Mulheres jornalistas abrem caminho para a cobertura ambiental na Índia

Jul 26, 2024 em Reportagem de meio ambiente
Singh interviewing a cotton farmer.

Após ficar em segundo plano por anos na cobertura jornalística, a reportagem de meio ambiente está ganhando mais destaque na Índia. As redações, que no passado focavam mais em pautas de crime e política, agora são mais propensas a cobrir a crise climática e suas consequências. 

Por trás do surgimento da editoria ambiental estão mulheres jornalistas, cujo trabalho duro e dedicação trouxeram questões relacionadas ao clima para a linha de frente da mídia indiana.

"Repórteres que entendem bem de ciência, economia e políticas de saúde produziram a cobertura mais eficaz sobre a mudança climática e seus impactos na nossa saúde. O curioso é que a maioria são jornalistas mulheres", disse Kalpana Sharma, colunista do NewsLaundry, durante uma sessão da conferência da Network of Women in India em 2022. 

Saiba mais, na sequência, sobre as mulheres que estão abrindo caminho para a editoria ambiental na Índia. 

Tomada de iniciativa

Há quase uma década, vivendo em uma região da Índia que sofreu as consequências da mudança climática, a jornalista veterana Varsha Singh se sentiu estimulada a cobrir pautas de meio ambiente. 

"Em 2016 eu me mudei para Dehradun, uma cidade na região do Himalaia, e todos os anos eu lia matérias sobre incêndios florestais e inundações repentinas", diz Singh. "Eu senti que questões sobre o meio ambiente e a mudança climática, que são os principais fatores causadores de desastres aqui, deveriam ganhar o foco, e que havia a necessidade de escrever sobre eles de forma mais aprofundada, o que significaria também entender a ciência por trás deles."

Da cobertura do lado obscuro da extração de areia à descoberta do conflito entre populações e animais selvagens no estado indiano de Uttarakhand, o trabalho de Singh foca no impacto da mudança climática nas pessoas, principalmente as mulheres e pessoas mais pobres. 

Por exemplo, na Índia, as mulheres gastam cerca de 150 milhões de dias úteis anualmente buscando água potável. "Normalmente, homens saem para trabalhar e são as mulheres nas áreas rurais as responsáveis por buscar água e comida", explica Singh. "Agora, com a falta de recursos hídricos e com a ocorrência de incêndios florestais, as mulheres precisam andar mais todos os dias para coletar os mesmos recursos." 

Singh é bolsista do The Energy and Resources Institute e também trabalha no In Old News, veículo que cobre meio ambiente e mudança climática e que também oferece materiais e capacitação para jornalistas.

 

Singh meeting with sources for a story
Durante a cobertura de direitos florestais na cidade de Nainital, Singh se reúne com membros do conselho florestal de Van Panchayat, que administra as florestas e cachoeiras locais

Trabalho inovador

A jornalista freelance Ravleen Kaur passou quase 20 anos viajando pela Índia e cobrindo pautas de meio ambiente. 

"Eu comecei minha carreira jornalística em 2005 no Indian Express. No começo, eu cobria crimes, mas depois de alguns meses, me pediram para cobrir mudança climática", diz Kaur. "Na época eu senti que foi um rebaixamento porque as notícias de meio ambiente vinham na terceira ou quarta página, mas ao longo do tempo eu comecei a gostar da editoria."

Em março de 2022, Kaur produziu uma matéria sobre como a primeira usina solar da Índia, em Gujarat, promovida como um desenvolvimento de energias renováveis, poderia causar mais danos ambientais do que gerar benefícios. Trabalhando em Punjab, ela fez uma matéria sobre como um aumento no consumo de coco estava gerando resíduos prejudiciais ao meio ambiente. "Pra mim, uma matéria sempre diz respeito a fazer a cobertura no local, e não simplesmente usar dados", diz. 

Esteja Kaur cobrindo o impacto de uma hidrelétrica em uma geleira na cidade de Gnagotri, na região do Himalaia, ou a pesca de camarão no Oeste da Índia, as informações recebidas pelas fontes é o que mais a empolga.

"Às vezes há uma barreira de linguagem, ou você vê que as pessoas estão relutando em falar com você. Em situações assim, as fontes desempenham um papel muito importante e nos ajudam a entrar em contato com as pessoas relevantes", diz.  

Desafios em campo

A cobertura do meio ambiente também traz desafios e riscos, principalmente em relação à segurança.

"Às vezes eu me preocupo se o lugar onde estou ficando é seguro ou não. Eu compartilho todos os detalhes com os meus editores para que eles saibam do meu paradeiro", diz Singh. "Principalmente na cobertura de mineração, há sempre uma ameaça, já que você nunca sabe como a máfia da mineração pode estar vigiando os seus passos."

Apesar de alertas, Singh foi para a cidade de Jharia, no Leste da Índia, para tirar fotos para sua matéria sobre minas de carvão. Ela se passou por turista para garantir sua segurança. "Eu senti que Jharia enfrenta uma crise severa, desde a poluição até educação, saúde e subsistência, e que seria o lugar mais pertinente para essa pauta", diz.

Jigyasa Mishra, radicada em uma área rural no Norte da Índia, também passou por riscos associados à sua condição de mulher na cobertura do meio ambiente.

"Há um problema na forma de encarar. As pessoas veem homens e mulheres jornalistas de um jeito diferente", diz Mishra. "É difícil para a sociedade aceitar que as mulheres podem sair por aí fazendo reportagens. Isso se torna crucial quando estamos cobrindo algum caso sensível. Enquanto os homens conseguem achar um jeito para sua segurança, a hostilidade das pessoas em relação a nós dificulta a nossa proteção."  

Em 2020, ela produziu uma matéria sobre agricultoras que lutavam pela proteção do rio Ken, em Bundelkhand, que a máfia da mineração estava destruindo. Mishra recebeu ameaças enquanto trabalhava na pauta. "Eu fui protegida por mulheres que protestavam contra a máfia. Elas pediram que eu ficasse atrás delas, pois isso me protegeria dos olhos da máfia para fazer a matéria", diz.

 

 Conversation with a fisherman
Singh conversa com um pescador sobre protestos em Gujarat contra a construção de uma represa no rio Narmada

 

Kaur também se deparou com ameaças à sua segurança enquanto cobria um incêndio em uma fábrica em Gujarat. "Eu percebi que as pessoas estavam me seguindo em todos os lugares em que eu ia apurar informação. Foi assustador", diz.

Apesar das preocupações com a segurança, a influência que o trabalho dessas jornalistas pode ter em mudanças positivas as motiva a seguir adiante. "As pessoas usam o nosso trabalho como evidência para reforçar seus argumentos nos tribunais", diz Kaur. "Uma matéria recente que eu fiz sobre como a indústria salineira está acabando com a pesca de camarões em Kutch, Gujarat, foi usada por pescadores na Suprema Corte."

Mudanças no estilo de vida

A cobertura de meio ambiente impactou a rotina das jornalistas. Kaur, por exemplo, se mudou para um vilarejo em Punjab para estar em uma região rural onde a água e o ar são mais limpos que nas grandes cidades, e onde ela pode estar perto da natureza.

"Eu estou aos poucos adotando a energia solar na minha casa", diz Singh, acrescentando que também parou de usar plástico dentro do possível. "Até o meu vendedor de verduras parou de usar sacolas plásticas e passou a usar sacolas de papel ecológicas."

Mishra também adotou um estilo de vida mais sustentável. "Na minha casa, faço questão de não haver desperdício de recursos como água ou energia, e não uso plástico", diz.


Imagens cedidas por Singh e Kaur.


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Freelance writer

Rishabh Jain

Rishabh Jain é jornalista freelance radicado em Nova Delhi, Índia. Trabalha principalmente na cobertura de mudanças climáticas e direitos humanos e foi selecionado para o respeitado Earth Journalism Network Grant.