O que jornalistas devem saber ao escrever sobre teorias da conspiração

Aug 2, 2022 em Combate à desinformação
A typewriter with a paper sticking out of it that says conspiracy.

Algumas das teorias da conspiração mais prejudiciais e conhecidas atualmente têm raízes no discurso político. Do presidente Jair Bolsonaro no Brasil ao juiz da Suprema Corte Clarence Thomas nos Estados Unidos, pessoas em posições de poder no mundo todo ou criam teorias da conspiração ou amplificam teorias sem fundamento para promover seus interesses — uma ferramenta comprovadamente bem-sucedida na ascensão do populismo.

Por mais que jornalistas queiram ignorar teorias da conspiração e as pessoas por trás delas, seria irresponsável fazer isso. Porém, é igualmente irresponsável dar espaço e legitimar perspectivas que são verificadamente falsas.

Para jornalistas, essa é uma faca de dois gumes. Como cobrimos com precisão e responsabilidade crenças falsas que líderes poderosos estão usando para orientar suas decisões e ações? 

Empatia em vez de normalização 

Para entender o contexto completo de uma pauta durante o processo de apuração, é importante ouvir — mesmo quando as visões sendo discutidas são danosas. Pode ser desafiador iniciar uma discussão com alguém que acredita em teorias da conspiração, muitas das quais são baseadas em ideologias de ódio e já geraram violência

Whitney Phillips, professora de jornalismo na Universidade do Oregon e autora do livro You Are Here: A Field Guide for Navigating Polarized Speech, Conspiracy Theories, and Our Polluted Media Landscape (Você está aqui: Um guia de campo para lidar com discurso polarizado, teorias da conspiração e nosso cenário de mídia poluído), aconselha que repórteres não descartem as crenças das pessoas em conspirações. "As pessoas se identificam seriamente com essas crenças", diz. "Ter isso em mente é importante porque te força a fazer perguntas do tipo: Como essa informação circulou? Por que essa informação é tão convincente? Como ela se tornou um jeito coerente de entender o mundo para um grupo de pessoas em particular?" 

O ódio é um comportamento que se aprende, frequentemente alimentado pela distorção de vulnerabilidades reais como insegurança econômica. É vital que jornalistas que informam sobre teorias da conspiração entendam os temores subjacentes. 

Ao mesmo tempo, eles não devem simplesmente aceitar cegamente a perspectiva de uma pessoa. Os repórteres devem fazer pesquisas para encontrar evidências que refutam falsas teorias e mencioná-las nas matérias. 

Manipulado x Manipulador

Ao escrever uma matéria sobre os efeitos da desinformação e teorias da conspiração, é importante distinguir entre as partes manipuladoras e manipuladas. Os manipulados merecem empatia, o manipulador, não. Muitas vezes, as pessoas que acreditam na conspiração foram expostas a informação falsa por muito tempo.

Por exemplo, o ataque ao Capitólio em Washington, em 2021, foi resultante da radicalização da extrema direita. Ashli Babbitt, veterana da Força Aérea que foi baleada e morta durante a tentativa de golpe, era alimentada por desinformação e teorias da conspiração nas redes sociais.

Problemas como esse não começam com cidadãos comuns como Babbitt. Em vez disso, são pessoas em posições de poder que usam suas plataformas para forçar a desinformação, intencionalmente ou não. Elas podem explorar vulnerabilidades em suas audiências para espalhar narrativas falsas e incitar as pessoas à violência. A radicalização neste caso veio de líderes eleitos, como o ex-presidente e membros do Congresso. Grupos extremistas como o The Oath Keepers — um grupo por si só criado a partir da exploração dessas vulnerabilidades — perpetuou a radicalização.

Jason Van Tatenhove, ex-porta-voz nacional do The Oath Keepers, destacou isso durante uma das audiências sobre a insurreição de 6 de janeiro. "Elas [as táticas do The Oath Keepers] incluem persuadir pessoas sem muita informação por meio de mentiras, retórica e propaganda", disse.

Como jornalistas, devemos perguntar quem as pessoas que estão espalhando informação falsa estão tentando convencer e por quê. Isso ajuda a identificar a origem de teorias da conspiração perigosas.

"Não há uma resposta pronta. É caso a caso. É de pessoas para pessoa. De teoria da conspiração para teoria da conspiração", diz Phillips. "Apenas requer muita reflexão para descobrir o que há de interesse público e o que poderia ser uma ameaça ao interesse público."

Informar x Dar espaço

Focar muito nos líderes que perpetuam a desinformação e teorias da conspiração na hora de noticiar é parte do problema, diz Anita Varma, professora assistente de ética de mídia na Escola de Jornalismo e Mídia da Universidade do Texas em Austin e uma das autores do livro Fake News: Understanding Media and Misinformation in the Digital Age (Fake News: entendendo a mídia e a desinformação na era digital). Jornalistas devem centrar suas matérias nas pessoas afetadas negativamente pelas decisões desses líderes e naqueles que foram manipulados para acreditar nas conspirações.

"Temos que parar de centrar as matérias nos líderes mundiais que estão fazendo alegações sem base ou distorcidas e em vez disso colocar as pessoas afetadas — que estão vivendo o problema — no topo", diz Varma.

O papel da Rússia na pandemia de desinformação é um exemplo perfeito sobre por que dar espaço para líderes que se armam de conspirações é tão perigoso. O presidente Vladimir Putin tem usado informação falsa para tentar minar as eleições em mais de duas dúzias de países no mundo todo.

Falar com teóricos da conspiração como parte do processo de apuração é muito diferente de dar um espaço para a ideia. "Você está ajudando o seu leitor a entender, mas não está simplesmente dando um microfone para os teóricos da conspiração. Você está contextualizando", diz Phillips.

Varma faz coro ao sentimento e acrescenta que jornalistas precisam ter em mente, também, a realidade do jornalismo hoje.

"Com tempo e recursos limitados, pressão extrema de prazos para fazer matérias, não permita que o seu tempo seja monopolizado por esse lado da discussão", diz.


Foto por Markus Winkler via Unsplash.