Muito frequentemente, jornalistas escrevem sobre grupos marginalizados, focando principalmente nos problemas. Não é o caso de Oscar Perry Abello (Next City) e Priti Salian (freelancer), que há muito tempo escrevem com e para esses grupos. Eles produziram mais de 75 matérias que exploram o que está funcionando para ajudar a superar barreiras à inclusão, igualdade e prosperidade na economia, educação, medicina e outras áreas.
Abello e Salian falaram com os bolsistas de 2021 e 2020 do programa LEDE da Solutions Journalism Network — empreendedores de jornalismo que promovem o jornalismo de soluções selecionados em um processo concorrido — sobre como produzir reportagens de soluções para/com grupos que foram privados de poder, privilégio e recursos. Abaixo estão as cinco principais dicas de Abello e Salian. Você também pode assistir o debate completo, no qual eles apresentam exemplos de seu próprio trabalho:
Estude e faça referência à história do grupo que você está cobrindo
"As pessoas não são marginalizadas porque são preguiçosas", diz Abello, ao falar sobre a forma como o racismo estrutural afeta tudo, como a negação de empréstimos e de moradia. Ele observa como é importante que jornalistas ajudem suas audiências a entender como tais grupos foram oprimidos — seja por meio de leis formais ou atos mais sutis de exclusão.
Por exemplo, uma reportagem recente de Abello explora como fundos comunitários de terras estão fornecendo moradia acessível e oportunidade de trabalho para a população negra de New Orleans. No texto, ele incluiu a história de como a população afro-americana da cidade foi excluída de oportunidades econômicas antes de tudo, apontando para leis discriminatórias que a impediu de acumular capital, economizar capital e investir ou possuir imóveis.
Reconheça o poder de ação das pessoas
Abello sugeriu também que o jornalismo de soluções bom (e preciso) deve reconhecer as formas pelas quais as pessoas estão trabalhando por conta própria para lidar com os problemas que enfrentam. "Esses grupos não são donzelas em apuros esperando um cavaleiro em uma armadura brilhante chegar para salvá-los", diz. Abello encorajou os jornalistas a cobrir o que as pessoas estão fazendo com seus próprios recursos para resolver seus desafios. Por exemplo, em uma matéria recente sobre ex-presidiários que buscam emprego, ele explora como um grupo de mulheres lançou um negócio de alimentação de propriedade de trabalhadores que tem tido sucesso na arrecadação de fundos, organização e gestão de negócios.
Salian concorda. Em sua última matéria para o The Guardian, ela descobriu que pesquisas sobre tratamentos de doenças raras na Índia começaram por iniciativa de pacientes — exatamente as pessoas que sofrem com essas doenças. "[Os pacientes] muitas vezes assumem para si mesmos a tarefa de começar e financiar pesquisas de medicamentos já que os governos sempre foram relutantes em focar nos grupos pequenos", diz.
Trate informações sensíveis com cuidado
Salian observa que na maioria das vezes é crucial que os jornalistas pensem sobre a melhor maneira de encontrar informações sobre assuntos sensíveis. "Por exemplo, é imprudente perguntar a uma mãe qual a expectativa de vida de seu filho com doença terminal", diz, sugerindo que em vez disso jornalistas consultem pesquisas ou perguntem a um médico. "Familiares, amigos e outras pessoas que conheçam suas fontes podem dar as informações que faltam e que são factuais, mas difíceis de se pedir diretamente", acrescenta.
Ela também diz que jornalistas devem pensar com cuidado sobre a linguagem que usam em suas matérias. "Diga 'doença com risco de vida' em vez de 'ninguém com a doença X viveu mais de 12 anos'", diz Salian, sugerindo que jornalistas conversem com seus editores para garantir que eles entendam — e apoiem — as razões por trás dessas importantes escolhas de linguagem.
Resista à expropriação
Abello sugere que é possível encontrar muitas pautas sobre como as pessoas trabalharam para combater as formas pelas quais os poderosos tomaram seus recursos. "Como esses grupos trouxeram outras pessoas para a sua perspectiva para administrar o dinheiro ou estruturar um negócio?", questiona. A matéria que ele fez sobre cooperativas de trabalhadores nos Estados Unidos responde essa pergunta ao examinar as táticas específicas que trabalhadores usaram para levantar fundos e aplicar capital de forma equitativa.
Salian acrescenta que, ao escrever sobre expropriação, é importante que os próprios jornalistas não sejam expropriativos. "Às vezes, entrevistas com grupos marginalizados e desprivilegiados podem impor barreiras quando as pessoas não falam a mesma língua, não têm telefones ou não têm acesso a dados ou wi-fi", diz.
Ela observa como barreiras emocionais podem ser o maior obstáculo, principalmente se a matéria for sobre uma situação que pode nunca mudar. Por exemplo, quando Salian escreveu sobre um aplicativo de namoro para pessoas com deficiência, ela dividiu as conversas ao longo de vários telefonemas e encontros, já que alguns entrevistados achavam mais fácil falar com dois ou três amigos que eles conheciam e em quem confiavam. Dito de outro modo, em vez de esperar que as pessoas falassem do modo mais conveniente para ela, ela se esforçou para criar um ambiente em que suas fontes se sentissem confortáveis e seguras.
Elabore sua narrativa tendo em vista as preferências e o que for melhor para suas fontes
Salian lembra que jornalistas devem ter cuidado com a linguagem e o enquadramento, encorajando-os a perguntar às fontes como gostariam de ser descritos em uma matéria, em vez de fazer suposições. Ela dá o exemplo de uma reportagem que escreveu para uma revista feita por e para jornalistas que foram obrigados a deixar seu país de origem. Quando uma fonte disse a Salian que não queria ser associada com a palavra refugiada, Salian respeitou o desejo da fonte, omitindo esse rótulo, e em vez disso usou "exilada" para descrevê-la.
Salian também tem cuidado ao decidir se vai usar o que uma fonte diz. Fontes às vezes não entendem as consequências do que dizem, segundo ela. "Uma vez, uma jovem surda disse que colava nas provas da faculdade para conseguir passar e queria que eu citasse isso no meu texto para destacar as condições deploráveis de educação para crianças surdas. Eu decidi deixar a informação de fora por achar que isso poderia afetar desfavoravelmente as perspectivas de trabalho dela", diz. Em vez disso, ela incluiu dados nacionais para mostrar as barreiras enfrentadas por crianças surdas.
Esta matéria foi originalmente publicada pela Solutions Journalism Network e republicada pela IJNet com permissão.
Foto por Mikelya Fournier via Unsplash.