Equidade de gênero é componente chave do jornalismo ético

por Hannah Storm
Apr 29, 2019 em Diversidade e Inclusão
Equidade de gênero

As mulheres representam quase metade da população global. No entanto, se você olhar para a composição de redações ou reportagens, pode pensar que essa proporção está errada.

O jornalismo ético é baseado na humanidade, construído com transparência e avança o trabalho que é responsável.

Não podemos ter um jornalismo verdadeiramente ético até que o gênero esteja na pauta de maneira justa e sensível nas práticas das redações: seja nas pessoas que contratamos, mantemos e promovemos ou no trabalho que produzimos.

Gênero não é apenas um problema das mulheres. Todos nós nos beneficiamos se rejeitarmos estereótipos, clichês e preconceitos danosos.

Todos nós ganhamos com maior equilíbrio e contexto, e se ampliarmos as vozes e experiências de comunidades vulneráveis ​​que tradicionalmente têm sido marginalizadas.

Em minha nova função na Rede de Jornalismo Ético, espero poder apoiar nossos parceiros em todos os lugares para incutir considerações éticas de gênero em suas reportagens de notícias e redações e reconhecer os papéis que podem desempenhar para moldar positivamente o discurso público.

A mudança não pode e não vai acontecer da noite para o dia. Mas precisa acontecer mais rápido do que tem acontecido.

Em 2015, o Projeto de Monitoramento da Mídia Global avisou que “o progresso em direção à igualdade entre mulheres e homens na mídia de notícias praticamente parou”.

O GMMP é realizado durante um dia a cada cinco anos.

Nos 114 países analisados ​​em seu último estudo, as mulheres representaram 24% das pessoas ouvidas, lidas ou vistas nos jornais, na televisão e no noticiário de rádio. O número ficou inalterado em relação a 2010. O panorama não era muito melhor online, com mulheres representando 26% das pessoas em notícias da internet e tuites de notícias da mídia juntas.

O número de mulheres que fizeram reportagens foi inferior a dois de cada cinco: o mesmo que em 2005.

Será interessante ver se os números de 2020 serão diferentes. O movimento #MeToo aumentou a conscientização sobre a necessidade de mais sensibilidade de gênero em todas as áreas, mas não creio que tivemos a mudança radical necessária.

A International Women’s Media Foundation tem vários projetos pioneiros para apoiar mulheres jornalistas. Alguns  programas surgiram com um enfoque específico de gênero, como o The 51 Percent da France 24.

Outside Source da BBC assegura que pelo menos 50% de seus especialistas sejam mulheres, algo que garante por meio do automonitoramento. Na Polônia, o Newsmavens reúne notícias de toda a Europa e reformula-as sob a perspectiva de mulheres jornalistas.

No final de 2017, o Wall Street Journal anunciou um esforço para diminuir a desigualdade de gênero no jornal. Vários anos atrás, a agência Bloomberg iniciou uma estratégia que agora inclui políticas favoráveis ​​à família, um programa de orientação, treinamento de mídia para mulheres executivas em diferentes setores e um índice que mede a igualdade de gênero para mais de 100 empresas.

Mas, apesar desses e de vários outros esforços, estereótipos ultrapassados ​​continuam a ser perpetrados, muitas vezes com foco na aparência ou nas associações das mulheres, em vez de suas capacidades ou realizações.

Este é particularmente o caso quando as mulheres alcançam posições de influência nas indústrias dominadas pelos homens.

Em agosto de 2015, a Associated Press publicou um tuite, ligado a um artigo sobre o julgamento de jornalistas da Al Jazeera no Egito, que dizia: “Amal Clooney, esposa do ator, representa o jornalista da Al-Jazeera acusado no Egito de ligações com extremistas”. Mais tarde, o tuite foi excluído, mas não antes de implicar que uma das advogadas de direitos humanos internacionais mais bem-sucedidas do mundo só fazia notícia por causa de seu marido.

Em janeiro, Nancy Pelosi, a política eleita no mais alto escalão na história dos Estados Unidos, retomou o cargo de presidente da Câmara dos Representantes. O New York Times tuitou uma fotografia com a legenda: "Nancy Pelosi, usando um vestido rosa choque, subiu à plataforma de mármore". Mais tarde, o tuite foi excluído, com o jornal chamando-o de "mal estruturado".

Não é apenas a aparência ou a associação que implica que as conquistas de algumas mulheres são uma aberração. É comum ler expressões humilhantes com conotações de gênero, como "histérica", "agressiva", "mandona", "birrenta". Para mulheres de cor ou que pertencem a outras comunidades marginalizadas, geralmente é pior. A linguagem estereotipada é dirigida contra os homens também e pode ser tão prejudicial em termos de reforçar os estereótipos, especialmente para os homens de cor.

Esta linguagem --rotulagem, a dependência de tropos e estereótipos-- é um jornalismo preguiçoso e pode ter um efeito significativo na percepção pública e nos indivíduos envolvidos. Este é particularmente o caso na cobertura da violência baseada no gênero.

Como sobrevivente de agressão sexual, tenho trabalhado para ajudar jornalistas a entender os danos causados ​​pela perpetuação de estereótipos, pela falta de contexto ou pelo uso de linguagem e imagens inadequadas. Espero poder desenvolver este trabalho ainda mais na EJN.

Muitas vezes, a mídia molda a narrativa como se o abuso fosse culpa do indivíduo afetado. Sobreviventes são abordados, identificados, retratados e entrevistados sem considerar o padrão, o contexto ou a escala da violência sexual. Muitas vezes, a linguagem constrói o perpetrador como um monstro e não um humano que escolheu cometer um crime, e descreve o abuso com eufemismos que se aplicam ao sexo consensual e não um ato que é, em vez disso, um abuso de poder. Muitas vezes há perguntas sobre por que as pessoas ficam em silêncio por anos, apenas para serem objetivadas e desacreditadas se forem corajosas o suficiente para compartilhar sua história.

É tão importante que, como jornalistas, saibamos reportar com ética sobre uma questão tão relevante e sensível quanto a violência baseada no gênero.

Se quisermos mudar a forma como a mídia relata sobre as mulheres e as questões que são importantes para elas, não podemos ignorar a composição das redações na Europa e na América do Norte, e os preconceitos inconscientes e conscientes mantidos por uma indústria que é sistematicamente masculina, branca e privilegiada.

Enquanto as mulheres muitas vezes não têm outros modelos femininos e o apoio necessário para romper o teto de vidro, o caminho para a progressão está realmente quebrado.

Na maioria das vezes, as mulheres tendem a ser mais vulneráveis, menos prováveis de dar ordens e mais propensas a estarem expostas a abusos de poder, tanto na redação quanto na rua.

Em minha função anterior no International News Safety Institute, muitas vezes ouvi de homens sobre os riscos extras enfrentados por mulheres em ambientes hostis, em vez de as perspectivas extras que elas poderiam trazer. Mas, infelizmente, as mulheres ainda são consideradas o problema e não a solução.

Já ouvi histórias de mulheres sendo tiradas de reportagens porque seus colegas do sexo masculino não eram confiáveis ​​ou porque eram corajosas o suficiente para falar sobre suas experiências de assédio e editores bem-intencionados achavam que elas não seriam capazes de cobrir o mesmo tipo de matéria novamente.

As mulheres enfrentam uma maior probabilidade de abuso do que os homens.

Mas isso não significa que elas não devam fazer reportagens. Longe disso.

Sem mulheres, não temos as vozes que representam metade da população mundial. Quando essas vozes são silenciadas, há um efeito significativo.

Uma das mais atuais ameaças às mulheres jornalistas é o assédio online. Elas são muito mais propensas a serem atacadas online do que seus colegas do sexo masculino e, quando são, isso é muitas vezes sexualizado. Isso tem o seu preço, especialmente porque o abuso geralmente acontece quando as mulheres são mais vulneráveis, como no início da manhã, quando ligam seus telefones. Conheço muitas mulheres que agora se autocensuram, enquanto outras estão considerando abandonar o jornalismo.

O melhor e mais bem sucedido jornalismo ético compreende a importância da colaboração e amplificação. O volume de cem vozes ressoa mais que um grito solitário.

Até que as mulheres sejam valorizadas da mesma maneira que os homens são, não pode haver igualdade, seja na redação ou nas palavras e imagens que usamos para quebrar estereótipos e refletir verdadeiramente as comunidades que servimos. E até que esse seja o caso, eu realmente acredito que não podemos realmente nos chamar de éticos, não importa qual seja o nosso gênero.


Este artigo foi originalmente publicado pela Ethical Journalism Network como parte de sua publicação anual, "Salvando as notícias: Ética e a luta pelo futuro do jornalismo". Leia mais sobre a publicação na IJNet. Foi republicado na IJNet com permissão.

Hannah Storm é a nova diretora e presidente da Ethical Journalism Network desde abril de 2019. Storm ingressou no International News Safety Institute (INSI) em 2010, tornando-se diretora em 2012. Antes de ingressar na INSI, Storm passou mais de uma década trabalhando como jornalista de televisão e rádio, online e imprensa para organizações como a BBC, The Times, Reuters e ITN, e a Oxfam.

Imagem sob licença CC Unsplash via Tim Mossholder.