Em 25 de julho de 2021, quando a Tunísia lutava contra meses de crise política, sanitária e econômica, o presidente tunisiano Kaïs Saied suspendeu o parlamento e demitiu o chefe de governo.
Saied usou o Artigo 80 da Constituição tunisiana de 2014, que dá ao presidente o poder de tomar "as medidas impostas pelo estado de emergência" em caso de um "perigo iminente". A interpretação que ele fez do artigo foi amplamente criticada e especialistas questionaram a constitucionalidade de suas ações.
Um ano depois, Saied fortaleceu seu poder com uma nova constituição em agosto de 2022. A nova constituição marca o retorno de um "sistema presidencialista, similar ao que o país tinha antes da insurreição de 2011", de acordo com a Human Rights Watch, referindo-se a quando o então presidente Zine al-Abidine Ben Ali, que governou a Tunísia por 24 anos, fugiu do país após protestos em massa.
A liberdade de imprensa diminuiu à medida que o poder do presidente aumentou. Entre 2021 e 2022, a Tunísia caiu do 73º para o 94º lugar no índice de liberdade de imprensa da Repórteres Sem Fronteiras (RSF). Em 30 de novembro de 2022, o Sindicato Nacional dos Jornalistas Tunisianos (SNJT) lançou uma campanha para questionar "a repressão contra jornalistas" e para "proteger a liberdade de imprensa e opinião".
Neste ambiente político em que a democracia está em risco, jornalistas enfrentam desafios crescentes, com repórteres sofrendo restrições de acesso à informação, novas limitações financeiras e ameaças à sua segurança e liberdade.
Uma "fortaleza impenetrável"
"A presidência é uma fortaleza impenetrável", diz Thameur Mekki, editor-chefe da Nawaat, uma plataforma coletiva independente criada em abril de 2004 sob o ambiente político estritamente censurado do presidente Ben Ali. Apesar de já existirem algumas dificuldades para acessar informação na Tunísia antes da eleição de Saied em 2019, a situação se tornou mais desafiadora sob sua administração, explica Mekki.
Logo depois da eleição de Saied, por exemplo, ele restringiu o acesso de jornalistas ao Palácio Presidencial e desde então deu poucas entrevistas à imprensa. Em vez disso, o gabinete presidencial agora conta somente com a página da presidência no Facebook para publicar declarações oficiais.
A falta de comunicação combinada com os novos poderes da presidência está frustrando o trabalho de jornalistas. "Isso não é uma surpresa", diz Haïfa Mzalouat, editora-chefe da versão em francês do veículo investigativo Inkyfada. "Antes já era difícil ter acesso a alguns ministros. Mas agora a voz da presidência é extremamente presente, o que torna o acesso à informação [ainda mais] difícil."
A falta de acesso à informação também deixa o trabalho dos jornalistas mais lento, diz Mekki. "Por causa de todas essas restrições, em vez de escrever uma matéria em dois ou três dias, precisamos de duas semanas", diz.
Ao mesmo tempo, jornalistas têm presenciado um estreitamento no tipo de informação a que podem ter acesso. "Quando uma lei era discutida no parlamento, você podia acompanhar os debates. Hoje, quando um decreto presidencial sai às duas da madrugada, o que mais você pode fazer?", diz Mzalouat.
Em agosto do ano passado, o SNJT chamou este período de "crise de aquisição da informação". De fato, o caminho para acessar a informação, o equivalente da Tunísia aos pedidos baseados na Lei de Acesso à Informação, é respeitado com menos frequência. Embora o acesso à informação seja regulado pela Lei 22, Mekki percebeu um crescente número de solicitações de informação sem resposta ou com respostas incompletas.
Financiamento em risco
Assim como a maioria da mídia independente na Tunísia, os veículos Nawaat e Inkyfada são parcialmente financiados por organizações estrangeiras como a International Media Support, o European Endowment for Democracy e a Open Society Foundations.
Porém, em março do ano passado, um projeto de lei sobre a organização de associações vazou, e o texto mencionava o banimento de financiamento estrangeiro. Mais tarde Saied confirmou seu desejo de banir financiamento do exterior, acusando as associações que recebem esse tipo de dinheiro de serem "uma extensão de partidos políticos".
"Isso seria um grande problema para a imprensa independente na Tunísia", diz Mekki.
Espada de Dâmocles
Em um relatório publicado em 2022, a RSF disse que, desde 2019, "os jornalistas e a mídia se tornaram o alvo de ataques por funcionários eleitos. Eles estão enfrentando uma expansão sem precedentes de ódio e violência".
Todos os meses há casos de provocações contra jornalistas e fotojornalistas, violência física e verbal e "obstáculos ao exercício da profissão", de acordo com o Centro de Segurança do Trabalho do SNJT, que monitora esses ataques. O Centro registrou 250 ataques contra jornalistas entre agosto de 2021 e julho de 2022, 216 mais ataques em relação ao ano anterior.
Embora a equipe do Nawaat não tenha sido atacada fisicamente, dois repórteres do veículo foram detidos brevemente em março de 2022, diz Mekki, explicando que isso ocorreu enquanto eles cobriam manifestações em Radès, no sul da Tunísia, quando policiais impediram que os jornalistas filmassem o que acontecia.
Na teoria, os jornalistas são protegidos pelo Decreto-Lei 115 de Liberdade de Imprensa. No entanto, eles são frequentemente processados pelo código penal ou por tribunais militares. Em agosto, o jornalista tunisiano Salah Attia foi condenado pelo tribunal militar a três meses de prisão depois de dizer na TV Al-Jazeera que Saied tinha pedido ao exército para fechar a sede do principal sindicato do país, o UGTT.
Em setembro, uma lei sobre a desinformação online foi aprovada na Tunísia. Mais especificamente, o artigo 24 da lei pune a disseminação de "rumores e notícias falsas" com pena de até 10 anos de prisão se "a pessoa alvo [da informação falsa] for um funcionário público ou similar".
Porém, os termos "rumores" e "notícias falsas" não são definidos na lei. "Essa lei draconiana tem a intenção de dissuadir os jornalistas de fazer o seu trabalho. Ela tem o objetivo de criar um clima de medo e forçar os profissionais a se autocensurarem", disse Khaled Drareni, representante da RSF no Norte da África, em um comunicado à imprensa.
O decreto foi usado pela primeira vez em novembro contra Nizar Bahloul, editor-chefe do site Business News, que foi intimado a depor para a polícia depois de publicar um artigo sobre a primeira-ministra tunisiana Najla Bouden.
"É basicamente uma espada de Dâmocles", diz Mekki. "O decreto-lei é muito pesado para o exercício do jornalismo diário a ponto de constituir um sério obstáculo à liberdade de imprensa."
Jornalistas questionam seu papel em um momento de crise enquanto a pressão sobre os profissionais continua a aumentar durante a guinada autoritária de Saied. Desde que o parlamento da Tunísia foi suspenso em 2021, Mzalouat diz que ela se pega pensando "como seguir sendo um contra-poder" perante tendências autoritárias.
Enquanto isso, tanto o Inkyfada quanto o Nawaat estão entre as organizações de mídia independentes que seguem publicando artigos críticos ao presidente e sua administração, apesar dos riscos. "No Nawaat, não evitamos certos assuntos por medo de represália porque a ousadia sempre foi parte do nosso DNA", diz Mekki.
Foto por Latrach Med Jamil via Unsplash.