poder dos cartéis de drogas, a corrupção estatal e policial e um sistema de justiça ineficiente compõem o coquetel que transformou o México em um território de impunidade para aqueles que buscam silenciar as vozes críticas.
Para enfrentar esta situação desesperadora, o governo do então presidente Felipe Calderón estabeleceu em 2012 o Mecanismo de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos e Jornalistas, com o objetivo de garantir "a vida, a integridade, a liberdade e a segurança daqueles que estão em risco como resultado da defesa ou promoção dos direitos humanos e o exercício da liberdade de expressão e de jornalismo". O Mecanismo oferece a ativistas, jornalistas, mídia e ONGs sob ameaça medidas imediatas de proteção, como escoltas ou guarda-costas, instalação de câmeras de segurança e fornecimento de equipamentos como coletes à prova de balas ou telefones via satélite.
Sete anos após a criação do programa, o Peace Brigades International (PBI) e o Escritório de Washington para Assuntos Latino-Americanos (WOLA, em inglês) publicaram o relatório "Mudando o curso da impunidade. Proteção e acesso à justiça para defensores de direitos humanos e jornalistas no México". O documento analisa a trajetória do Mecanismo desde a sua criação até 2018, período que coincide com o termo completo do ex-presidente Enrique Peña Nieto, cuja administração "foi marcada por um aumento acentuado na hostilidade para com os críticos e dissidentes, e por uma incapacidade manifesta de proteger seus espaços de ação", diz o relatório.
Para coletar dados que fornecessem uma imagem precisa dos resultados da implementação do Mecanismo, entrevistas foram conduzidas com vítimas, autoridades mexicanas, organizações nacionais e internacionais de direitos humanos e membros do Espacio OSC: um grupo de organizações que representam as vítimas legalmente e que acompanham os casos perante o Mecanismo de Proteção. Além disso, mais de 40 pedidos de acesso à informação foram submetidos à Procuradoria Geral da República e aos procuradores e procuradorias dos dez estados mexicanos, onde o programa aceitou o maior número de pedidos de proteção.
Não foi fácil para as autoras Gina Hinojosa, Virry Schaafsma e Maureen Meyer acessarem os dados solicitados. "Poucos promotores e procuradores nos deram todas as informações que requisitamos dentro do prazo estipulado nas leis de transparência mexicana", disse Hinojosa, sssistente do Programa WOLA. "Tivemos que enviar vários pedidos e fazer várias ligações para receber as informações. No caso de Coahuila, o Ministério Público não nos deu uma resposta completa nos sete meses entre a apresentação de nossa primeira solicitação e a publicação do relatório. É por isso que o documento não inclui dados de Coahuila."
As autores também descobriram que as estatísticas de várias procuradorias não apresentavam um registro específico de crimes contra jornalistas e ativistas, impedindo assim a identificação de padrões e conexões entre os casos. "Nós vemos isso como uma séria desconsideração pelos altos níveis de violência enfrentados pelos defensores dos direitos humanos no México e um desinteresse por parte do governo mexicano em entender os riscos que eles enfrentam", disse Hijonosa.
A criação e permanência do Mecanismo não deixa de ser, em si, uma boa notícia. Até janeiro 2019 aceitou 644 dos 766 pedidos de proteção solicitados, com um total de 1.144 pessoas que receberam alguma forma de proteção a partir de 2012. O quadro geral é, no entanto, sombrio: desde agosto de 2017 seis beneficiários do programa foram assassinados, e o recém-chegado governo López Obrador cortou o já limitado orçamento do Mecanismo e, portanto, sua capacidade de ação.
Outras descobertas do relatório WOLA e PBI:
- As medidas de proteção oferecidas pelo Mecanismo são geralmente insuficientes. Não há protocolos de análise de risco que identifiquem as diferentes necessidades dos jornalistas ao conceder medidas de proteção. Estes são muitas vezes não confiáveis, não devidamente implementados e não levam em conta a realidade em diferentes regiões do México.
- O Mecanismo não possui níveis adequados de pessoal ou orçamento. No Mecanismo, existem apenas 35 funcionários que supervisionam a proteção de 831 jornalistas e ativistas.
- A incapacidade do governo mexicano de investigar agressões contra jornalistas e ativistas deixou essa população vulnerável a ataques. Entre 2012 e junho de 2018, apenas 3% das investigações iniciadas por procuradorias estaduais analisadas pela WOLA e PBI chegaram aos tribunais.
- Algumas instituições responsáveis pela aplicação da lei criminalizam o trabalho de jornalistas. O relatório revela que, no estado de Chihuahua, por exemplo, o número de casos em que as autoridades consideraram jornalistas como supostos agressores foi mais do que o dobro do número de casos abertos por crimes contra eles entre 2012 e 2018.
Poucos dias antes da publicação do relatório do WOLA e PBI, o governo mexicano publicou seu próprio relatório sobre o funcionamento do Mecanismo de Proteção. "O balanço ressalta muitas de nossas mesmas preocupações, reconhecendo, por exemplo, o fato de que as ações do programa são reativas e não proativas e são destinadas principalmente a fornecer medidas de proteção a jornalistas e defensores que já foram ameaçados ou atacados", disse Hinojosa. "Embora seja importante para o governo admitir que o Mecanismo não tem estratégias de prevenção para lidar com as causas dos riscos enfrentados pelos jornalistas e defensores dos direitos humanos, não fornece uma explicação de como planeja resolver essa deficiência."
O relatório do PBI e WOLA faz várias recomendações ao governo. A primeira é garantir que o Mecanismo de Proteção disponha dos recursos humanos e financeiros necessários para desempenhar adequadamente suas funções. O documento também dá ênfase especial ao trabalho investigativo dos promotores e recomenda que o pessoal familiarizado com o recente protocolo aprovado para investigar crimes cometidos contra a liberdade de expressão implemente mecanismos para supervisionar investigações e gere bases de investigação que claramente identifiquem os crimes cometidos contra jornalistas e ativistas.
"Acreditamos que os promotores e procuradorias devem ter registros sistematizados que controlem a frequência e tipos de crimes sofridos pelos ativistas de direitos humanos, para que possam identificar possíveis padrões e modus operandi comum", disse Hinojosa. "Essa informação não só ajudaria nas investigações, mas poderia ser compartilhada com o Mecanismo de Proteção para que seus funcionários entendam os riscos específicos enfrentados por ativistas e jornalistas em diferentes áreas do país e, assim, desenvolvam melhores estratégias de prevenção."
Leia o informe completo aqui. Leia um resume aqui (ambos em espanhol).
Imagem principal: Propuesta cívica
Imagem secundária sob licença Creative Commons no Flickr, via Adrián Martínez