Os 8 jornalistas mencionados por Maria Ressa no discurso do Nobel da Paz

Jan 18, 2022 em Liberdade de imprensa
Peace sign in candles

Em dezembro, dois jornalistas ganharam o Prêmio Nobel da Paz pela primeira vez desde antes da Segunda Guerra Mundial. Uma das premiadas foi a jornalista de origem filipina e americana Maria Ressa, cujas reportagens críticas ao presidente das Filipinas, Rodrigo Duterte, a colocaram sob ataque constante do governo e a tornaram alvo de uma violência online implacável.

Infelizmente, os desafios que Ressa vivenciou são cada vez mais comuns para jornalistas no mundo todo. Ao receber o Prêmio Nobel da Paz de 2021, Ressa mencionou colegas do mundo todo que, de modo semelhante, foram perseguidos por causa de seu jornalismo.

"Eu me lembro do esquartejamento brutal de Jamal Khashoggi, do assassinato de Daphne Caruana Galizia em Malta, Luz Mely Reyes na Venezuela, Roman Protasevich em Belarus (cujo avião foi literalmente sequestrado para que ele pudesse ser preso), Jimmy Lai definhando em uma prisão de Honk Kong, Sonny Swe, que depois de passar sete anos na prisão começou um novo veículo de imprensa... agora forçado a fugir para Mianmar", disse Ressa em seu discurso. "E no meu próprio país, Frenchie Mae Cumpio, de apenas 23 anos, ainda na prisão depois de quase dois anos, e a notícia há apenas 36 horas de que meu colega Jess Malabanan foi morto a tiros."

Para a jornalista venezuelana Luz Mely Reyes, o significado de ser mencionada por Ressa não pode ser subestimado.

"Ao nos mencionar, Maria não o fez apenas nominalmente, mas também colocou o holofote no jornalismo venezuelano e nas ameaças e ataques que o exercício da nossa profissão tem vivenciado", diz Reyes à IJNet. "Há jornalistas na Venezuela que foram exilados por fazerem seu trabalho, há jornalistas que foram processados e jornalistas que ficaram desempregados devido a ataques às suas redações."

Saiba mais, a seguir, sobre os oito jornalistas que Ressa mencionou no seu discurso do Prêmio Nobel da Paz. 

Jamal Khashoggi, Arábia Saudita

Durante anos, o jornalista saudita Jamal Khashoggi foi próximo da família real na Arábia Saudita, chegando a ser um conselheiro do governo em determinado momento. Com o tempo, porém, ele foi se tornando cada vez mais crítico ao governo e especialmente do príncipe Mohammed bin Salman. Em 2017, Khashoggi deixou seu país natal e foi para os Estados Unidos depois de temer ser preso como parte de uma repressão a jornalistas.

Enquanto esteve radicado nos Estados Unidos, Khashoggi escreveu uma coluna mensal para o Washington Post com críticas às políticas cada vez mais severas decretadas por bin Salman. Khashoggi foi morto em outubro de 2018 em uma visita ao consulado saudita em Istambul, na Turquia, em um ataque provavelmente ordenado por bin Salman, de acordo com um relatório da inteligência dos Estados Unidos.

Daphne Caruana Galizia, Malta

A jornalista investigativa Daphne Caruana Galizia dedicou sua carreira à cobertura de crimes financeiros na pequena nação insular de Malta, no Mediterrâneo. Sua cobertura expôs funcionários do governo e o crime organizado ao longo dos anos.

Em 2017, ela foi morta por um carro bomba. Uma investigação pública descobriu que o ex-primeiro-ministro Joseph Muscat e seu governo são culpados pelo assassinato, e descreveu a impunidade e o enfraquecimento do estado de direito que se enraizou no país. O relatório concluiu que isso criou um ambiente que levou os assassinos a acreditarem que haveria poucas consequências para suas ações.

[Leia mais: Vencedores do Nobel da Paz reforçam papel do jornalismo no combate ao autoritarismo]

Roman Protasevich, Belarus

Em maio de 2021, autoridades belorussas desviaram uma aeronave da Ryanair que sobrevoava o espaço aéreo do país por uma única razão: prender Roman Protasevich, cofundador e ex-editor do canal de Telegram NEXTA. Usado pela população para organizar manifestações em Belarus, o NEXTA foi declarado um "veículo extremista" pelo governo. Protasevich fugiu de Belarus para a Lituânia em 2019 e continuou cobrindo o regime Lukashenko.

Depois de o avião ser sequestrado, Protasevich foi acusado de vários crimes, incluindo "organização de instabilidade civil". O CEO da Ryanair, Michael O'Leary, chamou o incidente de "um caso de sequestro [e] de pirataria patrocinados pelo estado".  

Jimmy Lai, Hong Kong

À medida que a liberdade de imprensa se deteriora em Hong Kong, o jornalista e empreendedor Jimmy Lai tem sido um dos principais alvos. Em junho de 2021, a polícia fez buscas em seu jornal pró-democracia, o Apple Daily, e prendeu Lai. O Apple Daily encerraria as operações um pouco depois naquele mês.

Autoridades de Hong Kong fizeram uma série de acusações contra Lai com o objetivo de silenciar seu trabalho, incluindo muitas sob a nova lei de segurança nacional de Hong Kong, imposta na cidade pela China, e pelas quais ele corre o risco de passar o resto de sua vida na prisão. No momento ele já está cumprindo uma sentença de 20 meses de prisão por supostamente participar de manifestações ilegais.

Sonny Swe, Mianmar

Sonny Swe é o CEO do Frontier Myanmar, um veículo independente que funciona no país agora sob um regime militar após o golpe no começo de 2021. Antes de criar o Frontier Myanmar, Swe foi preso por seu trabalho como jornalista sob governos militares anteriores. Assim como Ressa, Swe tem alertado sobre os perigos da desinformação para a sociedade e o papel permissivo que as grandes empresas de tecnologia, especialmente o Facebook, têm desempenhado para fomentá-la.

Frenchie Mae Cumpio, Filipinas

A jovem jornalista e ativista de direitos humanos Frenchie Mae Cumpio foi presa em fevereiro de 2020 por suposto porte ilegal de armas de fogo. Cumpio negou as acusações, as quais seus advogados afirmam terem sido plantadas para justificar sua prisão ilegal.

O trabalho de Cumpio nos anos que antecederam sua prisão cobria o assassinato de fazendeiros no país, conflitos violentos decorrentes de políticas promulgadas pelo presidente Duterte, incluindo a mobilização de forças militares adicionais em áreas suspeitas de rebelião, dentre outros.

[Leia mais: Jornalistas cubanos são perseguidos e impedidos de cobrir os protestos do 15N]

Jess Malabanan, Filipinas

O jornalista filipino Jesus "Jess" Malabanan, que trabalhou para o Manila Standard e a Reuters, entre outros veículos, foi morto por tiros disparados de um carro no início de dezembro de 2021. Ele contribuiu com a cobertura da Reuters sobre a "guerra às drogas" do presidente Rodrigo Duterte, que rendeu à agência o Prêmio Pulitzer em 2018.

As ameaças que ele recebeu devido ao seu trabalho, porém, o forçaram a se esconder na ilha de Samar, onde foi morto a tiros na loja de sua família. De acordo com a Repórteres Sem Fronteiras, 33 jornalistas foram assassinados nas Filipinas na última década.

Luz Mely Reyes, Venezuela

Luz Mely Reyes é a cofundadora e CEO do Efecto Cocuyo, veículo independente com sede na capital venezuelana de Caracas. Ela e a colega cofundadora Laura Weffer criaram o Efeito Cocuyo como uma resposta às represálias contra o jornalismo independente no país. Reyes foi denunciada por promotores em 2017 após o presidente Nicolas Maduro contestar uma matéria sobre escassez de gasolina publicada pelo Diario 2001, onde ela trabalhava como editora-chefe.

Ao longo dos anos, Reyes realizou reportagens investigativas com foco na cobertura política e de eleições, tudo em meio à deterioração da liberdade de imprensa na Venezuela.

A liberdade de imprensa está se enfraquecendo no mundo todo. Suas consequências não afetam apenas jornalistas e organizações de mídia — elas reverberam na sociedade, enfraquecendo democracias, o estado de direito e muito mais. Reyes espera que o Prêmio Nobel da Paz de 2021 sirva como um alerta.

"Há uma tendência autoritária que ataca os jornalistas e os coloca como inimigos. Temos visto isso nos Estados Unidos e em outros países, como o meu ou as Filipinas. Sabemos que cada jornalista silenciado afeta milhares de cidadãos em seu direito de serem bem informados", ela diz. "Centenas de jornalistas perderam suas vidas, muitos mais estão sendo ameaçados ou assediados, e sabe-se lá quantos decidiram deixar a profissão ou permanecerem em silêncio para preservar sua integridade. Eu espero que esse prêmio ajude que os estados não vejam os ataques a jornalistas e à mídia como uma questão secundária."


Foto por Joshua Sukoff no Unsplash.