Reportagem sobre violência de gênero durante quarentena

por Marjuli Matheus-Hidalgo
Jun 10, 2020 em Reportagem sobre COVID-19
Casa

Este artigo faz parte de uma série de tópicos relacionados a jornalismo, gênero e liderança da Chicas Poderosas (Meninas Poderosas), uma comunidade global que promove a liderança feminina e gera conhecimento para moldar o futuro da mídia. Siga a Chicas Poderosas no TwitterInstagram e Facebook.

A vida em quarentena tem seus desafios: descobrir como trabalhar, estudar, manter uma rotina diária e ser produtivo, para citar alguns. Mas nem todo mundo passa pela quarentena da mesma maneira. Algumas pessoas vivem em condições vulneráveis, que são agravadas pela quarentena.

Algumas pessoas — principalmente mulheres e crianças — sofrem violência em casa, onde os agressores são seus parceiros, pais, irmãos ou outros parentes. Na quarentena, isso quer dizer que ficam trancadas com eles 24 horas por dia, sem poder sair e sem períodos de alívio quando o agressor sai de casa.

No momento em que o número de mortos, a produção de vacinas e os planos de reabertura estão monopolizando as manchetes, a imprensa pode ajudar a esclarecer a situação que essas mulheres e crianças enfrentam.

As Nações Unidas alertaram sobre a violência doméstica e de gênero durante esse período de distanciamento social e pediram aos governos para garantir proteção para as mulheres durante um período em que a violência masculina tende a aumentar. Nesta crise de saúde, a violência física e psicológica aumenta a carga já desproporcional para as mulheres, incluindo cuidar de idosos, crianças e doentes.

Assim como os repórteres são treinados para cobrir política, esportes, ciência ou economia, também precisam aprender a lidar com histórias sobre violência baseada em gênero.

Para obter conselhos sobre como melhorar a cobertura na era da COVID-19, conversamos com Nicole Martín, jornalista investigadora e embaixadora da Chicas Poderosas na Argentina, que coordenou uma reportagem colaborativa sobre o tema na América Latina com o Distintas Latitudes; Daniella Inojosa, ativista feminista e porta-voz do coletivo venezuelano En Tinta Violeta; Lu Ortiz, diretora executiva e cofundadora da Vita-Activa.Org, uma linha de apoio a jornalistas que sofrem violência; e Silvia Trujillo, socióloga feminista que faz parte do La Cuerda, uma publicação feminista na Guatemala.

 

[Leia mais: Conselhos para cobrir casos de violência de gênero]

 

Aqui estão suas dicas:

(1) Coloque no contexto da pandemia 

A perspectiva de gênero deve ser aplicada à cobertura da mídia sobre COVID-19, e não apenas em relação à violência. Os jornalistas também devem explorar como a pandemia afeta mulheres, homens e pessoas não binárias de maneiras diferentes, diz Trujillo.

Para tornar as histórias de violência de gênero relevantes para os leitores hoje em dia, Martin sugere vincular a violência de gênero — um problema preexistente — à pandemia, que é um novo problema.

Por exemplo, na Argentina, alguns crimes caíram devido à quarentena obrigatória no país, mas o número de feminicídios não diminuiu. A avaliação de dados como esse possibilita atrair a atenção do público atualmente interessado nos problemas da pandemia.

(2) Recorra aos dados

Os dados são o seu melhor aliado, diz Ortiz. "É necessário mostrar evidências científicas de como a violência baseada em gênero afeta a sociedade."

Em vez de apenas listar dados, Trujillo recomenda prestar atenção em como as informações estatísticas estão sendo exibidas e acrescentar o contexto por trás dos números.

Por exemplo, na Guatemala: “Nos primeiros 15 dias de confinamento, os relatos de violência de gênero diminuíram 75%. Isso chamou a atenção das autoridades”, disse Trujillo. “A grande conclusão foi que a violência não diminuiu — o que aumentou foi o terror. As mulheres ficaram presas com seus agressores e não foram capazes de registrar denúncias porque não podiam se mover, pois todo o transporte público estava proibido aqui."

Ela acrescenta que é importante diferenciar os dados de acordo com a idade e outros fatores, porque há uma diferença entre a violência contra uma criança em comparação a um adulto ou idoso. Verifique se seus dados estão limpos e o mais claros possíveis para o leitor.

Martin aconselha priorizar a clareza ao expressar dados. "Curto e simples é melhor", diz ela. Em relação aos formatos, ela recomenda o uso de visualizações, ilustrações e design para tornar as informações compreensíveis e atraentes.

[Leia mais: Por que ter uma editora de gênero]

(3) Trabalhe com organizações sociais

Martin aconselha pressionar as agências públicas a fornecer dados sobre a violência baseada em gênero. Inojosa diz que a mídia pode ajudar a pressionar as autoridades, dando visibilidade ao problema da violência contra as mulheres. Ela também convida jornalistas a consultarem e se apoiarem no trabalho de organizações sociais.

Nos países em que é difícil acessar informações públicas e há pouco ou nenhum dado sobre violência de gênero, grupos ou organizações sociais se tornam fontes valiosas de informação. Por exemplo, na Venezuela não há informações públicas sobre feminicídios. "As feministas (na Venezuela) contaram feminicídios (durante a pandemia) e acreditamos que isso também é notícia porque torna visíveis os níveis de violência de gênero durante a pandemia", diz Inojosa.

(4) Inclua histórias, mas nunca volte a vitimizar 

A narrativa é crucial, mas incluir histórias pessoais sobre algo tão íntimo e traumatizante pode ser difícil. Ortiz adverte sobre a vitimização — também conhecida como vitimização secundária ou vitimização dupla — que ocorre quando a vítima ou sobrevivente sofre danos adicionais ao expor os detalhes de seu sofrimento.

Os eventos podem ser relatados descrevendo o que aconteceu e fornecendo contexto sem nunca exibir imagens. "Não é necessário mostrar a imagem de uma mulher agredida para dar visibilidade ao problema", diz Ortiz.

Certifique-se de não expor suas fontes, que neste caso são vítimas ou sobreviventes de violência de gênero. Protegê-las significa não revelar sua identidade ou informações pessoais se isso lhes representar um perigo.

(5) Use a linguagem adequada

Trujillo enfatiza que é importante usar a terminologia e linguagem apropriadas ao informar sobre o tópico. No entanto, isso será diferente por região. Alguns países têm usam o termo feminicídio ou femicídio, enquanto outros não. Para decidir, consulte especialistas e recursos em sua própria região e familiarize-se com as leis.

Ortiz recomenda falar sobre "sobreviventes" quando se refere a pessoas que estão fora de uma situação perigosa, em vez de "vítimas". Somente use o termo “vítimas” quando estiverem sofrendo ativamente violência de gênero ou sofreram recentemente.

Em relação ao tipo de violência, alguns chamam de violência intrafamiliar ou doméstica, mas é importante ter em mente a perspectiva de gênero para diferenciá-la de outros tipos de violência.

Inojosa aconselha consultar especialistas e aprender o termo apropriado para se referir à violência de gênero antes de revelar as histórias e seus detalhes.

Todos os entrevistados concordam que termos sensacionalistas não devem ser usados ​​ao descrever esse tipo de violência. "Vamos deixar o incendiário de lado", diz Ortiz. "Os próprios números são de arrepiar."

(6) Inclua recursos

Sempre adicione linhas diretas nacionais, regionais e locais para apoiar as pessoas que sofrem violência baseada em gênero, diz Martin. E, ao fazer isso, é importante distinguir entre o número de autoridades e o das organizações, enfatiza Inojosa, pois as vítimas precisam de recursos diferentes de acordo com suas necessidades: seja assistência psicológica ou legal, obter ajuda ou apresentar uma queixa.

Nem todo mundo sabe como escapar de situações violentas; portanto, é importante adicionar recursos disponíveis no seu país ou região.


Siga Marjuli Matheus-Hildago no Twitter.

Imagem sob licença CC Unsplash por Wynand van Poortvliet