Nos últimos três meses, o jornalismo na internet cresceu como nunca antes ― efeito da pandemia do novo coronavírus, que levou ao aumento no consumo de mídia online, de acordo com a empresa de análise de mídia Comscore. Veículos do Brasil e do mundo registraram aumento em métricas como páginas visitadas, engajamento e tempo de leitura.
A pandemia trouxe também uma crise econômica que está em seu início. Há menos dinheiro na praça, menos pessoas com dinheiro para se tornarem assinantes e menos empresas com verba para publicar anúncios. Assim, o jornalismo encontra-se num paradoxo, na visão de Marcelo Rech, presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ). “É um crescimento muito grande de audiência e uma queda enorme em publicidade”, diz.
O cenário mostra-se mais complicado. Rech considera o momento como uma “tempestade mais que perfeita”, pois a economia brasileira vinha de um período de recessão e estagnação, e ainda enfrenta um governo que tenta prejudicar a imprensa. Por outro lado, ele lembra que o crescimento da audiência tem relevância a longo prazo, pois o jornalismo profissional serve de contraponto à desinformação.
O problema é que audiência alta ou maior engajamento não resulta automaticamente em receita para as organizações, seja ela originária de assinantes ou de anunciantes ‒ os principais pilares financeiros das empresas jornalísticas no ambiente digital. A publicidade ainda tem peso relevante na receita das organizações jornalísticas, embora não tanto antes quanto da revolução digital.
O Relatório da World Association of News Publishers (WAN-IFRA) sobre jornais ao redor do mundo mostra que a audiência teve maior participação do que a publicidade na receita das organizações: 84 bilhões dólares contra 62 bilhões de dólares em 2018. Durante a pandemia, parece se intensificar esse movimento em que audiência ganha mais peso na balança comercial.
Camila Marques, editora de digital e audiência da Folha de S.Paulo, diz que o jornal chegou a um patamar cinco a seis maior que a média diária de novos assinantes. Sobre a audiência, ela fala que se mantém em níveis altos, mas não tanto por causa da COVID-19. “Mesmo que a atenção com o coronavírus tenha diminuído um pouco, a crise política tem mantida essa atenção num nível bem alto.”
Um dos problemas para negócios com base em assinaturas é manter os assinantes. Nesse aspecto, Marques diz que a quantidade média de cancelamento foi a mesma de períodos anteriores. A tendência é verificada no jornal O Povo, do Ceará, que passou a ter 71% mais assinantes de abril para maio. Segundo a diretora-executiva de jornalismo do O Povo, Ana Naddaf, a crise do coronavírus legitimou outra crise, a do modelo de negócio da indústria de comunicação.
Naddaf fala que os “jornais regionais nunca foram tão necessários e nunca tiveram tanta conexão com suas comunidades, ao mesmo tempo em que enfrentam significativa queda em sua receita”.
O Povo está em um momento de transição, do print-centric para o digital-centric ― ou seja, estratégica com foco no digital, mas sem abandonar o impresso. A mudança traz o lançamento de uma plataforma multistreaming, O Povo+, com conteúdo jornalístico, séries, podcasts, cursos e livros digitais. “Tem sido um processo permanente reavaliar estratégias editoriais e comerciais para se chegar a uma estabilidade e, quem sabe, a um possível crescimento a longo prazo”, completa Naddaf.
Audiência alta e balanço positivo entre assinantes e cancelamentos para nativos digitais
O The Intercept Brasil quebrou seu recorde audiência com uma matéria sobre o senador Flávio Bolsonaro. Marianna Araújo, diretora de comunicação do site, diz que aumentou tanto o número de novos assinantes quanto o de cancelamentos. Ainda assim, mais pessoas entraram do que saíram. O motivo é problema de renda. “Mais da metade das pessoas que a gente perdeu foi fundamentalmente por conta de problemas de financeiras, ou desemprego ou redução drástica da renda.”
O The Intercept Brasil opera de forma mista. Parte dele é mantido pela First Look Media, organização sem fins lucrativos criada em 2013 por Pierre Omidyar, fundador do eBay, e por doações. “E tudo que entra de doação é o que possibilita esse trabalho se expandir. O que a gente almeja é essa campanha de 300 mil reais por mês”, diz ela.
A arrecadação ocorre pela plataforma de financiamento coletivo Catarse. Há recompensas de acordo com o valor doado. Na mais barata, a pessoa é convidada para um grupo exclusivo no Facebook em que há uma debate de ideias e matérias com a equipe do jornal. A mais cara oferece, além do grupo na rede social, acesso a um curso de segurança digital, um livro autografado e convite para eventos, entre outros benefícios.
A campanha não se reinicia a cada mês e o valor pode oscilar. Araújo explica que a pessoa pode não pagar o boleto, por exemplo, mas que há uma boa taxa de retenção de assinantes. “As pessoas costumam ficar com a gente por um bom tempo”, diz.
Outra empresa jornalística que registrou alta no número de assinantes foi a newsletter Meio. “A base de audiência gratuita cresceu quase 8%, de fevereiro para maio. Já entre os pagos o crescimento foi bem maior, de 34%”, diz Vitor Conceição, CEO do Meio. Quem paga recebe uma edição exclusiva aos sábados e recebe mais cedo as edições diárias, que têm uma editoria exclusiva sobre economia. Eles também têm acesso ao Monitor, uma ferramenta que pré-seleciona textos para a newsletter.
Há duas opções de pacotes pagos. O mensal, com 58% dos assinantes, e o anual, 42%. Se o segundo grupo traz uma certa estabilidade contábil, o primeiro traz a mesma oscilação percebida pela diretora de comunicação do The Intercept. Com isso, é necessário compensar a perda pela publicidade. Em 2019, o faturamento do Meio veio 60% de assinatura e 40% de publicidade.
“Com a pandemia, o mercado publicitário desapareceu”, diz Conceição. Para compensar fechar as contas sem publicidade, ele fala que é preciso trazer um número grande de assinaturas todo mês. “Por enquanto está tudo bem. Até quando vai continuar assim, eu não sei, e esse é nosso grande ponto de preocupação nos próximos meses”, finaliza.
Daniel Dieb é jornalista freelancer com foco em ciência, saúde e tecnologia. Colabora com a Folha de S.Paulo e o UOL, pesquisou jornalismo e divulgação científica com apoio da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e é membro da Rede Brasileira de Jornalistas e Comunicadores de Ciência (RedeComCiência).
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