Sete jornalistas viajavam para o norte do estado de Guerrero, no México, para uma cobertura, quando foram interceptados por 100 pessoas armadas e encapuçadas. Eles foram ameaçados com armas de fogo e tiveram seus pertences, câmeras fotográficas, celulares, dinheiro, computadores e um veículo roubados. O incidente foi em maio de 2017, e como os jornalistas não entregaram o trabalho, porque não chegaram a realizá-lo, os veículos para os quais trabalhavam não os pagaram.
"Muitos dos colegas que trabalham em veículos correm muitos riscos e estão desprotegidos, mas nós, freelancers, estamos mais desprotegidos ainda quando não temos um meio de comunicação para nos dar respaldo, seguridade social e salário fixo", diz Analy Nuño, coordenadora geral da Frontline Freelance México (FFM).
A organização, fundada pela jornalista Andalusia Knoll Soloff, foi criada na raiz do episódio dos sete jornalistas em Guerrero e em um dos países mais letais e perigosos para exercer o jornalismo. De acordo com a organização internacional de direitos humanos Article 19, desde o ano 2000 até hoje, 156 jornalistas mexicanos foram assassinados em conexão com o seu trabalho.
Inspirada pela organização internacional Frontline Freelance Register, a FFM tem como objetivo ajudar jornalistas freelancers mexicanos a se organizarem e exigirem garantias para realizar seu trabalho e defender seus direitos trabalhistas. Atualmente a FMM tem 250 integrantes. Além de jornalistas, há documentaristas, fixers, cartunistas, radialistas, editores, designers, técnicos de som e trabalhadores que prestam serviços para meios de comunicação no país.
"Sabemos que o número de jornalistas freelancers está aumentando no México por diferentes razões: demissões em massa nos veículos e as necessidades dos próprios jornalistas, que buscam mais flexibilidade editorial e diversificação de suas fontes de receita para desenvolver seu trabalho", explica o site do projeto. É nesse contexto, diz Nuño, que os jornalistas freelancers estão trabalhando, em condições de "alta precarização".
A coordenadora da FFM dá como exemplo o caso de Moisés Sánchez, jornalista desaparecido e assassinado em fevereiro de 2015, em Veracruz. "Fomos alertados que pagavam a ele 50 pesos mexicanos [cerca de R$ 15] por matéria. Essa é a precarização de que estamos falando. São companheiros que nem se reconhecem como jornalistas ou freelancers; como não há veículos onde moram, eles fazem matérias e publicam em seus próprios portais, e alguns veículos as compram por 50 pesos."
A insegurança que se vive no país como produto da corrupção e do narcotráfico se soma à alta precarização do exercício da profissão. "Pode haver tiroteios e assassinatos em todo o país diariamente, e estamos no meio disso. Na Cidade do México vive-se outro tipo de violência, que é exercida principalmente nas manifestações de rua, por isso queremos descentralizar o tema. A maioria dos colegas em risco está fora da bolha da Cidade do México", explica Nuño.
Uma das principais ações realizadas pela FFM é a valorização e reconhecimento do trabalho dos jornalistas freelancers. Do mesmo modo, colocam em destaque o papel do "fixer": o jornalista local que assessora, informa e acompanha outro jornalista ou grupo de jornalistas — normalmente estrangeiros — que vão cobrir um determinado tema ou fato na região.
Nuño conta que, nas oficinas oferecidas sobre jornalismo fixer, sempre perguntam no primeiro encontro: "quem é fixer aqui?" e só uma ou duas pessoas levantam a mão. Quando explicam o que é um fixer, voltam a fazer a pergunta e 90% dos participantes levantam a mão. "Eles se dão conta que fizeram um trabalho e nunca foram pagos."
A coordenadora do FFM acrescenta que alguns colegas "são pagos com um café", mas há outros que estão se organizando, como no sul do México, e "acordaram em cobrar US$ 150 por dia", ainda que "isso dependa do assunto e da região: cobrir um tema de menor risco não é o mesmo que ter que se deslocar até uma serra e ir a um acampamento do crime organizado."
A FFM entende que há muito trabalho a ser feito nesse sentido, por isso, estão desenvolvendo o projeto Fixing Journalism, com uma bolsa da Global Initiative: o projeto trabalha o que é um fixer; como cobrar melhor; como planejar as coberturas; o que considerar na segurança física e das equipes de trabalho; como passar de fixer a produtor e como negociar os créditos e reconhecimento quando for publicada uma matéria ou concedido um prêmio pelo trabalho realizado.
Segundo Nuño, o Mecanismo de Proteção para Jornalistas no México falhou. "A situação do país nos obriga a criar essas redes de acompanhamento, confiança e apoio que nos permitem responder mais rápido e de forma organizada frente a situações de insegurança e violência", assegura.
Foto por Eddi Aguirre via Unsplash.