Inundações na Espanha enfatizam apelo da desinformação durante desastres naturais

Dec 12, 2024 em Combate à desinformação
Traffic light sign half submerged in water during a flood

Informações falsas circularam amplamente após as inundações devastadoras que mataram pelo menos 230 pessoas próximo a Valência, na Espanha, em outubro.

"Nunca vimos na Espanha nada parecido com essa torrente de desinformação e teorias da conspiração", diz Ximena Villagrán, diretora de operações no Maldita, organização de verificação de fatos espanhola.

O Maldita identificou pelo menos 112 tópicos de desinformação relacionados às inundações. Alegações falsas espalharam que a tecnologia do Programa de Investigação de Aurora Ativa de Alta Frequência (HAARP na sigla em inglês) foi responsável pelas inundações. Também circulou um número de telefone de emergência que revelou-se ser um golpe, além de um rumor segundo o qual centenas de corpos foram encontrados e posteriormente escondidos por autoridades em estacionamentos subterrâneos de shoppings.

Em meio ao pior desastre natural da história da Espanha, informações falsas geraram mais confusão e fúria entre as pessoas afetadas, muitas das quais já se sentiam abandonadas. "Situações de emergência são particularm`ente vulneráveis à desinformação", diz Matthew Baum, professor da Universidade Harvard que estuda desinformação. "É difícil discernir informações imediatamente após o ocorrido, então isso deixa o campo informativo bastante aberto para que rumores de variados tipos surjam e rapidamente se espalhem, sem ninguém disponível ou acessível para contê-los."

Influenciadores e figuras públicas espanholas, como Georgina Rodriguez, esposa do jogador Cristiano Ronaldo, também participaram na amplificação de desinformação relacionada às enchentes. Ela compartilhou um vídeo com seus mais de 64 milhões de seguidores no Instagram que alegava que roupas doadas às vítimas estavam na verdade sendo jogadas no lixo. A informação era falsa. "Georgina é a mulher na Espanha com mais seguidores no Instagram. O vídeo foi derrubado em duas horas", diz Villagrán. 

Carlos Elías, professor de jornalismo na Universidade Carlos III de Madrid, faz coro à preocupação. "O que é perigoso é que as pessoas não veem mais diferença entre jornalistas reais, que têm um código de ética, e outras pessoas, que às vezes têm mais seguidores que a mídia tradicional e que podem divulgar todo tipo de coisa", diz.

Motivações por trás da desinformação

Poucos dias após as inundações, começou a viralizar um vídeo mostrando uma fila de viaturas da polícia com uma locução dizendo que aquela era a equipe do rei espanhol Felipe VI, ou em outros casos do primeiro-ministro Pedro Sanchez, que estavam visitando Paiporta, uma das cidades mais afetadas. "O rei está sendo escoltado porque, do contrário, vão comê-lo vivo", pode-se ouvir no vídeo, que alimentou uma narrativa segundo a qual as autoridades locais estavam mais determinadas a escoltar o rei do que ajudar as pessoas. 

Mas, na realidade, o vídeo mostra reforço policial — e não guarda-costas do rei — chegando para ajudar as vítimas da inundação. No mesmo dia, durante a visita de fato do rei a Paiporta, ele foi recebido com insultos e arremesso de lama.

O Maldita identificou que a Rússia estava por trás dessa campanha de desinformação. "Nós começamos a analisar cada canal e conta de diferentes idiomas onde este vídeo estava sendo publicado e finalmente chegamos à Rússia. A distribuição inicial foi feita via canais Pravda e sites ligados a campanhas de propaganda russa", explica Villagrán. O Observatório Europeu de Mídia Digital considera o Pravda, que opera sites em várias línguas, uma rede russa de desinformação.

De acordo com o Maldita, o objetivo era claro: desestabilizar o país, explorando a fúria das vítimas em relação às autoridades. "A ideia por trás disso era dizer: 'olha, o seu rei e a sua democracia não funcionam'. A democracia era o alvo na verdade. A Rússia quer destruir tudo em que confiamos, incluindo a ideia Ocidental de democracia", explica Villagrán. Ela acrescenta que organizações de verificação de fatos da Europa Oriental já observaram o fenômeno.

As razões por trás da desinformação também podem ser o ganho político. "Algumas pessoas buscam explorar desastres naturais por razões políticas. Nós vimos isso recentemente nos EUA logo após o Furacão Helene, quando foram espalhadas uma variedade de histórias falsas na Carolina do Norte", diz Baum. "Os objetivos políticos partidários ficaram muito claros, especialmente tendo em vista a proximidade do furacão com as eleições."

Futuro preocupante

Um estudo do Maldita descobriu que plataformas online não tomaram medidas o bastante durante a grande onda de informações falsas sobre as inundações. Sinalizações indicando que o conteúdo não era verificado, enganoso ou gerado por IA foram praticamente inexistentes ou difíceis de aplicar em grupos de WhatsApp e no Telegram, Facebook e Instagram.   

Desastres naturais prestam-se à desinformação e teorias da conspiração, e agentes maliciosos tiram proveito disso.

"No X, nós percebemos que a maior parte do conteúdo viral e desinformação vinha de contas com o selo do Twitter. Isso significa que elas estão monetizando, portanto sendo pagas para publicar desinformação", explica Villagrán. 

Com a eleição de Donald Trump nos EUA, e com Elon Musk sendo parte de sua equipe principal, especialistas temem que informações falsas se disseminem ainda mais, principalmente aquelas sobre eventos relacionados ao clima. "Nós já vimos uma explosão desse tipo de desinformação e eu não espero que ele diminua no curto prazo", diz Baum. "Na verdade, provavelmente vai piorar com os céticos do clima ganhando poder, dando a eles um palanque maior, por assim dizer."

Com mais pessoas na Espanha desconfiando das notícias em vez de confiando, especialistas defendem uma melhor educação sobre a mídia. "Esse é o mundo no qual vivemos agora", diz Elías. "Nós precisamos aprender desde cedo a verificar fontes e não acreditar em qualquer pessoa nas redes sociais que talvez esteja mais interessada em fazer propaganda do que na verdade."

Levando em consideração o alcance que influenciadores têm com o público nos dias de hoje, autoridades deveriam trabalhar em conjunto com eles em tempos de crise, como fizeram durante a pandemia. "As autoridades deveriam considerá-los mais e compartilhar informações com eles, porque os influenciadores geram hoje muita confiança em sua audiência. Isso poderia evitar esse tipo de situação", conclui.


Foto por Kelly Sikkema via Unsplash.