Em 2023, em média, entre dois e três jornais locais encerraram as atividades nos Estados Unidos semanalmente, de acordo com pesquisadores da Faculdade de Jornalismo Medill da Universidade Northwestern.
O fechamento de veículos deixou em sua esteira cerca de 200 desertos de notícias somente no ano passado. Mais da metade de todos os condados no país têm hoje acesso limitado à informação local de confiança. Com a situação se deteriorando, mais danos há para a democracia.
Mas a rápida emergência da IA dá alguma esperança para a mídia local. Ela também traz uma série de desafios e incógnitas.
A seguir estão exemplos de como redações e jornalistas locais estão usando a IA para manterem seus negócios, bem como os medos em potencial que acompanham a integração dessa nova tecnologia ao trabalho.
Preservação de recursos
O repórter Dustin Dwyer e a emissora para a qual ele trabalha, a Michigan Radio, desenvolveu uma ferramenta gratuita de apuração de notícias chamada Minutes. Alimentada por IA, ela monitora a atividade de governos locais, encontra vídeos de reuniões de conselhos municipais publicados na internet e gera transcrições desses encontros.
"Tudo começou de uma necessidade que eu tinha no meu trabalho", diz Dwyer. "Eu tenho 15 cidades no meu entorno, os encontros dos conselhos municipais de cada uma podem ter duas horas de duração. Eu não posso parar para acompanhar cada reunião e esperar que algo importante aconteça para virar matéria. Eu precisava de um jeito mais rápido de descobrir o que acontece nesses encontros."
A ferramenta Minutes coleta transcrições em mais de 100 localidades em sete estados dos EUA, e os documentos são armazenados em uma base de dados online. A ferramenta pode enviar aos jornalistas alertas por email sobre a disponibilidade de transcrições relacionadas a palavras-chave ou assuntos específicos.
"Ela funciona muito bem", diz Dwyer. Recentemente, ele vem tentando fazer com que a plataforma gere resumos para que os repórteres passem menos tempo lendo as transcrições para ter ideias de pauta. "Nós certamente conseguiríamos pautas em todos os materiais. Algumas pautas nós não conseguiríamos descobrir de outra forma."
A IA pode economizar tempo e dinheiro de mídias locais que estão sob forte pressão, acrescenta Joy Jenkins, professora assistente de estudos de jornalismo na Faculdade de Jornalismo do Missouri. "Eu acho que a IA pode ser uma peça que vai resolver o quebra-cabeça."
Conexão com a audiência
A IA também pode ajudar as redações a identificarem como fazer conteúdo mais relevante para seus leitores e atrair audiências mais jovens.
Um exemplo disso é o JAMES, "mordomo digital" do The Times e do The Sunday Times. O JAMES pode ser usado para personalizar a distribuição de newsletters a partir do aprendizado sobre o comportamento e preferências dos leitores. Ao personalizar o conteúdo, o The Times e o The Sunday Times conseguiram reduzir a taxa de cancelamento de assinatura de suas newsletters.
"É uma grande oportunidade. A IA pode ajudar redações locais a se reconectarem ou se conectarem de alguma forma com as comunidades", diz Jenkins. Em última análise, isso pode ajudar a gerar mais receita publicitária.
A IA tem um potencial imenso; novas tecnologias já podem ajudar jornalistas a retrabalhar textos para diferentes audiências, adaptá-los para certas plataformas de redes sociais, fazer traduções, transformar reportagens em versões de áudio ou vídeo e muito mais.
No entanto, as promessas da IA também levantam questões sobre seu uso no jornalismo.
Entre esperanças e medos
Em janeiro de 2023, o Fórum Econômico Mundial avaliou que as consequências negativas da IA representam uma das dez ameaças mais críticas à humanidade na próxima década.
"Muitas discussões e preocupações em relação à IA são sobre ela ser antiética", diz Jenkins. "Eu acho que é como qualquer transformação que já aconteceu no jornalismo. Como que isso é diferente da tecnologia que conhecíamos antes? É mais uma questão sobre como a utilizamos a nosso favor."
O que preocupa muitos veículos são os riscos de desinformação que podem aumentar com a IA, e a possibilidade de que a tecnologia possa substituir jornalistas humanos em uma indústria que já está em crise.
"A questão sobre a substituição sempre surge quando falamos sobre automação de tarefas, mas não é certo que isso vá resultar em perdas de empregos", diz Vincent Berthier, chefe do setor de tecnologia da Repórteres Sem Fronteiras. Matérias sobre esportes geradas inteiramente por IA, e veículos que só compartilham ou dependem de conteúdo sintético – conhecidos como "redações fantasma" – ajudam a alimentar esses medos.
A IA também levanta questões sobre a veracidade da informação. Para funcionar, a IA precisa de uma quantidade significativa de dados, o que pode ser difícil de encontrar em comunidades menores, e em contrapartida isso afeta a qualidade dos resultados gerados.
"O que sempre é importante para nós é que os jornalistas produzam a informação, independentemente das ferramentas que eles usam. O que importa é que a informação seja confiável e certificada por jornalistas uma vez que se torne pública", diz Berthier.
Direitos autorais são outro problema que precisará ser tratado. As empresas de tecnologia vão pedir permissão ou compensar financeiramente as publicações por usarem seu conteúdo para treinar seus modelos? O The New York Times, por exemplo, abriu recentemente um processo contra a OpenAI e a Microsoft a esse respeito, argumentando que a IA generativa é "um modelo de negócios baseado na violação massiva de direitos autorais".
Apesar desses desafios e incógnitas, a IA pode ajudar redações locais a manterem seu negócio ativo nos dias de hoje e melhorar sua cobertura – se for bem usada. "Com as próximas eleições, a IA pode ser usada pela mídia local para oferecer perspectivas e ângulos específicos à sua audiência local e, em última análise, se reconectar com essa função democrática clássica da informação local", diz Jenkins.
Imagem: Rick Payne e equipe / Better Images of AI / Ai is... Banner / CC-BY 4.0.