O silenciamento de vozes de mulheres na cobertura climática

Mar 9, 2022 em Diversidade e Inclusão
Women at work

Com o mundo focado na incompreensível invasão russa à Ucrânia, o frágil engajamento do jornalismo e da audiência com a crise climática corre o risco de ser uma vítima a mais da guerra.

Em um artigo recente na The Economist, Yuval Noah Harari, um pensador líder da nossa época, expressou o medo de que a invasão de Putin à Ucrânia poderia enfraquecer a cooperação global de que nós precisamos tão desesperadamente em grandes questões como a mudança climática. De fato, o dia 27 de fevereiro de 2022 teve o mais baixo nível de cobertura climática no mundo nos últimos 12 meses: no mundo todo, só 0,6% de todas as notícias online mencionaram "mudança climática".

Após as conclusões do nosso relatório de 2020, As Perspectivas Ausentes das Mulheres nas Notícias sobre a Covid-19, segundo as quais as vozes de mulheres especialistas, fontes ou protagonistas no noticiário foram ainda mais silenciadas durante a pandemia, a consultoria internacional de estratégia de audiência AKAS, que eu co-fundei há uma década, recentemente lançou a questão sobre a situação das mulheres no noticiário climático. Nesse momento crucial da história, estamos em perigo de permitir que as vozes das mulheres sejam outra vez suprimidas das notícias? 

Para responder a essa pergunta, a AKAS realizou uma série de análises para verificar o nível de representação das mulheres na cobertura da crise climática — sejam como jornalistas, editoras, especialistas, fontes, protagonistas ou ativistas climáticas — e descobrir como o público se engaja com a cobertura.

Nós nos perguntamos: qual o impacto atual das mulheres na cobertura da crise climática? As mulheres podem arriscar perder mais voz? De um jeito angustiante, os resultados não surpreenderam.

Mulheres são maioria entre ativistas e influenciadores do clima, mas a maioria dos ativistas e influenciadores citados no noticiário são homens

Por meio da nossa análise de 59 importantes ativistas e influenciadores globais de mudança climática, descobrimos que a maioria (53%) são mulheres. Além disso, as mulheres correspondem a seis dos 10 ativistas/influenciadores mais seguidos no Twitter, sendo o top 3 ocupado por Alexandria Ocasio-Cortez, Greta Thunberg e Marina Silva. Porém, as vozes de mulheres ativistas são minoria no noticiário online global. Dos 10 ativistas mais mencionados nas notícias, só quatro são mulheres. Dentre elas, Thunberg recebe a maior proporção de menções, seguida por Ocasio-Cortez. 

De acordo com a análise da AKAS, mulheres correspondem a uma minoria considerável (43%) de 172 editoras e jornalistas que escrevem sobre mudança climática e meio ambiente. No entanto, oito dos 10 editores e jornalistas mais seguidos no Twitter são homens. Na realidade, os seis mais seguidos são homens.

Essa sobrerrepresentação de jornalistas homens impacta a cobertura de algum jeito específico? Pesquisas mostram que, no mundo, as vozes masculinas dominam o noticiário. O mesmo parece ser verdade sobre a mudança climática: uma análise de pronomes com base em "ele disse/ela disse" no noticiário global em 2021 usando a base de dados GDELT revelou que menos de um terço de todas as pessoas especialistas, fontes e protagonistas citadas na cobertura online da mudança climática eram mulheres (29%). 

Em média, entre 2017 e 2021, aproximadamente apenas uma em quatro vozes citadas em notícias sobre mudança climática pertenciam a mulheres (27%). Emma Howard Boyd, presidente da Agência Ambiental do Reino Unido, recentemente ressaltou exatamente este problema em uma palestra, mencionando que o papel vital das mulheres na linha de frente da gestão da crise climática não se reflete nem é suficientemente amplificado nas notícias.

O engajamento da audiência com matérias sobre o clima é baixo

O desafio de longo prazo para a cobertura da mudança climática reside no engajamento do público, cuja maioria não a percebe como verdadeiramente relevante pessoalmente. Entre 11 de novembro e 11 de dezembro de 2021, imediatamente após a COP26, quando mais pessoas estavam pesquisando sobre a mudança climática na internet, e quando a inclusão do tema no noticiário foi mais alta do que em qualquer momento dos últimos cinco anos, só 19% dos 4.000 adultos entrevistados pela AKAS na Austrália, Canadá, Reino Unido e Estados Unidos relataram seguir o tema "muito" ou "bem de perto". Os homens seguiam o assunto ligeiramente mais de perto que as mulheres (16% contra 15% nos Estados Unidos e Canadá, e 23% contra 20% na Austrália). Os números foram mais altos no Reino Unido, onde aproximadamente 25% dos homens e mulheres disseram ter acompanhado o assunto.  

Esse baixo engajamento generalizado da audiência no assunto indica que o jornalismo está falhando em tornar o tema relevante para suas audiências. Na visão de Mitzi Jonelle Tan, ativista do clima das Filipinas, este baixo nível de engajamento é prejudicial também para a nossa habilidade coletiva de agir diante da mudança climática. Assim como no filme Não Olhe Para Cima, a crise climática é frequentemente abordada como um problema do futuro em vez de "algo que já estamos vivendo e sofrendo", diz Tan — uma narrativa danosa que ela vê como um reflexo da visão do norte global. Essa narrativa não só falha em conectar o problema com a vida do público; ela também falha em refletir adequadamente as perspectivas de protagonistas ou ativistas mulheres de todo o planeta.

Um passo importante no caminho do jornalismo é claro:

Romper com o atual viés masculino nas notícias utilizando mais vozes femininas como especialistas, protagonistas e fontes na cobertura da mudança climática.

Ao oferecer mais perspectivas femininas, tanto do sul global quanto do norte global, o jornalismo pode expandir sua relevância para além do público principal e aumentar o seu impacto como resultado. A análise da AKA de matérias assinadas dentre as 44 mais bem ranqueadas no Google Notícias no Reino Unido, Estados Unidos, Alemanha, França, Canadá e Austrália durante a COP26, no ano passado, mostrou que as mulheres superaram os homens: 39% dos créditos nos 10 principais artigos pertenciam a mulheres enquanto 32% eram atribuídos a homens e 29% a organizações. Vamos ver proporções semelhantes a essa replicadas em toda a cobertura climática.


A pesquisa para o artigo foi fornecida por Richard Addy & AKAS.

Foto por RF._.studio no Pexels.