Por causa da censura, jornalistas de Hong Kong trabalham em diáspora

Mar 13, 2023 em Liberdade de imprensa
Protesters with umbrellas in Hong Kong

Hong Kong chegou a exercer o autogoverno sob a política "um país, dois sistemas" devido ao seu status de Região Administrativa Especial (RAE) da República Popular da China. Essencialmente, isso significava que Hong Kong era considerado parte da China e ao mesmo tempo conduzia seus assuntos democráticos com independência — e notavelmente de forma separada do socialismo chinês. 

Mas em junho de 2020 a China impôs sob Hong Kong a Lei de Segurança Nacional (LSN), mirando a autonomia da cidade e fortalecendo o controle da China sobre os direitos da população honconguesa.  A nova lei criminalizou a liberdade de expressão antigoverno, perseguiu manifestações pró-democracia e contra o partido comunista e prendeu quem a infringiu. A lei também foi eficiente para retirar dos jornalistas a liberdade de informar aberta e assumidamente, assolando a mídia, transformada em um terreno improdutivo de conteúdo fortemente monitorado.   

Desde a aprovação da lei, muitos jornalistas de Hong Kong se mudaram para países estrangeiros, incluindo o Reino Unido, Estados Unidos, Austrália e Canadá. Apesar das ameaças constantes à sua segurança e tentativas de censurar seu trabalho, esses jornalistas em diáspora seguiram informando a população local direto do exterior.

Eu conversei com vários repórteres em diáspora sobre as circunstâncias únicas e a grande quantidade de obstáculos que eles enfrentam ao cobrir Hong Kong do exterior.

Consequências da Lei de Segurança Nacional

Antes da aprovação da Lei de Segurança Nacional, Hong Kong e a mídia local funcionavam de forma independente do Partido Comunista Chinês. "Aquela época foi o auge da liberdade de imprensa em Hong Kong. Mas é claro que o governo [do Partido Comunista] queria cada vez mais limitar a liberdade de imprensa", diz Sunny Cheung, editor-chefe da revista Flow Hong Kong e líder ativista dos protestos estudantis de 2019, que trabalha hoje do exílio. "O governo de Hong Kong era muito cauteloso e não queria limitar a liberdade de imprensa [da região]."  

Embora o governo chinês tenha infringido a liberdade de imprensa em Hong Kong por anos, a LSN mirou especificamente os veículos de mídia vistos como aqueles que desafiavam o Partido Comunista Chinês. A lei fechou todos os principais veículos pró-democracia, mais precisamente o Stand News e o Apple Daily, e deixou mais de mil jornalistas sem trabalho — muitos dos quais agora estão atrás das grades. "O impacto mais direto da LSN foi a perda do meu trabalho", diz um repórter* de Hong Kong que foi indiciado. "Minha empresa fechou. Minha carreira foi arruinada."

Quanto aos jornalistas que ficaram em Hong Kong, suas carreiras deixaram de existir ou tiveram seu trabalho de reportagem reduzido somente ao escopo de aprovação muito limitado e determinado pela China. "Há ainda alguns poucos jornalistas em Hong Kong fazendo ótimas reportagens sob pressão enorme e circunstâncias difíceis", diz o jornalista Kris Cheng, do VOA News. "Mas há poucas opções para continuar trabalhando com jornalismo. Para muitos, é mais seguro se mudar pra fora e trabalhar no exílio." 

Na diáspora

Os jornalistas que trabalham hoje no exílio estabeleceram veículos que combatem a desinformação divulgada pelo estado chinês e Hong Kong. É um grupo pequeno e unido de jornalistas cujo apoio entre eles se mostrou vital para seguir gerando notícias sem censura para a população honconguesa. 

"A Lei de Segurança Nacional trouxe uma nova possibilidade para mim", diz um repórter* que fugiu para o exterior após a promulgação da lei. "Eu faço parte de uma comunidade de jornalistas em diáspora, uma coisa que eu nunca teria imaginado."

Trabalhar em uma região distante é difícil. Por exemplo, é mais complicado ter acesso a fontes locais e conseguir informações exclusivas em um fuso horário diferente. Mas a situação deu aos jornalistas em diáspora um ângulo especializado para suas reportagens. "As novas comunidades de jornalistas em diáspora estão gerando coisas que podem ser difíceis de cobrir dentro dos limites de Hong Kong, mas que podem ser feitas de fora", diz Cheung. Ele destaca a habilidade dos jornalistas exilados de publicar notícias que incorporam perspectivas diferentes em vez de censurá-las, e de criticar abertamente o estado sem ser imediatamente anulado. 

Como o jornalismo impresso está longe de ser uma opção viável, usar recursos online é a melhor forma de os jornalistas em diáspora se conectarem com as pessoas em Hong Kong. Os repórteres têm contado fortemente com redes internacionais existentes nas plataformas de redes sociais para contornar o governo. Eles usam principalmente o Facebook e o Instagram para chegar a leitores que normalmente não acessam sites de notícias. "Se você pedir para o público entrar em um site específico para obter informação, raramente as pessoas vão fazer isso", explica um repórter*. "Na maior parte das vezes, elas estão nas redes sociais rolando o feed, então é importante distribuir as notícias nas plataformas que elas usam."

O envolvimento com o jornalismo em diáspora pode erradicar muitos outros aspectos da vida de um repórter, para além do trabalho. "Não é só sobre o impacto na minha carreira. Isso impactou minha vida toda", reflete Cheung. "Eu não consigo entrar em contato com meus pais. Não os vejo há mais de dois anos e para protegê-los eu cortei os laços familiares."

Jornalistas que permaneceram em Hong Kong estão sob pressão ainda maior. Alguns que inicialmente optaram por ficar acabaram fugindo, como consequência. Ronson Chan, ex-repórter do Stand News e hoje presidente da Associação de Jornalistas de Hong Kong, foi preso antes de viajar para um programa de bolsas em Oxford e no momento está livre sob fiança. "Todos os meus amigos e familiares estão preocupados comigo e esperam que eu consiga me mudar", diz Chan, que espera o seu julgamento em maio. "Mas eu amo muito Hong Kong. Eu não quero sair daqui."

Até Cheng, cuja mudança para Londres não foi às pressas nem involuntária, diz que sua decisão foi uma resposta "por temer por sua família e pelo medo de ser processado" se ele continuasse trabalhando em Hong Kong.

Futuro do jornalismo em diáspora

O futuro dos jornalistas na diáspora de Hong Kong é incerto. "Ainda não se sabe o quão longe pode ir esse jornalismo em diáspora", confessa um repórter*. "Como uma pessoa que trabalha nesse grupo, não tenho 100% de certeza se consigo ou não continuar trabalhando."

Os obstáculos de se trabalhar no exterior se mostraram frustrantes algumas vezes, forçando alguns jornalistas a abrir mão de seu trabalho. "Não estar presente em Hong Kong é um problema para jornalistas em diáspora", diz um repórter*. "Muitos acham que têm uma distância que não conseguem superar." 

O financiamento da cobertura do jornalismo em diáspora permanece igualmente instável. Muitas pessoas em Hong Kong consideram arriscado "dar dinheiro para a mídia fora de Hong Kong", diz Chan. Sem o apoio financeiro da audiência, continuar com o trabalho é muitas vezes insustentável. Isso fez com que muitos jornalistas recorressem a outras áreas para ter fontes de renda mais confiáveis. "Se você me entrevistar daqui a um ano, pode ser que eu te conte que estou fazendo entregas", diz um repórter*.

Em meio a desafios assustadores e a dúvida que paira, a perseverança dos jornalistas exilados de Hong Kong demonstra um compromisso com a liberdade de imprensa e uma dedicação para transmitir a verdade. Felizmente, ainda há potencial para os jornalistas em diáspora florescerem. "Há coisas que estão por vir", diz um repórter*. "Se vai continuar funcionando ou não, é o que vamos ver."


*Os repórteres mantiveram o anonimato por questões de segurança.

Foto por Joseph Chan via Unsplash.