A desinformação é uma das ameaças mais significativas enfrentadas no mundo atualmente, de acordo com o Global Risks Report 2024 do Fórum Econômico Mundial. Na Índia, essa ameaça cresceu com as eleições no país neste ano.
Na maioria das vezes, as informações falsas na Índia se originam nas redes sociais; influenciadores, políticos e, principalmente, canais TV, ajudam a espalhá-la mais amplamente.
Particularmente, os canais especializados em notícias têm contribuído com a disseminação de desinformação, observa Pratik Sinha, cofundador da plataforma indiana de verificação de fatos Alt News, que ele criou em 2017 ao lado de Mohammed Zubair. "Os canais de TV destacam uma parte específica de uma história para que as pessoas não saibam o contexto completo e acabem desinformadas", diz.
Esse tipo de reportagem seletiva muitas vezes afeta comunidades marginalizadas. "A mídia televisiva tem desempenhado um papel enorme no aprofundamento de estereótipos ao contar meias verdades que miram em grupos minoritários específicos." Na prática, menos de 50% dos indianos contam com a televisão para se informarem.
A desinformação que circula na Índia não é apenas sobre política, mas também sobre saúde, grupos minoritários e outros assuntos. Durante o lockdown da COVID-19 em 2020, canais de TV indianos acusaram o movimento islâmico Tablighi Jama’at de espalhar o vírus. Nas redes sociais, a hashtag "#CoronaJihad" foi utilizada, rotulando muçulmanos como disseminadores do vírus.
Este ambiente fez com que jornalistas cidadãos e organizações de verificação de fatos intensificassem seus esforços para combater a desinformação. Saiba a seguir como eles estão fazendo isso.
Jornalistas cidadãos se mobilizam
Acompanhar o ritmo do grande volume de informações falsas pode ser desafiador para os esforços de verificação de fatos.
O jornalista cidadão Indrajeet Ghorpade vem travando sua luta contra a desinformação através de queixas formais. Ele viu a islamofobia alimentada pela TV disparar durante a COVID-19 e se sentiu impelido a agir, principalmente tendo em vista suas experiências como uma pessoa queer na Índia. "Eu tenho um senso profundo de solidariedade quando vejo outro grupo sendo perseguido e sujeito a tratamento semelhante", diz.
Ghorpade fez queixas à Autoridade de Radiodifusão e Padrões Digitais (NBDSA), órgão de autorregulamentação, que resultaram em multas, remoção de conteúdo e pedidos de retratação em 90% dos casos, segundo ele. Em 2021, Ghorpade recorreu ao Ministério de Informação e Radiodifusão (MIB) por causa de uma matéria do Marathi News que afirmava falsamente que a homossexualidade poderia ser tratada com naturopatia. Embora tenha levado mais de um ano, o canal acabou emitindo um pedido de desculpas após decisão da Suprema Corte de Déli, explica Ghorpade.
O jornalista independente Meer Faisal, por sua vez, faz matérias sobre o crescente nacionalismo hindu e a violência contra os muçulmanos. "Como jornalista muçulmano, o risco constante de ataques online e o medo de ser perseguido por autoridades fazem com que seja crucial pra mim a verificação de todos os detalhes", diz.
Faisal garante que cada informação que ele divulga é verificada de forma exaustiva. "Eu tenho fontes em campo que me ajudam a verificar a autenticidade de qualquer imagem ou vídeo que eu publico. Além disso, às vezes eu mesmo me desloco para verificar a informação ou uso ferramentas como a busca reversa de imagens do Google para verificação de autenticidade", diz.
Iniciativas de verificação de fatos
O Alt News, uma das principais plataformas de verificação de fatos da Índia, conta com sugestões enviadas por WhatsApp para identificar desinformação. Sinha explica que a iniciativa muitas vezes verifica conteúdo usando processos editoriais independentes, mas a realidade financeira da plataforma restringe seu alcance e sua capacidade de empreender ações legais. "Isso limita nosso funcionamento em termos do trabalho que gostaríamos de fazer", diz.
Para combater a desinformação mais amplamente, várias organizações estão colaborando entre si. Em março, a Misinformation Combat Alliance (MCA) lançou o Deepfakes Analysis Unit, que inclui um canal para que as pessoas possam enviar vídeos para verificação. A iniciativa é parte de um esforço maior da Meta e de parceiros do setor para diminuir a desinformação gerada por IA, com assistência em vários idiomas.
Desafios da verificação de fatos na Índia
Apesar do impacto das iniciativas de verificação de fatos e de jornalistas cidadãos como Ghorpade, os desafios persistem. Alguns canais, incluindo a Republic TV e a Sudarshan TV, criaram a News Broadcasters Federation (NBF), um órgão independente similar à NBDSA, porém mais alinhado com o partido Bharatiya Janata, atualmente no poder, de acordo com Ghorpade.
Diferentemente da NBDSA, a NBF não fornece datas de audiências para as queixas recebidas, dificultando a responsabilização dos canais que são membros da organização. Ghorpade também aponta o poder limitado da NBDSA para aplicar multas. "O órgão não pode multar um canal em mais de 200.000 rúpias, o que enfraquece sua eficácia", diz.
Ele acredita que quando organizações como a NBF fracassam na punição de canais envolvidos com a disseminação de desinformação, fica mais difícil responsabilizá-los, gerando um obstáculo a mais para a verificação de fatos na Índia.
Recomendações para jornalistas
Jornalistas que identificarem desinformação em canais afiliados à NBDSA podem submeter queixas até uma semana após o conteúdo ter sido exibido. Plataformas de verificação de fatos também oferecem guias úteis para cidadãos, aconselhando-os a identificar desinformação por meio de ferramentas como a busca reversa de imagens do Google e fazendo contato com especialistas ou autoridades locais quando necessário.
Com a Índia tendo que lidar com uma enxurrada de desinformação, os esforços de jornalistas cidadãos e verificadores de fatos são essenciais para combater essa ameaça crescente e promover a responsabilidade na mídia.
Foto por Pranav Nahata via Unsplash.