Para organizações de mídia, conteúdo de cidadãos pode ser uma vantagem competitiva

por Chia Lun Huang
Oct 30, 2018 em Diversos

Testemunhas armadas com smartphones mudaram dramaticamente o processo da coleta de notícias. As organizações de notícias que trabalham bem e rapidamente com estes jornalistas cidadãos levam uma vantagem competitiva.

"Testemunhas não precisam de organizações de notícias para publicar seu conteúdo. Elas têm acesso a redes sociais para publicar o que quiserem", disse Fergus Bell, consultor jornalístico da Dig Deeper Media e ex-editor da agência AP para mídia social e conteúdo gerado pelo usuário (UGC, em inglês).

"Quanto mais você pensar sobre como você trabalha com o seu público para capturar conteúdo que pode adicionar contexto, mais provável é que eles vão recorrer a você em vez de publicar em uma plataforma ou enviar para um concorrente", disse ele .

Abaixo está um trecho da entrevista com Bell.

O que você acha que é a diferença entre o conteúdo gerado pelo usuário e o trabalho jornalístico?

Não há nenhuma diferença real entre o conteúdo criado por testemunhas oculares e por jornalistas. Ao cobrir notícias de última hora, especialmente se o jornalista não está lá ainda, as testemunhas estão capturando o que os jornalistas teriam capturado, só que muitas vezes sem câmeras profissionais. A diferença vem em colocar esse conteúdo através de um processo editorial.

A questão da diferença entre jornalistas e colaboradores de conteúdo é antiga. Procurar diferenças não é o caminho a seguir em frente, mas sim buscando maneiras que podemos trabalhar juntos.

Por que é importante trabalharmos juntos?

Todo o processo de apuração de notícias está se tornando mais transparente e aberto. Quer queiramos ou não, o nosso processo de coleta de notícias é visível para todos verem. Nossos leitores muitas vezes têm acesso aos mesmos materiais que temos, exatamente ao mesmo tempo. Da mesma forma, quando nos comunicamos de maneira desrespeitosa com distribuidores de conteúdo, é transparente e pode ser perigoso para as publicações.

Os valores tradicionais de coleta de notícias não foram replicados no espaço digital. Se continuarmos a operar da forma como fazemos, especialmente de maneira desrespeitosa, é insustentável. A coleta de notícias digital tem de ser realizada da mesma forma como no impresso: você tem que verificar a verdade, tem que construir a confiança, tem que cultivar relacionamentos e deve falar com fontes para obter a história ou receber mais da história. Isso não está sendo feito.

Assim, muitas organizações de mídia estão trabalhando sem esses cuidados?

A questão é ter seus próprios padrões e processos éticos ao adquirir fontes digitais, verificar as coisas e não ficar sob pressão. Se não cumprir o seu padrão, você deve ter a confiança de ponderar sobre ele e não publicar. Muitos não estão fazendo isso, e isso está arruinando a nossa reputação como indústria. É por isso que estamos vendo tantas notícias falsas e correções.

Se você tem padrões e processos estabelecidos, vai começar a recalibrar as expectativas do público em relação às organização de notícias. ...Se você está fazendo as coisas direito o tempo todo, vai colocar pressão sobre os concorrentes, porque vai ser a marca mais confiável.

Como devemos fomentar o relacionamento com testemunhas oculares? O conteúdo UGC deve ter um valor monetário?

Quando nos aproximamos de uma testemunha de conteúdo, é importante considerar em primeiro lugar a sua segurança e estado emocional. Se é um evento com risco de vida, como um tiroteio ou desastre natural, é preciso considerar o risco de produzir o conteúdo.

Nós também precisamos considerar a intenção do criador: Foi destinado apenas para os seus amigos? E precisamos informá-los sobre as consequências potenciais. Por último, é preciso respeitar o direito do criador do conteúdo e considerar que compensação seria relevante.

Ao invés de falar sobre o pagamento, precisamos falar sobre compensação. É certo que as pessoas que criaram o conteúdo sejam remuneradas, especialmente se os meios de comunicação vão monetizar isso para si mesmos, mas isso nem sempre significa dinheiro. Pode significar respeitar o fato de que ele ou ela criou o conteúdo, como incluir créditos na tela, legendas, comunicando com ele ou ela sobre como desejam que seu conteúdo seja visto. Se estão esperando rentabilizar o seu conteúdo e a organização de notícias não pode pagar, seria justo para eles pedirem para as organizações de notícias incluírem o embed em vez de baixar o conteúdo.

Como você vê esse desenvolvimento no futuro?

Há muito conhecimento compartilhado sobre as novas técnicas de edição, novas formas de distribuição, novo jornalismo, analytics, novas maneiras para fazer jornalismo... porém, não estamos colaborando o suficiente na base do conhecimento.

Normas comuns evoluíram em jornalismo ao longo do tempo e foram adotadas por todas as organizações de notícias; por exemplo, a nossa forma de proteger as fontes. Há agora novos padrões que precisam ser adotados. Todo mundo está tentando trabalhar com isso apenas por conta própria, mas trabalhando em conjunto vai nos levar até lá mais rápido, permitindo-nos concentrar em coisas como sobrevivência e ser competitivos.

Este post apareceu originalmente no blog do World Editors Forum e é republicado na IJNet com permissão. Chia Lun Huang é jornalista multimídia da World Association of Newspapers and News Publishers (WAN-IFRA).

Imagem principal sob licença CC no Flickr via Melissa Barra