Jornalista do mês: Natalie Soysa

Nov 6, 2018 em Jornalista do mês
Natalie Soysa

A jornalista freelance Natalie Soysa não planejou a trajetória de sua carreira. Nascida no Sri Lanka, trabalhou em publicidade durante a guerra civil no Sri Lanka, observando o que estava acontecendo e desejando estar envolvida.

"Foi realmente frustrante não poder usar minha voz para fazer outra coisa senão vender pasta de dente", disse Soysa. "Então eu acabei desistindo da minha carreira [de publicidade]."

Um dia, ela trouxe sua câmera para um show de rock no final da guerra em seu país --uma decisão que mudaria sua vida para sempre. Inspirada pela maneira como esses artistas falaram sobre questões no país, ela começou a tirar fotos.

"É aí que minha jornada começou", ela disse, "tentando documentar as artes alternativas... porque estavam falando sobre tudo o que precisávamos falar."

Desde então, ela desenvolveu habilidades multimídia e encontrou sua voz como contadora de histórias. Enquanto o jornalismo musical ainda é uma de suas especialidades, o trabalho da Soysa se expandiu para cobrir questões sociais e políticas. Recentemente, ela tem se concentrado em reportagens de longo prazo, incluindo um projeto para a Royal Geographic Society sobre migrantes urbanos e outro para o Centro Internacional de Estudos Étnicos.

alt text

"Fizeram uma pesquisa de dois anos sobre oportunidades econômicas para as mulheres no Sri Lanka no pós-guerra... principalmente na parte norte do país", disse Soysa. “Percebi que você não pode trabalhar com economia isoladamente... Minha matéria acabou sendo uma captura totalmente holística desse contexto das mulheres no norte do Sri Lanka e o que realmente significava ser uma mulher no norte do Sri Lanka depois da guerra."

Seu tempo em publicidade se mostrou benéfico quando ela mudou de profissão e se tornou jornalista. Ela já tinha experiência em escrever, produzir vídeos e gerenciar recursos visuais. O resto, ela disse, ela prendeu como autodidata. Desenvolveu um processo de contar histórias, por exemplo, sozinha --ou com a ajuda de sites como a IJNet.

Um artigo, em particular, chamou sua atenção. Foi uma série de clipes de 10 minutos de fotojornalistas vencedores do Prêmio Pulitzer discutindo seus métodos de contar histórias.

“[Você tem] 10 processos e abordagens completamente diferentes para contar histórias, e isso foi realmente ótimo, porque embora [eu] não faça anotações e siga isso ponto a ponto, é bom saber como as outras pessoas pensam e trabalham”, disse ela.

A IJNet falou com Soysa sobre seu trabalho, seu processo de contar histórias, conselhos para jovens jornalistas e como os eventos recentes no Sri Lanka --incluindo uma crise constitucional-- podem afetar a vida dos jornalistas.

IJNet: Em quais projetos você trabalhou recentemente?

Soysa: Em janeiro passado, eu fiz um ano e meio de pesquisa antes de publicar um artigo sobre zoológicos humanos, e como o Sri Lanka foi impactado durante a era do zoológico humano. Eu acho que muito trabalho tem sido feito sobre o impacto na África --sobre o comércio de escravos, zoológicos humanos, shows malucos e como a própria África como um continente inteiro foi impactada. Menos matérias foram feitas sobre como os países asiáticos também foram impactados. Quanto mais pesquisas eu fazia, mais eu percebia que o Sri Lanka foi profundamente ligado à era do zoológico humano e, na verdade, um dos maiores produtores de zoológicos humanos tinha propriedades aqui onde eram realizadas exposições ao vivo antes de serem enviadas para zoológicos ao redor do mundo.

Histórias como essa fazem você questionar suas noções de identidade. Há cingaleses, por exemplo, que residem em comunidades pobres em todo o mundo que foram a esses países por meio de exibições de zoológicos humanos e acabaram ficando. Gerações depois, eles estão questionando suas próprias identidades, e essas são coisas realmente interessantes para explorar, porque o mundo em si mesmo está falando sobre a palavra migração --é uma palavra da moda-- e estamos olhando para isso como massas de pessoas em vez de personalizá-las.

Eu acho que é realmente importante humanizar essas histórias e não apenas falar sobre as histórias imediatas porque as pessoas migram pelo mundo há séculos. Em vez de falar sobre a crise atual, acho que é bom dar ao público uma noção mais ampla do que significa mudar do país do seu nascimento para outro lugar e o que isso significa para a sua identidade.

Natalie Soysa

Como é trabalhar no Sri Lanka como fotógrafa, jornalista e mulher?

A vida não tem sido agradável para os jornalistas no Sri Lanka, especialmente durante a guerra e os cinco a seis anos que se seguiram. É também devido ao nosso governo anterior. Jornalistas desapareceram, jornalistas foram mortos e presos, então quem quer que permaneceu não queria falar em voz alta depois de um tempo. Isso faz você viver com medo, e é exatamente isso que eles conseguiram fazer.

É uma época terrível para ser mulher no Sri Lanka. Apenas nos últimos dois anos, o nosso direito de comprar álcool foi questionado, e a maneira como as mulheres podem se vestir para pegar seus filhos depois da escola foi questionada.

Como você lida com esses desafios?

Eu fico muito brava. Acho que muito do meu trabalho vem da raiva, e talvez isso seja uma coisa boa. Em algum momento você se sente tão frustrada que nada está sendo feito, e você fica mais e mais irritada, até que um pouco de trabalho sai dessa raiva. Na maior parte é fotografia [para mim], mas às vezes é fotografia e escrita. Eu só sinto que a raiva precisa ser expressada de alguma forma, e meus pensamentos são mais claros quando eu a capturo como uma imagem.

Que conselho você tem para um jornalista jovem ou emergente?

Encontre sua história e encontre sua voz para contar, porque histórias podem ser contadas de 100 maneiras diferentes. Uma história tem que significar algo para você.

Para mim, não acho que posso escrever uma história sem me tornar parte dessa história. Encontrar sua identidade, mesmo como jornalista, também é muito importante.

Map image projected over body

 

O ambiente político no Sri Lanka mudou nas últimas duas semanas. Você pode dizer o que está vendo na rua e como espera que essas mudanças políticas afetem sua experiência como jornalista?

A situação política do Sri Lanka mudou imensamente. Uma mudança inconstitucional de governo e a prorrogação do parlamento deixou o país em frangalhos. A única diferença que vejo desta vez? As pessoas se recusam a viver com medo. A mídia e a sociedade civil continuam exercendo seu direito à liberdade de expressão, independentemente das consequências potencialmente perigosas que enfrentamos até três anos atrás. Acho que a necessidade agora é personalizar a conversa para aumentar a participação: muitas vezes estamos acostumados a associar os problemas às massas e prestar pouca atenção a histórias e motivações individuais.

É hora da participação cidadã de todas as ilhas para defender a nossa constituição. Acho, então, que é minha responsabilidade garantir que meu trabalho incentive mais pessoas a se envolverem em um processo democrático, lembrando às pessoas que nossa herança é interseccional e não o zeitgeist nacionalista dominante que estamos dizendo que é. Essa precisa ser nossa narrativa dominante, porque esta é a nossa verdade.

Esta entrevista foi editada por motivos de espaço e claridade.

Imagem cortesia de Natalie Soysa