Porque a Énois construiu uma Caixa de Ferramentas de Diversidade? 

Mar 20, 2023 em Diversidade e Inclusão
Diversidade

Somos a Énois um Laboratório de jornalismo que tomou como missão impulsionar a diversidade, a inclusão e a representatividade no jornalismo brasileiro. Começamos como uma Escola de Jornalismo para jovens das periferias de São Paulo e florescemos pelo Brasil para apoiar a diversidade no jornalismo local, apoiando jornalistas e organizações que informam seus territórios. 

Quando a Caixa de Ferramentas de Diversidade nasceu, em 2020, já estávamos  caminhando e pautando há mais de 10 anos um jornalismo descentralizado, disruptivo e focado nos territórios. Toda esta trajetória, feita com muita parceria e troca, nos levou a organizar, sistematizar e cuidar dessas experiências para serem replicadas nas diversas redações pelo Brasil. A ideia é que, se alguém que já fez o caminho, compartilhar, outros que vem atrás poderão dar mais passos à frente e assim o jornalismo se fortalece.

O caminho decolonial no jornalismo

Para entender a Caixa precisamos voltar para a Escola de Jornalismo, que começou em 2009 e ensinava jornalismo para jovens periféricos de São Paulo - eu mesma fui aluna em 2018. Na EJ tivemos uma aula com Bianca Santana sobre referências negras no jornalismo, na literatura e na história do Brasil. Isto mudou completamente a minha forma de enxergar a comunicação. Foi um encontro sensível e que não sanou as dores que a falta de  representação dos nossos corpos nas práticas e produções jornalísticas causam, mas nos mostrou um outro caminho já existente que podemos chamar de decolonial: uma forma de repensar e romper com as clássicas e questionáveis práticas que existem em algumas redações, ainda. 

Para a Énois, essa formação rendeu muitas cutucadas, provocações e deslocamentos. Porque é assim que construímos: trabalhar com diversidade é trabalhar com deslocamentos que ocasionam desconfortos e são necessários para nos fazer mirar naquilo que não alcançamos ainda. E passamos a ter uma missão mais objetiva e contundente de mostrar que o jornalismo tradicional tem uma perspectiva branca, elitista e olha o mundo a partir deste ponto de vista. E isto não é neutralidade. Onde estão as pautas racializadas? Onde estão as pessoas negras? De que cor e classe são os que pensam e teorizam sobre o jornalismo?

Como funciona a caixa de ferramentas?

Já tínhamos uma caixa que organizava as metodologias que desenvolvemos e coletamos para o ensino de jornalismo, mas ainda não havia uma caixa que funcionasse para redações. Assim ela surgiu. A caixa de ferramentas carrega a nossa consciência  e personalidade é o espírito da Énois, um espaço em que a gente compila ações que rompem com práticas coloniais de fazer jornalismo. 

Para apoiar essa construção e ter sentido, a Caixa é um produto gratuito, basta acessar o site e escolher uma das áreas de cobertura: Audiência, Cultura, Distribuição, Equipe, Gestão e Produto. 

Como são feitas as sistematizações que estão na caixa? Assim como um laboratório testa o seu objeto científico até dar certo, fazemos isto também: identificamos práticas dos nossos parceiros, aprendizes, facilitadores e da equipe da Énois; sistematizamos o que é replicável e usamos na formação. Depois, publicamos na Caixa de Ferramentas. Eu sou uma das pessoas que, junto com a equipe, pauta e sistematiza as ferramentas que encontramos nas formações.

Exemplo prático

Para entender a funcionalidade e aplicação das Ferramentas trago o exemplo da jornalista Gessika Costa, do Olhos Jornalismo , que participou de vários dos nossos programas. Em um dos encontros sobre Amazônia e questões indígenas, propomos, através da Caixa de Ferramentas,  a criação de um Banco de fontes indígenas. Este banco possibilitou que Costa desenvolvesse uma pauta sobre a saúde da população indígena com fontes indígenas. 

"Com a Reflexão da criação de um Banco de Fontes Indígenas, aqui em Alagoas eu pude perceber que precisamos diminuir as distâncias”, conta Costa. O primeiro passo que a jornalista deu foi apurar a existência de comunidades indígenas em Alagoas, depois procurar agentes locais que possibilitaram o contato com as comunidades. O segundo passo para a criação do Banco de Fontes foi procurar referências indígenas, que ajudaram com outros contatos e buscas nas redes sociais. 

Uma reflexão importante que Gessika Costa traz da experiência com o banco de fontes é ter tirado os indígenas das pautas eventuais: “ A cobertura da pauta indígena precisa pautar o dia a dia das comunidades tradicionais”.

Nosso objetivo é que a Caixa torne o percurso mais fácil para que a diversidade entre na moda, mas não de uma forma superficial. A diversidade precisa estar na equipe, nos protocolos das redações, nas práticas dos jornalistas, para então impactar de forma positiva o conteúdo. Ela precisa transformar os processos e as visões de mundo. Sim, diversidade está na moda, e precisamos aproveitar esse “hype” para pautar mudanças que transformem as estruturas do jornalismo. Há muitos caminhos e vários deles estão na Caixa.


Foto: Arte retirada do site da Énois Jornalismo.