Quarenta e dois milhões de pessoas na América Latina pertencem a um dos mais de 800 povos originários que vivem na região, de acordo com o relatório "América Latina Indígena no século XXI", do Banco Mundial. México, Guatemala, Peru e Bolívia são os países em que, no total, vive mais de 80% dessa população na região, ou seja, aproximadamente 34 milhões de indígenas.
Com esses números em mãos, é difícil imaginar que não existam veículos jornalísticos de renome dedicados a contar histórias dos povos originários, a falar sobre as temáticas que os afetam e as soluções que propõem a partir de uma perspectiva de igualdade, longe da síndrome do "salvador branco" que causou tanto dano na região.
Mas ainda que nenhum dos grandes veículos informativos da América Latina o faça, já existem iniciativas em países como México, Peru e Paraguai voltadas a contar histórias não a partir da vitimização dos povos originários e sua suposta necessidade de intervenção ocidental para salvá-los, mas sim a partir de outros imaginários baseados em ações positivas que se realizam todos os dias para neutralizar ou encontrar soluções para os conflitos que vivem diante da proteção de seus territórios e formas de vida.
Por isso, o Fórum Pamela Howard de Reportagem de Crises Globais, moderado por Alma Delia Fuentes, jornalista com passagens por N+, CNN México, Univisión e El Universal, entre outros, reuniu as jornalistas Daniela Parra Hinojosa e Carolina Caycho, do México e Peru, respectivamente, e Andrés Colman, do Paraguai, para que compartilhassem suas experiências na criação de conteúdos de sucesso para populações indígenas.
A estruturação da mensagem
As rádios comunitárias têm sido o meio pelo qual os diferentes grupos sociais rurais da maioria dos países da região se ancoraram para transmitir informação e conhecimento, com uma relevância cultural própria das regiões onde se localizam. Agora, na era do podcast, como bem falaram Parra e Caycho, também servem de base para que os povos originários possam produzir e consumir conteúdos relevantes nessas novas plataformas.
Para Caycho, que além de jornalista é coordenadora-geral do Projeto Escudo, que fez uma série de podcasts em línguas originárias para combater a desinformação sobre a vacinação contra a COVID-19, "a diferença (entre formatos) passa por uma estruturação da mensagem que se quer transmitir". Isso significa que um podcast se baseia em um roteiro, um formato de produção específico, recursos sonoros e narrativa para engajar a audiência.
Parra, que também é professora da Universidade Autônoma do México, acrescentou que um bom roteiro de podcast leva em consideração o público-alvo e a forma como este público se aproxima do conhecimento e como consome informação. "Eles obtêm conhecimento através da tradição oral, repleta de muitos elementos culturais próprios de sua identidade e cosmovisão", sinalizou.
Além disso, ao elaborar esses roteiros e criar produtos que sejam eficazes, é preciso ter em conta a forma de organização comunitária desses povos, baseada no coletivo em vez do indivíduo, tratar temas que sejam de interesse e utilidade para os povos indígenas, que escutem as vozes reconhecidas por eles e que, o mais importante de tudo, escutem seus idiomas e códigos sonoros originários, assim como uma linguagem simples e fácil de entender.
Parra também afirmou que, por ser um formato sonoro, é possível integrar a narrativa a outros sons que ajudem a representar características muito particulares dos territórios. "O som do vento não é o mesmo de um lugar para o outro. A chuva, as conversas, as risadas, o som da natureza. Há muitas formas através das quais, por meio do som, você pode levar o território a outras pessoas."
Universalidade e empatia
A narrativa é fundamental para universalizar este tipo de conteúdo e propor uma conversa em que todas e todos queiram participar. É por isso que, nos dias de hoje, o interesse por conhecer histórias de vida é maior que o interesse por conhecer somente dados e informação.
Andrés Colman, do site paraguaio El Otro País, disse que, para construir uma história com estrutura, que tenha um fio condutor que envolva a audiência e que esta queira consumir mais deste tipo de conteúdo, o jornalismo deve primeiro conhecer as diferenças que existem entre as peculiaridades das audiências urbanas e as dos povos indígenas, assim como a forma pela qual os povos originários veem a vida, resolvem seus conflitos e o impacto que isso tem na vida das demais pessoas.
Para conseguir fazer isso, ele disse, é preciso conviver "com as pessoas porque, embora não falemos o mesmo idioma, é dessa maneira que podemos entender o contexto no qual elas vivem e a mensagem que buscam transmitir. Não é fácil, mas se o conseguirmos, estaremos não só fazendo uma contribuição jornalística como também cultural e antropológica".
Conhecer todas essas diferenças nos permite, segundo Parra, aprender "a escutar o que as pessoas querem dizer, a determinar onde estão essas histórias e como contá-las de uma maneira respeitosa e que a qualidade do que se produz seja de qualidade para as comunidades. As pessoas valorizam muito disso".
Por último, algo que nunca pode ser deixado de lado são os recursos econômicos que o nosso veículo pode destinar para a produção deste e de todo tipo de conteúdo. Se o orçamento permitir, é muito importante tentar criar estratégias diferentes que proponham a criação de conteúdos especificamente dirigidos às comunidades, com o uso de seu próprio idioma e códigos de comunicação e outros elementos para um público mais universal.
"É preciso sempre buscar novas possibilidades que te permitem ter acesso a financiamento para trabalhar naquilo que gostamos. As parcerias com outros veículos são fundamentais", acrescentou Colman.
Todos os especialistas do fórum concordaram ao reconhecer que, diferentemente do que se pode fazer com outros assuntos mais universais, o trabalho com os povos originários requer um conhecimento básico do contexto histórico, social e econômico em que eles vivem.
Mineração, invasão de territórios ou luta pela proteção do legado cultural são alguns dos temas que costumam ser de muita importância para a população indígena do continente, o que requer um trabalho jornalístico muito rigoroso, mas ao mesmo tempo sensível para evitar a perpetuação da folclorização dos povos.
Imagem por Soundtrap via Unsplash.