Desde o seu lançamento, em 2002, o jornal Khabar Lahariya vem treinando e empoderando mulheres na Índia para cobrirem temas que lançam luz sobre problemas pouco abordados pelos grandes veículos de mídia do país.
Há duas décadas, a organização jornalística composta exclusivamente por mulheres e criada pela jornalista Shalini Joshi, ex-bolsista do ICFJ, segue bravamente com sua cobertura em meio a desafios impostos à mídia indiana, como disrupção tecnológica e turbulências na política nacional.
No fim de 2021, a Khabar Lahariya foi tema do documentário indicado ao Oscar “Escrevendo com Fogo”, que destaca as condições sob as quais vários veículos jornalísticos precisam enfrentar para realizar seu trabalho.
Eu conversei com Joshi sobre o documentário, o futuro da Khabar Lahariya e sobre como a bolsa no ICFJ influenciou sua carreira. Joshi também fez uma crítica construtiva ao filme e ao que ele aborda, observando que o documentário destaca apenas o trabalho da Khabar Lahariya em uma única pauta, negligenciando uma representação do veículo para além deste evento.
O que você deseja que o público extraia do documentário?
“Escrevendo com Fogo” acompanha a Khabar Lahariya em uma época na qual a redação estava em transição do impresso para o digital. O filme é um registro tocante e poderoso — ele mostra partes do trabalho da Khabar Lahariya e destaca a coragem e perseverança de mulheres jornalistas.
Eu fico feliz pelo filme levantar questões relacionadas ao jornalismo local e comunitário, mas a representação da Khabar Lahariya como uma organização com um foco particular e intenso em cobrir um partido e a mobilização em torno disso é inexata.
Nós reconhecemos que um Oscar para “Escrevendo com Fogo” trouxe atenção internacional para o trabalho da Khabar Lahariya, enquanto uma mídia independente e rural.
O que esperamos é que a indicação ao Oscar e essa atenção se convertam em oportunidades e solidariedade tangíveis, segurança para mulheres jornalistas comunitárias e debates sobre a política de representatividade nas redações do mundo comandadas por pessoas vistas como marginalizadas.
O que te inspirou a criar a Khabar Lahariya?
Foram três motivos que ainda são a base do jornalismo e da equipe da Khabar Lahariya:
- Produzir conteúdo local e independente: matérias locais não tratavam nada mais além de inaugurações, acidentes e assassinatos. Passamos muitos anos lendo e criticando essas matérias e então, em 2002, decidimos fazer algo a respeito.
- Trazer um tom feminista para a mídia local: houve um debate acalorado em uma reunição [de pauta] no início da Khabar Lahariya que desencadeou uma discussão sobre o que significa ser feminista. Precisava ser mais profundo que apenas retratar mulheres com um ângulo positivo. Tinha que ser sobre tratar do uso e abuso de poder por pessoas, instituições e sistemas.
- Estabelecer mulheres como jornalistas em pequenas cidades e vilarejos: isso começou a romper com o bastião masculino da forma mais forte possível. Era um coletivo comprometido em capacitar e firmar mulheres como repórteres, editoras, designers, fotógrafas e tudo o que o [governo local] jamais poderia imaginar.
Como a sua bolsa no ICFJ te impactou como jornalista e profissional?
A bolsa do programa TruthBuzz do ICFJ me ajudou a entender a desinformação dentro do contexto da Índia. Ela me deu a oportunidade de conhecer especialistas que lidam com a desinformação — verificadores de fatos, pesquisadores, profissionais e tecnologistas. Participar de eventos e conferências foi uma experiência enriquecedora e tudo isso me ajudou a desenvolver programas criativos para monitorar e tratar a desinformação relacionada à política, saúde e outros problemas atuais.
Eu também pude contribuir com treinamentos em verificação de fatos para outros jornalistas e estudantes na Índia. Através do meu trabalho atual na Meedan, uma organização global sem fins lucrativos de tecnologia, eu atuo com verificadores e fatos e grupos da sociedade civil em diferentes países que estão combatendo a desinformação de diferentes formas.
Em que estágio a Khabar Lahariya está atualmente? Onde você espera que ela esteja nos próximos 10 anos?
A Khabar Laharyia vai completar 20 anos este ano! Tenho muito orgulho da nossa trajetória como uma redação independente, local e feminista na Índia. Foi a primeira redação a cobrir pautas diárias de pessoas comuns em áreas completamente fora do radar da mídia. Nos 20 anos da Khabar Laharyia, a redação continua sendo a única redação independente de cobertura rural ética comandada por mulheres.
O jornalismo imparcial e bipartidário tem sido um valor fundamental para a Khabar Lahariya. A inclusão de perspectivas e pontos de vista políticos diversos tem sido uma razão essencial para a nossa sobrevivência e crescimento. Espero que a equipe da Khabar Lahariya continue fortalecendo os valores que são o alicerce do veículo e adapte o seu trabalho no contexto de rápidas mudanças do ecossistema de mídia na próxima década e além.
Este artigo foi resumido e editado para mais clareza.
Fotos cedidas pela Khabar Lahariya.