Nos últimos anos, os podcasts se converteram em um meio poderoso para contar histórias, fazer reportagens e engajar a audiência na Índia.
O que começou como um formato de nicho voltado principalmente para o público urbano cresceu exponencialmente ao longo da última década, tendo atualmente um público estimado de 57,6 milhões de ouvintes mensais.
Essa explosão no número de ouvintes está transformando a natureza dos podcasts no país. À medida que mais pessoas passam a consumir esse tipo de conteúdo, os podcasts estão explorando novas narrativas que refletem a diversidade da Índia, indo além dos assuntos convencionais para tratar de questões frequentemente subestimadas pela mídia tradicional.
"É um espaço onde conversas profundas e com nuances podem ocorrer sem as restrições dos formatos tradicionais. Você pode ter pontos de vista com nuance", diz Imaad ul Hasan, estudante de jornalismo radicado na capital Nova Déli.
Saiba a seguir como os jornalistas indianos estão usando os podcasts para amplificar vozes que muitas vezes são excluídas pela mídia nacional:
Nous Podcast
A Nous Network, "empresa de mídia e centro estratégico", com sede em Nova Déli, percorreu um caminho sinuoso até chegar ao negócio de podcasts, e inicialmente só produzia vídeos explicativos com pesquisa rigorosa sobre a política e a sociedade indiana.
"Logo nós fizemos a transição para os podcasts porque eles oferecem um formato mais interativo em comparação a conteúdos explicativos e monólogos. Eles permitem discussões aprofundadas e fornecem uma plataforma para explorar problemas com mais nuance, principalmente quando especialistas estão envolvidos", diz o fundador Ali Javed.
Desde 2022, a Nous Network produz podcasts que focam em questões que afetam minorias religiosas e castas no país, principalmente a população muçulmana. "Há uma grande falta de representatividade de muçulmanos no país e nós tentamos nos dirigir a eles", diz Javed.
O Nous Podcast, por exemplo, já destacou as experiências dos muçulmanos de impotência política e representatividade cultural mínima, para questionar os estereótipos desse grupo populacional. Os podcasts trazem perspectivas diversificadas e tratam de problemas como islamofobia, exclusão política e o impacto de políticas como a Emenda de Cidadania.
"No momento, nossa prioridade é conseguir nos tornarmos uma voz para a população carente, mas também conseguir articular os problemas enfrentados por ela a partir de suas próprias experiências", diz Javed.
Além disso, os poucos equipamentos e recursos necessários para a produção de podcasts facilitou para a Nous Network deixar sua marca na área. "É um formato honesto e fluido, você não está preso a um roteiro e explora as ideias por meio de interações ao vivo, o que economiza muitos recursos de produção", diz Javed.
Radio Local
Em colaboração com 595 rádios comunitárias, a emissora Radio Local, da Newsreel Asia, aborda as experiências diversas de minorias étnicas, agricultores, grupos indígenas e populações costeiras. Estes são grupos também frequentemente sub-representados na grande mídia.
"A ideia de histórias em áudio sob uma perspectiva jornalística ainda é uma área muito inexperiente na Índia, mas é um meio muito poderoso para jornalistas e repórteres rurais trazerem uma nova dimensão para as suas matérias", diz Anupama Chandrasekaran, editora e produtora de podcasts na Newsreel Asia.
A Radio Local lança um olhar raro para as vidas e desafios das pessoas que moram em partes menos conhecidas do país. "O podcast é particularmente impactante porque trabalhamos de perto com jornalistas de rádios comunitárias que têm experiências profundas vividas dentro dessas comunidades", diz Chandrasekaran.
O podcast examina problemas hiperlocais, como a seca de corpos d'água em aldeias e problemas de agricultura e desnutrição na população indígena. O programa recruta repórteres das próprias comunidades, garantindo que as narrativas sejam autenticamente feitas a partir dos pontos de vista das pessoas diretamente afetadas pelos problemas.
"Essas jornalistas, a maioria mulheres, não são meramente repórteres, mas participantes ativas em cada história que elas contam", diz Chandrasekaran. "O entendimento íntimo que elas têm das dinâmicas locais nos permite capturar nuances e perspectivas que de outro modo não seriam percebidas."
Extraordinary
Embora os influenciadores tenham um bom desempenho nos podcasts, há espaço significativo para o jornalismo de base, segundo Chandrasekaran. Ela compartilhou sua própria experiência na criação de conteúdo em áudio, como a série "Extraordinary", que apresentou pessoas com autismo e seus desafios e sucessos únicos.
"Um dos maiores desafios enfrentados por muitas crianças autistas é a dificuldade de fazer contato visual. E elas relutavam em mostrar seus rostos", explica Chandrasekaran. "Nesse caso, o áudio provou-se um formato muito eficaz porque me permitiu contar as histórias delas sem revelar as identidades."
Chandrasekaran também produziu matérias em áudio sobre assuntos sensíveis como violência doméstica e vício em drogas. Membros da comunidade LGBTQ já entraram em contato com ela para receber capacitação sobre como compartilhar suas histórias usando áudio.
"Eu acho que isso acontece porque segurar um microfone é muito menos intimidante do que ter uma câmera apontando para você. O formato também reduz a necessidade de fazer o entrevistado confortável, já que não tem câmera, e ninguém precisa se preocupar para onde olhar", observa.
Potencial promissor
Com o contínuo crescimento dos podcasts na Índia, o impacto do formato no jornalismo provavelmente vai se aprofundar.
"Se conseguirmos usar esse formato de um jeito eficaz, vai ser um grande recurso para um país como a Índia, mas precisamos assegurar que os podcasts indianos produzam conteúdo de qualidade", diz Danish Iqbal, professor de mídia no Centro AJK de Pesquisa em Comunicação de Massa.
A capacidade do formato de estimular conversas íntimas e longas o torna particularmente adequado para explorar questões sociais complexas e amplificar vozes com pouca representatividade. A diversidade do conteúdo disponível nesse formato e a conveniência de poder ouvir um podcast a qualquer momento também dá aos repórteres a chance de se conectar com audiências mais jovens.
"Os podcasts, diferentemente de outros formatos jornalísticos, não têm uma urgência", diz Hasan. "O ritmo lento das conversas funciona bem comigo, para que eu possa equilibrar a sobrecarga de informação da internet."
Foto por Hadis Malekie via Unsplash.