No último webinar do Fórum, Gustavo Faleiros compartilhou reflexões que teve desde que criou o InfoAmazonia.
A região amazônica nunca esteve tão presente em reportagens como agora. A preocupação com a preservação do bioma tornou-se pauta global diante da mudança climática. Com esse interesse público, mais veículos produzem matérias com indígenas e comunidades locais, mais bolsas e oportunidades aparecem para jornalistas.
No entanto, a produção é complexa e requer um cuidado especial com as fontes, muitas delas em situações de violência. Durante o webinar “Jornalismo e o contato com comunidades indígenas”, promovido pelo Fórum ICFJ Pamela Howard para Cobertura de Crises Globais, o jornalista Gustavo Faleiros, cofundador do InfoAmazonia, compartilhou o que aprendeu durante o desenvolvimento do veículo e em viagens para apuração.
Em 2012, Faleiros foi selecionado pelo ICFJ para a bolsa Knight, que o apoiou na criação do InfoAmazonia. O site começou voltado para o jornalismo de dados, mas ele sentiu a falta de histórias que dessem o contexto local dos dados coletados. “Como trazer as histórias, problemas e soluções indígenas para dentro do projeto?”.
Essa questão surgiu depois de uma de suas apurações, feita quando ele esteve no Peru para escrever sobre a pesca no rio Marañón. Porém, Faleiros ficou surpreso com a quantidade de rádios comunitárias presentes em vilarejos e como elas são uma representação territorial da comunicação e do jornalismo. Segundo ele, são “espaços de comunicação não só no sentido noticioso, mas de integração social, onde as pessoas se encontram e fazem reuniões”.
O InfoAmazonia estava produzindo uma matéria cujo objetivo era mostrar os impactos da mudança climática a partir de uma perspectiva local, e não somente com base em relatórios do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas). Em outras palavras, a ideia era trazer narrativas que permeiam a vivência dos indígenas colocá-las em matérias. Para tanto, perguntaram aos indígenas o que eles fazem no dia a dia, desde a medição do nível do rio até a pesca ou a colheita de frutas e legumes.
Os dados foram coletados e a reportagem, escrita. Depois, ela foi adaptada para ser parte de uma exposição. Apesar da inserção do cotidiano indígena na matéria, Faleiros viu que havia algo a melhorar. A percepção veio em conversa com o antropólogo João Paulo Barreto, que lhe disse que, em um museu, criava-se uma espécie cristalização do conhecimento indígena.
Segundo Faleiros, o diálogo lhe abriu os olhos para não cair na exotização, ou seja, criar uma imagem fixa e não dinâmica dos povos indígenas e seus conhecimentos. Esse é um dos erros a se evitar quando alguém de fora vai fazer uma matéria com as comunidades locais. Até porque, como em qualquer outra sociedade, as práticas culturais se desenvolvem, não ficam estagnadas.
Além desse problema, as reportagens jornalísticas frequentemente reduzem a cobertura na Amazônia ao desmatamento. “Desmatamento é um termômetro, é a parte final do processo de ocupação de terras na região amazônica, mas não é tudo. Será que é só problemas que as pessoas [da região amazônica] querem mostrar?’”.
Uma maneira de sair desses erros é incentivar o jornalismo cidadão, feito por quem mora no local. O InfoAmazônia ajudou a criar um projeto do tipo, cujo objetivo era monitorar a qualidade das águas dos rios. “Deu errado”, disse Faleiros, que diz que o principal equívoco foi começar centrado na tecnologia, e não no contato constante e regular que seria necessário para ajustar os sensores. Na opinião dele, “só tem como fazer jornalismo cidadão se o fluxo de trabalho estiver bem estabelecido e haver um meio rápido de responder às demandas dos repórteres locais”.
Em outro relato, Faleiros conta sobre uma apuração de invasões em território indígena. Ele diz que os contatos locais, indígenas, estavam visivelmente abatidos, cansados de ter de lidar com a violência e as ameaças dos invasores. Havia um certo, e justificável, desânimo. “Seria mais uma matéria, é como se eles se perguntassem: por que devemos falar com vocês e correr esse risco?”.
Tanto o jornalista quanto a fonte correm riscos. No entanto, o jornalista, se for de fora, pode voltar para a cidade de onde veio, enquanto a fonte fica na mesma área de violência. Todo cuidado é pouco.