Não é nenhum segredo que as mulheres são sub-representadas no jornalismo, tanto como fontes quanto como repórteres.
Estudos como o Global Media Monitoring Project e o informe do Women’s Media Center de 2019 sobre as mulheres na mídia dos EUA mostraram como a indústria continua a falhar na inclusão de gênero. De acordo com um novo estudo publicado em setembro, a cobertura da COVID-19 não é diferente.
No novo estudo, a autora Luba Kassova e sua equipe da AKAS Ltd. examinaram o papel das mulheres como fontes de notícias e protagonistas em notícias, bem como cobertura de questões de igualdade de gênero em reportagens sobre a pandemia. Os resultados destacam a ausência de mulheres no jornalismo e a pouca cobertura das questões que mais importam para as mulheres enquanto elas enfrentam desafios únicos durante esta crise de saúde global.
“Seria uma oportunidade perdida não entender como a história estava sendo coberta — o maior problema de nossas vidas”, disse Kassova.
A pesquisa explora a produção de notícias em seis países — Índia, Quênia, Nigéria, África do Sul e Reino Unido — durante os estágios iniciais da pandemia, de 1º de março a 15 de abril de 2020. Esses países foram selecionados devido ao grande público que fala inglês e a diversidade geográfica.
As pesquisadoras, em colaboração com o Grupo de Análise de Ecossistemas de Mídia, analisaram mais de 11.000 publicações, pesquisas públicas, literatura acadêmica e bancos de dados públicos, e conduziram uma revisão de pronome das manchetes sobre COVID-19. Elas tiveram o cuidado de não apresentar os dados em um vácuo. “As mulheres têm desafios únicos e profundos relacionados à pandemia”, disse Kassova. “Isso torna o contraste com a falta de cobertura de suas opiniões particularmente doloroso.”
Para esclarecer o impacto da COVID-19 nas mulheres e as maneiras como diferentes públicos consomem notícias, as pesquisadoras incluíram uma seção de abertura dedicada ao contexto em que a pesquisa foi publicada. Ela explora o fardo único que as mulheres carregam globalmente durante a pandemia e as diferenças no tipo de notícias que consomem.
[Leia mais: Por que ter uma editora de gênero]
O contexto
Dos seis países incluídos no estudo, apenas a África do Sul alcançou a paridade de gênero nos comitês de tomada de decisão de COVID-19 de seu governo. Nos outros países, as mulheres foram efetivamente deixadas de fora do poder político por causa da pandemia. Na Inglaterra, por exemplo, 100% dos membros presentes nas reuniões diárias sobre COVID-19 eram homens.
“Os maiores e mais devastadores impactos e consequências do fato de as perspectivas das mulheres serem tão marginalizadas nas notícias sobre a COVID é que elas acabam não sendo objeto de formulação de políticas porque suas necessidades não são atendidas”, disse Kassova.
As pesquisadoras também descobriram que, embora os homens tenham maior probabilidade de morrer de COVID, as mulheres em alguns países têm maior probabilidade de adoecer, especificamente no País de Gales, Escócia, Irlanda do Norte, Inglaterra e África do Sul. Isso pode ser porque há mais probabilidade de mulheres trabalharem na linha de frente. De acordo com a pesquisa, as mulheres representam mais de 60% de cada uma das seguintes ocupações em todo o mundo: cuidadoras, profissionais de saúde e auxiliares de preparação de alimentos. Também é mais provável que sejam donas de casa, assumindo, portanto, a responsabilidade de cuidar dos filhos ou parentes doentes.
As mulheres também têm maior probabilidade de perder seus empregos, geralmente têm uma renda mais baixa e correm o risco de aumentar os níveis de violência de gênero.
Apesar desses desafios, ou talvez por causa deles, as pesquisadoras encontraram evidências que sugerem que as mulheres em muitos países estão consumindo notícias com mais regularidade do que no passado.
[Leia mais: Reportagem sobre violência de gênero durante quarentena]
As vozes não ouvidas de mulheres
As pesquisadoras analisaram 80 publicações importantes nos seis países do estudo para determinar com que frequência as mulheres foram citadas como especialistas ou comentaristas, fontes ou protagonistas na cobertura sobre COVID-19 de 1º de março a 15 de abril de 2020. As descobertas são preocupantes: a porcentagem de vozes citadas que pertencem a mulheres variam de 16% na Índia a um ponto máximo de apenas 25% no Reino Unido.
Ao comparar a porcentagem de mulheres citadas na cobertura do coronavírus com a cobertura de não coronavírus, o relatório descobriu que as mulheres são citadas com menos frequência nas histórias relacionadas à pandemia. Kassova levanta a hipótese de que o “viés do status quo” vence em tempos de crise, impedindo jornalistas de buscar novas fontes, em vez de confiar nas antigas, que na maioria das vezes são homens.
“Isso acontece no nível político, onde os homens disseram: 'Ok, estamos assumindo agora. Esta é uma questão importante'". E isso aconteceu em um nível científico onde mulheres cientistas com décadas de experiência foram expulsas”, disse Kassova. “Tudo isso se refletiu nas notícias.”
Quando foram citadas, as mulheres ofereceram opiniões pessoais subjetivas com mais frequência do que especialistas. Nos seis países, os homens tinham quatro vezes mais chances de serem apresentados como especialistas e comentaristas.
Mesmo quando não eram citadas, as mulheres ainda eram menos visíveis nas notícias. As pesquisadoras descobriram que, ao longo do período selecionado, as mulheres apareceram como protagonistas — pessoas que são centrais para a história ou cujos comentários ou ações carregam a narrativa — em não mais do que 30% das notícias nos seis países. Esse número caiu ainda mais com as histórias de COVID-19.
As pesquisadoras também descobriram que em quase 2 milhões de matérias de mais de 11.000 publicações nos seis países, a cobertura da igualdade de gênero esteve quase totalmente ausente entre 1º de março e 15 de abril. Em todos os países, o ângulo da igualdade de gênero esteve presente em menos de 1% das matérias. Quando compararam esses números com o ano anterior, as pesquisadoras descobriram que a cobertura da igualdade de gênero havia caído durante a pandemia.
Recomendações futuras
Apesar do quadro sombrio que o relatório descreve sobre a situação das mulheres na cobertura noticiosa da COVID-19, jornalistas e redações podem melhorar. Kassova conclui seu relatório com 21 recomendações para organizações de notícias que querem fornecer uma cobertura mais equilibrada de gênero.
Como muitos países ao redor do mundo enfrentam o previsto aumento de casos de coronavírus nos próximos meses, essas recomendações podem ajudar jornalistas a contar histórias que importam para as mulheres e trazer suas vozes para a cobertura.
“Pude olhar as evidências, mas também entender os pontos de pressão e as necessidades e a tomada de decisões dos jornalistas”, disse ela.
Primeiro, Kassova recomenda que jornalistas cubram o impacto da COVID-19 em questões que podem preocupar mais as mulheres do que os homens. Isso inclui concentrar-se mais no desemprego, na saúde, na pobreza e no crime de gênero. Ela também recomenda se concentrar mais nas histórias pessoais, já que essas micro-histórias tendem a ser de maior interesse para as leitoras.
Aqui estão algumas recomendações importantes:
- Incentive sua redação a manter um registro dos especialistas citados nas matérias.
- Dê voz a mulheres especialistas em profissões de alta confiança, incluindo médicas, enfermeiras e professoras.
- Certifique-se de que suas fotos sejam equilibradas por gênero e não reforcem estereótipos.
- Cubra áreas de interesse para mulheres, como desemprego, efeitos da COVID em crianças em idade escolar, saúde e direitos reprodutivos, entre outras.
- Busque ativamente as opiniões das mulheres em seu público por meio de pesquisas, entrevistas e engajamento direto para entender melhor suas necessidades.
Para ler o relatório completo, clique aqui.
Este relatório foi encomendado pela Fundação Bill e Melinda Gates. É o precursor de um relatório maior, que será lançado em breve.
Taylor Mulcahey é editora da IJNet.
Imagem principal sob licença CC no Unsplash via the United Nations COVID-19 Response