Por que jornalistas devem usar linguagem precisa para combater desinformação

Jun 7, 2023 em Combate à desinformação
Microphone before a protest

Provavelmente você já ouviu o termo "fake news" antes. Em parte devido ao uso massivo pelo ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, no primeiro ano de seu mandato, a expressão foi inclusive declarada "a palavra do ano" pelo Dicionário Collins em 2017.

Inspirados por Trump, políticos autoritários no mundo todo falam em "fake news" para descredibilizar o jornalismo crítico. Pode ser que seus amigos também tenham usado o termo por aí para questionar a validade das fontes que você lê. Enquanto isso, algumas figuras da mídia usam o termo literalmente para se referir ao que é de fato informação falsa ou desinformação.

"O termo se tornou tão batido que perdeu seu impacto", diz Jessica Yellin, jornalista e fundadora do News Not Noise

Para contribuir de forma eficaz com uma sociedade democrática, os cidadãos precisam atender o que acontece ao seu redor. Notícias factuais são um componente chave desse entendimento. "A relação das pessoas com as notícias é crítica para que elas se tornem cidadãs engajadas de suas comunidades e para que tomem decisões realmente embasadas sobre como vivem em suas cidades e comunidades", diz DeMario Phipps-Smith, gerente sênior de aprendizagem comunitária do News Literacy Project.

Jornalistas têm um papel fundamental a ser desempenhado na mitigação do dano causado pela desinformação, e a linguagem utilizada é um ponto de partida crítico. O uso do termo "fake news" pode romper a confiança geral no jornalismo, mesmo se o termo estiver sendo usado para denunciar informação falsa ou enganosa. 

A seguir estão pontos que jornalistas devem saber sobre o uso da expressão "fake news" e como podem combater a desinformação sem contribuir com narrativas prejudiciais.

Uma breve história das "fake news"

Um exemplo inicial notável de desinformação intencional nos Estados Unidos foi o artigo "A Grande Farsa da Lua", publicado em 1935 pelo New York Sun, que afirmava falsamente ter encontrado civilizações vivendo na Lua. Relatos falsos de manifestantes durante o Movimento pelos Direitos Civis no país e a suposta Operação Mockingbird nos anos 1950, quando a CIA supostamente recrutou jornalistas para publicar textos positivos sobre o governo e depreciar ideologias comunistas, são outros exemplos de desinformação em ação no século passado.

Já o termo "fake news" apareceu pela primeira vez no fim do século XIX. Sua vida atual, "adaptada para a internet", ganhou forma na década passada.

Nos últimos anos, políticos – mais notavelmente Trump, Vladimir Putin e membros do Ministério das Relações Exteriores chinês – adotaram o termo para semear desconfiança em relação à mídia independente. De maneira semelhante, o ex-presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente das Filipinas Rodrigo Duterte acusaram infundadamente jornalistas de disseminar "fake news" quando estavam no poder. Esses líderes perseguiram veículos que fizeram reportagens críticas contra eles, usando o termo particularmente para enfraquecer a confiança geral no noticiário.

Ao retratarem todas as notícias como potencialmente inverídicas, os líderes conseguem suprimir a energia das pessoas para a ação democrática e civil. "Quando você deixa o público exausto, deprimido e sobrecarregado, ele perde a habilidade de discernir o que realmente importa e de sentir que tem o poder de mudar o mundo", diz Yellin.

Os benefícios da linguagem precisa

Usar linguagem mais precisa ao discutir o grande volume de informação falsa que circula no mundo hoje pode ajudar os jornalistas a restaurarem a confiança na mídia e combaterem a desinformação.

Somente 0,15% das notícias publicadas diariamente consumidas pelos leitores é deliberadamente falsa ou enganosa, de acordo com um estudo de 2020 publicado pelo ScienceAdvances. O que os leitores podem encontrar mais frequentemente é conteúdo tendencioso ou imparcial publicado por veículos jornalísticos. Ao utilizarem linguagem como "não baseado na verdade", "informação enganosa", "informação tendenciosa" ou simplesmente "desinformação" ao falar sobre informação falsa ou enganosa, jornalistas podem transmitir um significado e evitar a carga política que acompanha o uso de "fake news". 

Nem todos os incidentes de notícias tendenciosas devem ser vistos da mesma forma. É importante distinguir, por exemplo, entre figuras proeminentes usando suas plataformas para supostamente distorcer informação de reportagens que podem inadvertidamente refletir uma perspectiva partidária. 

"Há também nesse debate o problema da falsa equivalência", diz Yellin.

Evitando informações enganosas

Jornalistas devem tomar cuidado para eles próprios não disseminarem desinformação inadvertidamente, diz Phipps-Smith. Fazê-lo pode ajudar a perpetuar as acusações de "fake news" feitas por aqueles que buscam descredibilizar todo jornalismo responsável. 

"A informação enganosa é a disseminação de desinformação sem intenção. Você talvez não saiba que está fazendo isso, você talvez não tenha nenhuma má intenção, mas mesmo assim você está espalhando coisas que são imprecisas e enganosas", diz.

É importante que jornalistas se coloquem no lugar de seus leitores. Embora jornalistas provavelmente entendam de trás para frente as questões da sua editoria de especialidade, o mesmo possivelmente não é verdade para a sua audiência. É importante não fazer suposições sobre o que já é sabido e evitar confiar demais em números para orientar decisões editoriais.

Jornalistas também devem evitar manchetes "caça-clique", que podem dar à audiência a falsa ideia do que uma matéria de fato diz. Estudos mostraram que a maioria das pessoas nos Estados Unidos lê manchetes, mas nem sempre lê os textos na sequência. "O caça-clique funciona porque as pessoas clicam. Aqueles banners berrosos funcionam porque fazem as pessoas olharem para eles, mas isso não significa que elas estão apreciando ou desfrutando da experiência, e pode causar uma má impressão. Isso corrói a confiança em geral", diz Yellin. 

Jornalistas nem sempre vão ser perfeitos. Quando cometer um erro, assuma-o, aconselha Phipps-Smith. "Muito disso tem a ver com os padrões do jornalismo de qualidade", diz. "Quando você comete um erro, assumir e mostrar para as pessoas qual foi o erro e tratar dele é importante para combater acusações de 'fake news'." 

A desinformação não vai desaparecer tão cedo. Jornalistas têm capacidade para combatê-la de forma a criar consumidores de notícias mais responsáveis e cidadãos mais engajados.

"Ter uma imprensa livre é essencial para uma democracia saudável e vigorosa", diz Phipps-Smith. "A relação das pessoas com as notícias é fundamental para que elas se tornem cidadãs engajadas em suas comunidades e tomem decisões realmente embasadas sobre suas vidas."


Foto por Cojanu Alexandru.