Um dos papéis principais da arte e da cultura é servir como um espelho da sociedade. As histórias que os artistas contam por meio de livros, apresentações, filmes, música e artes visuais refletem uma imagem de quem nós somos e nos mostram quem podemos vir a ser.
O jornalismo desempenha um papel crucial ao espelhar esse espelho. Investigações, entrevistas e análises refletem e amplificam a criatividade e conversas exploradas por nossos artistas.
Mas apesar de alguns momentos pontuais de cobertura de alta qualidade, as matérias sobre arte, na maioria das vezes, não têm prioridade na mídia em geral. Somente 13% da cobertura total da mídia na Nova Zelândia Aotearoa foca em arte e cultura, e somente 3,25% em formas de arte que não sejam cinema, música e TV.
A minha nova pesquisa, New Mirrors, escrita em parceria com Rosabel Tan e encomendada pela Creative New Zealand, investiga o estado do jornalismo cultural contemporâneo e propõe dois caminhos para fortalecer o setor: um fundo dedicado a projetos de arte e cultura na mídia e um Centro de Mídia e Arte para conectar a mídia e setores criativos.
Um espelho empoeirado
Há pouco espaço dedicado às artes na mídia em geral. Veículos como Stuff, New Zealand Media And Entertainment (NZME) e Otago Daily Times cada vez mais colocam conteúdo sobre o tema por trás de um paywall. Plataformas especializadas muitas vezes precisam competir com os artistas que cobrem nas mesmas rodadas de financiamento.
Para entender melhor esses desafios, nós conversamos com 52 artistas, organizações do setor, publicitários, editores, jornalistas e tomadores de decisão no setor de arte e de mídia.
Descobrimos que o jornalismo cultural está sob pressão crítica, e desafios significativos limitam seu crescimento: orçamentos apertados, equipes reduzidas, pressões de produção e baixos salários. A jornalista freelance Tulia Thompson falou sobre receber 250 dólares neozelandeses para escrever uma resenha de 1.200 palavras de três livros, "o que torna a atividade mais uma espécie de hobby".
Mas descobrimos um grande apetite para fortalecer a cobertura. Connie Buchanan, subeditora do E-Tangata, disse que o ideal era conseguir oferecer "uma crítica embasada e decente do cenário artístico".
Nossa pesquisa confirmou a necessidade de uma representação mais forte e visível do setor de artes e cultura na mídia, que reflita melhor as histórias da Nova Zelândia Aotearoa.
Há uma audiência significativa para a arte e cultura: 96% dos adultos da Nova Zelândia Aotearoa participaram de um evento artístico ou cultural nos últimos três anos.
Conforme argumentamos no estudo, fortalecer o jornalismo cultural melhora o debate público, engaja os consumidores de arte e cria um setor artístico e cultural mais saudável.
A cobertura cria uma audiência, mas também dá apoio a futuras oportunidades de carreira para artistas e assegura que o trabalho seja lembrado.
A artista Bridget Reweti falou sobre a importância da "escrita de alta qualidade" para dar apoio a instituições e curadores para que entendam o valor de uma obra de arte, e como a cobertura da grande mídia "alimenta um conhecimento mais amplo e permite que as pessoas saibam que esse trabalho existe".
Conforme nos disse Mihi Blake, cofundadora da agência de comunicação Māia:
Há muitas histórias e as pessoas querem ler sobre elas; as pessoas querem enriquecer suas vidas com arte, cultura e música. Essa é a riqueza de se estar viva.
Sem recursos e sob pressão
O setor de mídia da Nova Zelândia tem sofrido com uma volatilidade considerável nas últimas duas décadas.
Entre 2006 e 2018, o número de jornalistas trabalhando no país caiu mais da metade. O setor de mídia enfrenta atualmente grande dificuldade devido ao encerramento do discutível fundo de jornalismo de interesse público do governo, queda no número de leitores e uma queda acentuada da receita publicitária.
David Rowe, chefe de planejamento de jornalismo da New Zealand Media and Entertainment, diz que o jornalismo cultural "tende a sofrer primeiro, porque em termos de importância do negócio, não é exatamente a parte mais relevante".
Já se passaram 16 anos desde que foi ao ar o último episódio do programa de cultura Frontseat, exibido pela TVNZ. Hoje, as oportunidades para cobrir cultura na televisão e no rádio são raras.
Embora o The Post tenha aumentado sua cobertura diária de arte e cultura neste ano em resposta a uma demanda da audiência, muitos dos grandes jornais na Nova Zelândia Aotearoa cortaram vagas de jornalismo cultural.
O jornalista Charlie Gates, que já trabalhou no Stuff, mostrou a nós um retrato desolador:
Quando eu comecei a trabalhar no The Press, em 2007, havia um editor de cultura, dois analistas de cinema, dois ou três repórteres de cultura, um repórter especial focado em cultura e outros temas, e hoje não tem nada disso. Todos esses cargos desapareceram completamente.
Um caminho a ser seguido
Estamos enfrentando um déficit na cobertura de arte e cultura. Isso impacta a coesão social, o bem-estar e nosso senso de quem somos como uma nação.
Nós propomos dois caminhos cruciais de investimento para tratar esse déficit:
(1) Criar um fundo público para projetos de arte e cultura na mídia
Os modelos atuais de financiamento não estão funcionando. Precisamos de um fundo dedicado que invista em projetos de arte e cultura na mídia, com parceria de investimentos de várias agências, como Manatū Taonga, Creative New Zealand, NZ On Air e Te Māngai Pāho.
Ao reunir recursos e delimitar o financiamento, poderíamos possibilitar o aumento da cobertura tanto em plataformas especializadas quanto na mídia em geral, dando mais destaque aos artistas, capacitando as regiões e reconhecendo a cobertura de arte e cultura como um bem público.
(2) Criar um Centro de Arte e Mídia
Um organismo independente que conecte a mídia e o setor criativo pode possibilitar um jornalismo cultural de alta qualidade por meio de cursos, promoção e construção de relações.
O Science Media Centre, financiado pelo Ministério dos Negócios, Inovação e Emprego, oferece um modelo possível. Desde o seu lançamento, em 2008, ele desempenha um papel crucial no fortalecimento da qualidade, precisão e profundidade do jornalismo de ciência.
Essas duas intervenções têm potencial para gerar um impacto duradouro e positivo, criar a infraestrutura necessária para dar apoio à sustentabilidade do ecossistema de jornalismo cultural no longo prazo e permitir que as visões e vozes criativas tenham espaço com mais frequência.
Com novos espelhos, a mídia pode refletir melhor a relevância central que a arte, criatividade e narrativa desempenham na vida dos neozelandeses.
James Wenley é professor na Te Herenga Waka — Universidade Victoria de Wellington.
Este artigo foi republicado do The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original.
Foto Sulthan Auliya via Unsplash.