A rede de podcasts árabes Sowt se baseou na rica tradição de história oral da região com uma ressalva: nenhum tema é tabu.
Os programas tocaram em divórcio, homossexualidade, estupro e igualdade de gênero, todos tópicos geralmente considerados impróprios pela sociedade árabe. A série baseada na Jordânia continua ganhando popularidade, especialmente entre os públicos mais jovens da região.
A rede de podcasts tem mais de 130.000 seguidores no Facebook e um engajamento semanal de 300.000 a 400.000 em plataformas de mídia social em geral, de acordo com Ramsey Tesdell, diretor executivo do Sowt. A maioria dos ouvintes vem da Jordânia, Egito, Argélia e Arábia Saudita, além de outros países na região do Oriente Médio e Norte da África.
Sowt, que significa "voz" em árabe, recebe elogios de outras mídias.
Um artigo do Nieman Lab chamou-o de "um dos nomes mais proeminentes da paisagem árabe de podcasting" e "uma raridade no Oriente Médio". O Arab Weekly o elogiou como uma "plataforma para democracia e direitos humanos" na região, e o Arab News o chamou de "o maior nome em podcasting de língua árabe".
O que explica o crescente apelo do Sowt para o público árabe?
Os criadores do Sowt se apoiam fortemente nas vozes humanas para apresentar relatos de sobrevivência, superar obstáculos e encontrar o extraordinário na vida cotidiana. As narrativas geralmente se conectam a um contexto social mais amplo e a tabus culturais/religiosos nas comunidades árabes.
Em vez de depender de um formato de perguntas e respostas ou de talk-show, o áudio narrativo do Sowt coloca os ouvintes em cena, desenvolve personagens e fornece linhas de história memoráveis com apelo emocional.
“[Sowt] entendeu desde cedo o potencial de uma audiência ávida por uma melhor narração em áudio em uma região onde o mercado de podcasts ainda está engatinhando”, escreveu Stefania D'Ignoti para o Nieman Lab em janeiro de 2018.
Essa marca da programação é mais difícil e cara de produzir: “Mas o público adora isso”, disse Tesdell. "Nós nos concentramos na narrativa principalmente porque é um método melhor de contar histórias e não havia mais ninguém produzindo esse tipo de conteúdo."
O programa mais popular, "Eib" [Vergonha], aborda questões de gênero e sexualidade na região. Tesdell descreve os tópicos como “assuntos raramente discutidos na sociedade jordaniana”. Alguns episódios alcançaram até 70.000 downloads.
Outro programa, “Blank Maps” [Mapas em branco], examina a situação dos cidadãos apátridas na região árabe. Um episódio contou a história de uma mulher sudanesa que foi estuprada em um campo de prisioneiros no Sudão e chegou à Jordânia como refugiada sem perceber que estava grávida.
“Ela foi uma voz tão poderosa, uma incrível contadora de histórias, enfatizando certos aspectos de sua narração fazendo barulhos, batendo palmas. Você poderia deixá-la contar a história com uma intervenção muito pequena do jornalista. E as pessoas adoraram. Até hoje é um dos episódios mais ouvidos”, escreveu Tesdell em um artigo para o Fundo Europeu para a Democracia, um dos financiadores do Sowt.
Outros programas do podcast incluem um que examina a relação entre o poder religioso e o governo no mundo árabe; “O parlamento”, em que jordanianos falam sobre como as ações legislativas afetam suas vidas; e “A jornada”, que foca no Médicins Sans Frontieres, testemunhando guerra, deslocamento e asilo em todo o mundo.
“Os podcasts estão revolucionando o mundo árabe. Existem várias novas organizações e empresas os produzindo [agora]”, diz Tesdell. "Não era que as pessoas não quisessem ouvir [antes]. Simplesmente não havia um conteúdo ótimo ou suficiente.”
Existem outros fatores que estão tornando os podcasts mais populares no mundo árabe. Os telefones celulares conectados à internet se tornaram comuns na sociedade árabe, facilitando o acesso aos podcasts. As pessoas também estão gastando mais tempo em tráfego e viagens, um cenário provável para o crescimento do conteúdo de áudio sob demanda.
No entanto, embora a popularidade do podcast esteja crescendo, o Sowt ainda enfrenta um desafio com o qual muitas outras startups de mídia estão lidando: expandir seu público e seus fluxos de receita.
Cerca de 60% do orçamento do estúdio de produção de podcast é gerado por contratos com clientes privados, como o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e o Médicins Sans Frontieres. O restante vem de doações e projetos colaborativos com outras mídias da região.
A equipe do Sowt está explorando opções de licenciamento, associações e patrocínios. O feedback sobre os novos modelos foi "positivo", diz Tesdell, e um anúncio provavelmente virá em 2019. Ele faz parte do comitê consultivo do programa de criação de podcasts do Google e participou de um bootcamp de podcast em Boston no início do ano.
Até agora, a resposta ao Sowt foi "bastante positiva", segundo Tesdell. No entanto, tem havido alguns comentários religiosos, especialmente sobre "Eib", o programa que trata de sexualidade. "Não atacamos posições nem ideias", acrescenta ele. "Tentamos incentivar nossos ouvintes a se envolverem criticamente com o mundo ao seu redor ouvindo uma história."
Quando a IJNet pediu dicas sobre podcasting, ele forneceu um link para dois cursos que criou e que, desde então, foram publicados na Advocacy Assembly, uma plataforma de treinamento online gratuita para jornalistas e ativistas de direitos humanos em inglês.
Nos cursos “Making your own podcast” [Criando seu próprio podcast] e “Podcasts and Storytelling” [Podcasts e contação de história]", Tesdell orienta os usuários sobre tópicos como pesquisar e contar uma história, como definir o estilo do podcast, promover seu podcast e mais. Outro recurso útil é a newsletter mensal do Sowt, chamada Microphone, que fornece informações sobre o crescente número de podcasts no mundo árabe.
Imagem sob licença CC no Wikimedia Commons