O que fazer e o que não fazer em entrevistas jornalísticas

Nov 8, 2023 em Jornalismo básico
Man and woman in recording studio for TV interview

Como todo jornalista sabe, entrevistas dão vida às matérias. Elas nos aproximam da verdade, dão uma voz à notícia e dão aos leitores experiências em primeira mão que aprofundam o entendimento do mundo. Elas também oferecem perspectivas diferentes que lançam luz sobre a complexidade de eventos, problemas e narrativas.

Mas conduzir uma entrevista para uma matéria não é fácil. Pode ser difícil conjugar humanidade, ética e precisão, principalmente quando se trata de abordar assuntos sensíveis e administrar limitações de tempo.

"Muito frequentemente, como jornalistas, nós simplesmente estamos ali, apenas obtendo as notícias, e nos esquecemos de considerar como nossas fontes estão sendo representadas ou querem ser representadas", diz Jennifer Cox, professora da Universidade Salisbury e autora do livro "Feature Writing and Reporting: Journalism in the Digital Age".

Para ajudar os jornalistas a melhorar suas habilidades de entrevista, eu pedi orientação a Cox e a Amy Forbes, professora da Universidade James Cook e coautora do livro "Interviewing - A Guide for Journalists and Professional Writers". 

A seguir está o que elas compartilharam: 

FAÇA: Pré-entrevista e pesquisa de acompanhamento

"Faça o máximo de pesquisa possível antes da entrevista, mesmo que seja verificar o Facebook da pessoa", diz Forbes. Isso vai não só te ajudar a formular perguntas melhores mas também trazer elementos eficazes para quebrar o gelo e estabelecer uma conexão.

Para matérias longas, considere fazer a entrevista em vários locais e consultar fontes adicionais como amigos e família para uma perspectiva mais abrangente. No trabalho investigativo, cruzar informações é crucial.

"Faça pesquisa e entrevistas de acompanhamento, verifique a informação que te derem e não tenha medo de fazer perguntas difíceis", diz Cox. "Talvez pode ser o caso de reformular e perguntar novamente. Se mesmo assim você não conseguir uma resposta, chame atenção para isso, responsabilize a sua fonte." 

FAÇA: Demonstre empatia com a forma de representação

Entenda e respeite como os entrevistados querem ser representados, principalmente em matérias que exigem que sua fonte identifique o gênero, raça ou outros detalhes pessoais.

"Precisamos reconhecer que nossas fontes estão nos dando informação. Elas estão nos contando a história delas e confiando em nós para contar a história da forma como deveria ser ou da forma como elas enxergam", diz Cox. "É crucial abordar a narrativa das fontes com empatia e cuidado, e assegurar que suas perspectivas sejam honradas."

FAÇA: Estabeleça regras básicas claras

Esclareça as regras básicas no início do processo de entrevista. Conforme aconselha Forbes, deixe entendido que qualquer coisa dita durante a entrevista pode ser publicada. Essa transparência ajuda a administrar as expectativas e cria confiança. 

Se uma fonte quiser retratar algo, pondere a importância da informação. "Se puder ceder, faça-o, principalmente se você espera entrevistar a pessoa novamente. É melhor manter a comunicação aberta", diz Forbes.

FAÇA: Garanta credibilidade e autenticidade

Credibilidade é fundamental no jornalismo – e isso se estende ao ambiente de entrevista. Mostrar credenciais, como crachá ou cartão de visita, consolida sua legitimidade aos olhos de uma fonte. 

"Chegar em alguém com um cartão de visita e dizer 'esta sou, isto é o que eu faço' pode aliviar parte da dúvida que as pessoas têm quando você as aborda e fazê-las se sentirem mais confortáveis logo de cara", diz Cox. 

Afirmar sua identidade e suas intenções cria uma base de confiança, o que é essencial para uma entrevista franca e genuína. 

FAÇA: Trate as entrevistas como se fosse uma conversa

Cox também apontou para a importância do conforto e da familiaridade ao fazer uma entrevista, principalmente para iniciantes. "Lembrar que uma entrevista é simplesmente uma conversa em que uma pessoa está fazendo anotações é uma boa forma de lidar com a ansiedade do entrevistado", diz.

Ela recomenda treinar com amigos ou conhecidos. Com o passar do tempo, isso pode diminuir sua apreensão ao falar com estranhos, permitindo um diálogo mais natural e autêntico. 

FAÇA: Ouça ativamente e faça perguntas complementares

Ouvir é uma habilidade inestimável que jovens jornalistas normalmente subestimam, diz Forbes. Não se trata meramente de fazer perguntas, mas de absorver genuinamente as respostas e permitir que elas guiem o diálogo subsequente. 

"É claro que você vai fazer a sua pergunta, mas ouça a resposta e faça perguntas complementares", aconselha. Essas perguntas complementares, apesar de potencialmente não estarem no roteiro, podem oferecer uma visão mais aprofundada, rica e ampla.

NÃO FAÇA: Impor-se em momentos de dor

Lide com situações desafiadoras que envolvem morte, perda ou trauma com sensibilidade e respeite o estado emocional das pessoas.

"Aja com ética. Pense em como você gostaria de ser tratada se fosse você ou sua família sendo entrevistados", sugere Forbes. "Em circunstâncias particularmente difíceis, não se imponha sobre momentos de dor."

NÃO FAÇA: Confiar apenas em entrevistas digitais

Houve um declínio significativo em entrevistas presenciais depois da pandemia de COVID-19, diz Cox. "Nós simplesmente não queremos falar com as pessoas cara a cara ou pelo telefone. É muito mais fácil fazer uma entrevista por e-mail, mas muita coisa se perde."

Embora Cox reconheça a conveniência de entrevistas digitais, ela desaconselha a fazê-las. "Elas arruínam a autenticidade da entrevista, dão às fontes tempo demais para planejar e pensar com antecedência nas respostas", diz. 

Use plataformas online e serviços de mensagem como pontos de contato iniciais, mas colete as informações presencialmente ou pelo telefone para capturar melhor as emoções e nuances.

NÃO FAÇA: Começar com perguntas polêmicas ou difíceis

Começar com perguntas controversas ou desafiadoras pode comprometer toda a entrevista.

"Não comece com perguntas difíceis ou polêmicas, pois o entrevistado pode te abandonar", diz Forbes. "Isso é importante principalmente para entrevistas gravadas ou em vídeo. Lembre que você não tem programa se não tiver gravação, então é melhor fazer algumas perguntas antes de chegar às difíceis."

Embora haja exceções, como improvisos e interferências breves, manter uma abordagem atenciosa e estratégica é geralmente prudente.

NÃO FAÇA: Interromper e fazer perguntas que induzem uma resposta

"Um dos maiores erros é interromper nossas fontes", diz Cox. Isso pode ser problemático principalmente no rádio e na TV, em que uma interrupção pode inutilizar um segmento.

Permita que a conversa flua naturalmente e evite fazer perguntas que induzem uma resposta. "Você está entrevistando um atleta e fala: 'o jogo foi bem fácil, não foi?'. Você está levando o atleta a dizer: 'sim, foi superfácil!'. Você está tentando fazer com que ele te dê as aspas que você precisa", diz. Isso traz o risco de você ser retratada como parcial e como quem pode manipular a narrativa do entrevistado.

NÃO FAÇA: Negligenciar detalhes e relações interpessoais 

Faça anotações detalhadas, garanta a precisão de nomes e cargos e seja gentil com todos, incluindo funcionários. "Nada é pior do que fazer uma ótima entrevista, escrever um texto ótimo e escrever errado o nome ou o cargo da pessoa", diz Forbes.

Garantir que cada detalhe esteja correto valida o profissionalismo e a credibilidade do jornalista e da publicação. Além disso, lembre-se de manter relações cordiais com funcionários administrativos e de relações públicas, pois são essencialmente a porta de acesso a entrevistados em potencial.

NÃO FAÇA: Quebrar o sigilo

Mantenha o sigilo de informações e fontes em off.

"Como dizem na área, você é tão boa quanto suas fontes e sua reputação de manutenção de sigilo. Ninguém quer falar com um jornalista em quem não se pode confiar", observa Forbes.

A quebra de confiança pode não só prejudicar sua reputação como também fechar futuros canais de comunicação.


Foto por Jonah De Oliveira via Unsplash.