Na última quinzena de fevereiro, enquanto o novo coronavírus ainda estava um pouco distante para a América Latina, as dez mídias vencedoras do programa Velocidad preparavam seus projetos para este ano. Eles trabalharam com o apoio de um consultor e traçaram suas estratégias para aproveitar ao máximo os recursos da aceleradora desenvolvida pelo Centro Internacional para Jornalistas e SembraMedia, com o apoio do Luminate. E, acima de tudo, pensavam em planos para crescer.
Algumas semanas depois, a pandemia e a quarentena chegaram e o cenário mudou para todos. No entanto, eles seguiram em frente.
Nesse período, os veículos de mídia não só conseguiram adequar seus planos ao novo contexto, mas também descobrir novas oportunidades. Neste artigo, quatro deles compartilham seus aprendizados e dicas para lidar com uma crise inesperada.
Compromisso
O Posta, uma mídia digital com sede na Argentina, foi fundado em 2014 e é conhecido como a maior produtora de podcast do país. Seu conteúdo tende a se concentrar em temas como ideias, inovação, tecnologia, entretenimento e cultura pop. Com o apoio do Velocidad, planejou expandir sua produção e aprofundar seu relacionamento com o público.
Seu grande projeto no programa foi o lançamento de um podcast diário. Apesar da crise, o Posta conseguiu apresentar Esto Pasó Posta, um resumo noturno das notícias de cada dia. Além disso, o coronavírus trouxe uma oportunidade que não estava nos planos: um pequeno podcast em parceria com o site El Gato y la Caja para analisar a pandemia.
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Nada disso foi fácil. O trabalho remoto foi um grande desafio para a organização, que requer estúdios especiais para gravar seus produtos. Porém, a equipe descobriu neste contexto a flexibilidade e adaptabilidade da organização.
Acima de tudo, o Posta priorizou a qualidade profissional do áudio e conteúdo para satisfazer seu público. “Temos um público que busca em nós uma alternativa de entretenimento, informação, educação, acesso a outras ideias. E o nosso compromisso com esse público, acho que foi mantido”, destaca Luciano Banchero, cofundador da mídia.
Adaptação
Não só o Posta foi capaz de ser flexível. Lado B, um portal do estado mexicano de Puebla, também identificou essa virtude durante a pandemia. “Às vezes algo parece muito bom, mas não pode ser feito agora”, reflete Mely Arellano, editora do site. Para ela, é preciso saber quando agir, desistir ou adiar completamente uma atividade.
Entre os planos do Lado B para 2020, havia uma série de workshops presenciais, algo que foi descartado com a chegada do coronavírus ao México. A primeira coisa que o veículo fez foi modificar esse objetivo e começar a organizar workshops online. O problema, é claro, era que muitos outros ofereciam o mesmo serviço. “Tivemos que lançar nossos primeiros workshops gratuitos com a opção de cooperação voluntária”, diz Arellano.
No entanto, essa decisão permitiu a eles capitalizar e construir laços com a sua comunidade, uma das áreas que o veículo queria trabalhar no âmbito do Velocidad.
Então eles passaram a focar em ações com o público. Não tinham pensado em desenvolver sua newsletter, mas decidiram fazê-la para ter um novo meio de comunicação. “Fizemos apelos para que nos respondessem, [e] obtivemos respostas”, destaca Arellano. Segundo ela, o escopo ainda é modesto, mas a equipe do Lado B está satisfeita em ver que está se envolvendo em uma conversa que antes havia apenas brevemente.
Decisão
“Quando começamos com as membresias, não tínhamos certeza se ia funcionar ou não”, lembra Claudia Urquieta, da CIPER. Este veículo chileno é especializado em investigações jornalísticas e, para a equipe que o compõe, esse tipo de trabalho era necessário. Assim, eles acreditaram, as pessoas iam valorizar esse trabalho.
Quando a pandemia chegou ao Chile, também surgiu a necessidade de boas informações sobre o que estava acontecendo. Para a CIPER, isso significou tomar a decisão de manter sua missão, mas focar na atualidade. “Não vamos mudar o nosso rigor, mas de repente podemos priorizar e focar em certas coisas mais atuais, sempre com o selo da pesquisa”, explica Urquieta.
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Para ela, “o jornalismo, em situações como essa, realmente mostra a abrangência e a necessidade que gera, porque é preciso que as pessoas estejam informadas por uma fonte confiável”. Foi o caso da CIPER, que publicou uma reportagem em 13 de junho que revelava que o governo chileno entregou à Organização Mundial da Saúde um número de mortes superior ao divulgado no país.
O trabalho da CIPER teve vários impactos. Depois que essa informação foi conhecida, o ministro da saúde do Chile renunciou. Além disso, foi um marco no programa de associação/membresia da organização. Em menos de uma semana, eles receberam 600 novos membros.
Resiliência
A organização Convoca no Peru planejou um trabalho de consolidação e crescimento para 2020. “Ia ser o ano com maior número de projetos e continua a ser. Não mudou”, afirma a diretora Milagros Salazar.
A crise provocada pela pandemia surgiu então como uma oportunidade para se adaptar e agregar valor às informações. Porque, como as outras mídias no Velocidad, o contexto global também desafiou a organização peruana a acelerar alguns processos, revisar e mudar as formas de trabalhar. Mas também teve um impacto pessoal.
Salazar foi uma das peruanos encalhadas na fronteira com o Brasil. Essa foi para a Convoca uma oportunidade de contar em primeira mão as histórias de pessoas presas no exterior. “Muitos de nossos leitores foram os que ficaram presos”, lembra ela. Em seguida, o pai de Salazar adoeceu e foi um dos primeiros a morrer de COVID-19 no Peru.
Quando isso aconteceu, o Convoca se tornou "um meio de referência para retratar a situação em hospitais, clínicas e serviços de saúde". Em sua odisséia para tentar saber o diagnóstico de seu pai, Salazar escreveu uma visão geral do estado do sistema de saúde peruano em face da pandemia. “Algo tão forte quanto uma dor como a perda de um pai torna-se uma oportunidade de serviço público”, analisa.
Assim nasceu o site “Faça sua parte, vamos enfrentar a pandemia juntos”, um espaço para que cidadãos e profissionais de saúde reportem suas experiências com o vírus. Este projeto homenageia as diferentes faces da pandemia: em primeiro lugar, "os inesquecíveis", as pessoas que partiram; em segundo lugar, “os essenciais”, os profissionais de primeira linha que trabalham neste contexto todos os dias; e finalmente, “os resilientes”, aqueles que, no entanto, sobreviveram.
Apesar de tudo, o veículo registrou um crescimento histórico de audiência em 2020 e conseguiu consolidar sua equipe. Por isso, para Salazar, o Convoca é também um dos resilientes nesta história.
Aldana Vales é coordenadora de programa do ICFJ. Lucia Ballon-Becerra é assistente de programa do ICFJ.
O programa Velocidad é implementado com fundos do Luminate, e foi desenvolvido pelo ICFJ e SembraMedia para apoiar o trabalho de meios de comunicação independentes e digitais da América Latina.