Conselhos de jornalistas premiados para dominar a reportagem científica

Mar 11, 2025 em Temas especializados
Gray insect crawling.

Todos os anos, a Academia Americana para o Avanço da Ciência (AAAS) e a Fundação Kavli homenageiam a excelência no jornalismo científico praticado no mundo todo por meio do Prêmio AAAS Kavli de Jornalismo de Ciência. O prêmio reconhece trabalhos em categorias como reportagem para o público infantil, reportagem em vídeo, reportagem de revista, entre outras.

Os vencedores de 2024 foram celebrados em fevereiro no encontro anual da AAAS em Boston. Muitos dos premiados enfatizaram a importância do apoio ao jornalismo científico em uma época em que a credibilidade da ciência frequentemente está sob ameaça.

Ganhadores de cinco categorias conversaram comigo sobre a importância de seu trabalho e deram conselhos para os colegas jornalistas que cobrem assuntos relacionados à ciência.

 

Award winners posing with their awards.
Foto cedida por Elna Schütz

Reportagem de ciência - Veículo grande 

Ele levou um tiro que acertou a garganta. Hoje ele salva a vida de vítimas de armas de fogo como um cirurgião de trauma em Baltimore, por Simar Bajaj para o The Guardian


Simar Bajaj quebrou uma regra bastante difundida entre jornalistas freelance com o seu texto premiado: ele enviou o material já pronto e com mais de 5.000 palavras para um editor. Não só o editor do The Guardian considerou que valia a pena publicar a matéria como o Prêmio Kavli julgou o texto merecedor de reconhecimento. 

A matéria de Bajaj traça o perfil de um cirurgião de trauma de Baltimore e ativista por uma reforma no uso de armas de fogo que foi vítima de violência armada na adolescência. Bajaj usa essa história pessoal impactante para lançar luz sobre como alguns médicos começaram a usar suas experiências para defender questões políticas, como o controle de armas, o que no passado era considerado amplamente fora do escopo da profissão.

"Muitas pessoas têm medo ou se sentem intimidadas pela ciência, então meu trabalho busca explorar a curiosidade e fascínio das pessoas, tornando acessíveis assuntos médicos complexos", diz Bajaj. "É um momento desafiador para fazer esse trabalho, mas sou grato pelo privilégio de ser um jornalista de ciência." 

Bajaj, que também é pesquisador médico, passou 24 horas em um hospital acompanhando especialistas em trauma como parte de sua reportagem.

Reportagem de ciência aprofundada

Um rio corre sobre nós, por Serena Renner para a Hakai Magazine


A reportagem de Serena Renner, Um rio corre sobre nós, mergulha na história e no impacto dos rios atmosféricos, termo meteorológico para tempestades que podem criar uma grande quantidade de precipitação e causar inundações. Usando dois exemplos de projetos de revitalização de lagos durante a ocorrência de tempestades fluviais atmosféricas, Renner destaca para os leitores as consequências e soluções em potencial para o que os meteorologistas começaram a chamar de "chicotada meteorológica" entre inundação e seca.  

Renner atribuiu sua vitória em parte ao momento oportuno da publicação da reportagem. O texto saiu durante a seca de verão na Califórnia em 2023, pouco depois de uma das piores temporadas de inundação em tempos recentes.

"As pessoas estavam vivendo a 'chicotada meteorológica' em tempo real", diz. "Essa matéria trouxe informações valiosas sobre a ciência das tempestades fluviais atmosféricas ao mesmo tempo em que juntou os pontos entre a inundação e a seca."

A curiosidade está no centro do trabalho de Renner, que tende a focar em iniciativas comunitárias, narrativas humanas e soluções. O interesse dela nessa pauta em particular foi despertado quando seu estado de origem, a Colúmbia Britânica, no Canadá, passou por ciclos similares de seca e inundação em 2021.

Reportagem de revista

O fim do pássaro de todos os lugares, por Kate Evans para a New Zealand Geographic


Kate Evans escreveu para a New Zealand Geographic uma ode cheia de compaixão e inteligência para um pássaro que ela considerava um irmão. Evans usou belas imagens e personagens cativantes para transformar um assunto facilmente menosprezado em um estudo de caso fascinante.

"As coisas cotidianas, muitas vezes, carregam uma história linda e profunda internamente, basta você arranhar um pouco a superfície", diz. "Eu acho que o que essa matéria tem é um arco emotivo que já estava lá, eu escavei e encontrei. Toda a ciência está por detrás disso."

Evans aconselha outros jornalistas a buscar um núcleo emotivo para suas pautas — um que seja fascinante. O truque é amarrá-lo com grandes temas ou verdades de interesse público, como Evans fez com a mudança climática nesse exemplo.

Notícia em vídeo/Reportagem de destaque

Esta enzima é responsável pela vida na Terra. E é uma tremenda bagunça.

A Costa do Golfo abriga um dos últimos recifes de corais saudáveis e está rodeada de petróleopor Jesse Nichols para o Grist


Na categoria de vídeo, Jesse Nichols venceu com dois ótimos conteúdos explicativos. O primeiro explora uma enzima vegetal essencial que pesquisadores pretendem tornar mais eficaz. O segundo mostrou um recife de corais que sobrevive em meio a campos de perfuração petrolífera.

Nichols diz sentir que seu trabalho cutucou feridas porque revelou informações surpreendentes sobre assuntos que as pessoas acham que já sabem algo a respeito. Por exemplo, embora muitas pessoas estejam familiarizadas com a ideia básica da fotossíntese, elas podem não conhecer a enzima crucial, embora ineficaz, que comanda o processo. "O que eu estava buscando quando fiz essas matérias eram pautas sobre o uso da ciência para revelar coisas que de outra forma seriam invisíveis, numa espécie de série de reportagens orientadas pela curiosidade."

Encontrar personagens e arcos narrativos cativantes para ilustrar a ciência é o que a torna impressionante para o leitor médio, diz Nichols. Ele compara seu processo de reportagem sobre a enzima vegetal à seleção de elenco para um filme: o jornalista buscou cientistas que trabalham na área e avaliou quem seria um personagem empático ou interessante para ilustrar a questão.

Reportagem em áudio

O legado de Mila, por Sandra Kanthal e Natasha Loder para a BBC


Sandra Kanthal e Natasha Loder entrelaçaram de forma habilidosa uma história pessoal envolvente com ciência revolucionária em sua reportagem premiada sobre uma criança com uma doença rara cuja mãe encontra médicos dispostos a desenvolver um remédio personalizado para ela.

A história, de modo memorável e empático, relata a busca singular assumida pela mãe da paciente para salvar a vida da filha. "É a história de uma mãe lutando desesperadamente para salvar sua filha, algo que qualquer mãe ou pai no mundo consegue se identificar", diz Kanthal. Trabalhar com áudio também permitiu que Kanthal e Loder organizassem a narrativa e envolvessem os leitores de uma maneira poderosamente emotiva. 

Kanthal aconselha os colegas jornalistas a não simplesmente fazerem as pautas mais óbvias, e sim identificarem questões e fontes que pareçam particularmente notáveis, memoráveis ou até mesmo problemáticas. "Se algo lá no fundo da sua cabeça te diz que uma coisa é realmente interessante, então vá atrás dessa pauta e não necessariamente atrás do que todo mundo está indo", diz.


Foto por Egor Kamelev.