Jornalistas têm papel crítico em tempos de crise e mudança

por Warren Fernandez
Sep 30, 2022 em Temas especializados
Cameramen in grayscale

Vivemos em tempos confusos.

A guerra assola o coração da Europa, com uma batalha sem sentido que espera-se durar um longo inverno.

Como resultado, os preços de alimentos e combustíveis dispararam, pressagiando fome e adversidades, notavelmente para populações distantes do conflito. 

A escalada de tensões no Leste da Ásia em meio à rivalidade entre Estados Unidos e China faz de Taiwan um barril de pólvora que pode explodir em um grande confronto que ninguém deseja nem talvez seja capaz de controlar uma vez iniciado.

Neste contexto, a agitação em torno dos registros de extremos do clima — enchentes arrebatadoras, incêndios crepitantes e secas devastadoras — no mundo todo soam o alarme de que está ficando cada dia mais difícil lidar com a crise climática.

Não surpreende que as audiências digam que estão exaustas do noticiário. As pessoas estão ansiosas com os acontecimentos atuais e o rumo que eles possam vir a tomar.

Somam-se a este mal-estar as  fake news e a desinformação. Parte delas é disseminada deliberadamente, para persuadir a opinião pública, mas muita coisa também é compartilhada na inocência, até sem pensar, nas redes sociais. Mas limites para verificar o primeiro caso poderiam restringir interações legítimas.

Em tempos assim, o Dia Mundial da Notícia, celebrado em 28 de setembro, tem significância adicional. Nesta data, refletimos sobre como o jornalismo pode fazer a diferença e por que isso é importante.

Jornalistas em redações profissionais têm um papel vital a ser desempenhado em salvaguardar o bem-estar das comunidades às quais eles servem. Nossas democracias dependem de que eles façam isso com eficiência e com propósito.  

Qual a melhor forma de fazê-lo?

Na minha opinião, precisamos focar na entrega de informação, conhecimento e inspiração.

Informação de credibilidade — baseada em fatos, confiável e oportuna — permanece vital se quisermos ter debates racionais e sensatos sobre como lidar com os desafios que enfrentamos e descobrir os caminhos para seguir adiante. Embora todos tenhamos direito à nossa própria opinião, nós não temos direito aos nossos próprios fatos. Sem qualquer acordo, mesmo sobre fatos básicos, discussões democráticas se reduzem a uma cacofonia de declarações, em que "os melhores carecem de convicção enquanto os piores estão cheios de intensidade passional", como definiu Yeats. 

O jornalismo baseado em fatos requer o esforço minucioso de repórteres, verificação cruzada incansável e controle de qualidade dos editores, bem como análises e interpretações com autoridade feitas por comentaristas experientes.

Não é de se surpreender que nessa época de perplexidade, as audiências estejam em busca de vozes confiáveis, em quem possam se fiar para receber relatos confiáveis e comentários perspicazes. Vários estudos mostram que, além das notícias, as audiências dão valor a conteúdo explicativo, conteúdo breve que dá contexto e análises — seja online, em vídeo ou em newsletters.

Além disso, diante de ondas implacáveis de pessimismo, as pessoas também querem inspiração. Elas querem saber de soluções possíveis para os problemas, bem como sobre quem está se esforçando para resolvê-los. Também querem conteúdo que busca lançar luz sobre preocupações obscuras, e que dá voz a comunidades e assuntos que mais frequentemente são negligenciados ou ignorados.

Permita-me citar um exemplo: a série de vídeos "Invisible Asia", na qual meus colegas do The Straits Times lançam luz sobre as pessoas que vivem às sombras de suas sociedades, amplamente invisibilizadas e sem serem ouvidas.

Isso inclui os burakumin ou "intocáveis" no Japão, condenados ao ostracismo; as dificuldades enfrentadas por limpadores de esgoto na Índia moderna; o exército silencioso de trabalhadores imigrantes que fazem bicos na China, bem como o sentimento de isolamento enfrentado por noivas inocentes vindas do exterior para se casar com homens em Singapura.  

A série recebeu o prêmio principal de jornalismo investigativo em vídeo no Editor & Publisher EPPY Awards 2021.   

Muitos outros exemplos de como o jornalismo gerou impacto podem ser encontrados no site do Dia Mundial da Notícia. A velha máxima das redações, "mostre em vez de contar", se aplica aqui.

Em uma época do discurso Orwelliano ambíguo de "guerra-é-paz, liberdade-é-escravidão" e de desinformação desenfreada patrocinada pelo estado, parece adequado se voltar a esse sábio jornalístico, George Orwell, para se inspirar no Dia Mundial da Notícia.

Em um ensaio de 1964, "Por que eu escrevo", Orwell argumentou que toda escrita, mas talvez principalmente a jornalística, tem um propósito político, bem como uma missão de contar bem uma boa história.

As palavras dele soam verdade hoje. Ele escreveu: "meu ponto de partida sempre é um sentimento de apoio a uma causa, um sentimento de injustiça".

"Quando me sento para escrever um livro, eu não digo para mim mesmo 'eu vou produzir uma obra de arte'. Eu escrevo porque tem alguma mentira que quero expor, algum fato para o qual quero chamar atenção, e minha preocupação inicial é ser ouvido."

"Mas eu não poderia fazer o trabalho de escrever um livro, ou mesmo um artigo longo para uma revista, se não for também uma experiência estética... Eu não consigo, e não quero, abandonar completamente a visão de mundo que adquiri na infância. Desde que eu permaneça vivo e bem, eu vou continuar sentindo fortemente o estilo da prosa..."  

"O trabalho é reconciliar meus gostos e desgostos arraigados com as atividades essencialmente públicas e não individuais que esta época impõe a todos nós."

Assim o era, e assim continua sendo, principalmente nos dias de hoje.


Warren Fernandez é presidente do World Editors Forum, uma rede de editores da World Association of News Publishers, e também editor-chefe do The Straits Times em Singapura. 

Este artigo foi republicado para marcar o Dia Mundial da Notícia, celebrado em 28 de setembro.

World News Day é uma campanha global de redações para destacar o valor do jornalismo. É organizada pelo World Editors Forum da World Association of News Publishers (WAN-IFRA) em parceria com a Canadian Journalism Foundation.

Foto por Michael Fousert no Unsplash.