O jornalista deve ter mais empatia com as vítimas? Qual a importância dos detalhes dolorosos nas histórias de violência contra os direitos humanos? O que fazer quando há muito envolvimento emocional com uma matéria? A gerente de projetos e diretora da Academia Prodavinci, Mariengracia Chirinos, jornalista venezuelana com mais de 14 anos de experiência em direitos humanos e liberdade de expressão, abordou os desafios e oportunidades do jornalismo na hora de cobrir estes temas em um webinar realizado recentemente pelo Fórum Pamela Howard de Reportagem de Crise do ICFJ.
Na conversa virtual, Chirinos deu uma série de conselhos e exemplos concretos de boas práticas jornalísticas na abordagem dos direitos humanos. Confira algumas das dicas que jornalistas devem levar em conta:
Estudar a legislação do país: deve-se entender a legislação nacional. Antes de determinar as ideias iniciais de uma matéria, é importante se familiarizar com o marco teórico e os princípios de direitos humanos. Qual é a lei nacional que não está sendo cumprida e pode servir de inspiração?
Definir um foco: apresentar temais gerais pode gerar pouca profundidade ou a necessidade de muitos recursos e investigações que podem levar anos. Mas ao analisar casos particulares, ou uma história que chega até nós, é possível que haja uma relação com direitos humanos. É melhor abordar o caso de uma mulher em El Salvador que foi proibida de abortar do que trabalhar um mapa de direitos humanos na Venezuela. Quanto mais o tema for delimitado, mais se pode aprofundar com sucesso. Além disso, quando se trata de casos que transcendem o tempo, não importa que seja tarde demais: a distância pode permitir um olhar sem paixão que produz um enfoque mais assertivo.
Mitigar riscos: a apuração e o planejamento são fundamentais especialmente em trabalhos sobre direitos humanos. Os jornalistas precisam fazer uma análise das capacidades, fraquezas, ameaças e riscos potenciais que podem ocorrer no processo de investigação e de reportagem. Eles devem também ter uma lista muito clara de quem pode interferir: aliados, oponentes, ativistas, pessoas neutras, etc. Além disso, antes de entrar em um terreno desconhecido, é recomendável estabelecer contato com as pessoas da comunidade que podem ajudar a minimizar riscos e não "cair de paraquedas". "Muitas vezes, queremos contar histórias em que provavelmente chegamos com cara de turista, e a reação vai ser adversa", comentou Chirinos.
Empatia e sensibilidade: a narrativa deve ser respeitosa e sensível, sem repetir estereótipos nem rótulos. "Deve-se colocar a dignidade das pessoas acima de qualquer história que queiramos contar", aconselhou a jornalista venezuelana. "É preciso entender os processos de luto das vítimas. Às vezes, as estratégias dos advogados vão contra o tempo do jornalismo. O foco em direitos humanos nos convida a ir mais devagar e guardar mais silêncios", acrescentou.
Não revitimizar: evite abordagens e narrativas que exponham as pessoas a mais dor ou a situações que representem riscos para elas e para seus círculos familiares ou de trabalho. "Há detalhes que podem ser desnecessários. Ainda que sejam muito atraentes para a matéria, poderíamos estar causando mais dano", comentou Chirinos.
Apontar responsabilidades estatais e manter distância: os direitos humanos não são dádivas, nem favores ou concessões. Os estados têm obrigações com acordos internacionais e isso precisa ser sinalizado. O jornalismo não deve assumir as responsabilidades que são da vítima, da sociedade civil ou do Estado. Nem representantes das vítimas, porta-vozes da polícia ou inimigos dos criminosos. "Há casos em que os jornalistas se casam com a matéria e querem desempenhar o papel das vítimas, ou o papel de litígio e defesa. Isso cabe às organizações da sociedade civil, não ao jornalismo." Chirinos também aconselha que, caso haja envolvimento emocional com uma matéria, o melhor é ter a companhia de outra pessoa ou colega para manter o equilíbrio.
Proteger as fontes: deve-se respeitar os acordos feitos com as famílias e com as vítimas. "Às vezes, nós os abordamos em situação de muita vulnerabilidade. Essas pessoas se abrem para nos dar um depoimento, mas depois de alguns dias pedem para não contar a história. Apesar de o jornalismo existir para contar essas histórias e ter essa independência, devemos saber respeitar essa vontade das vítimas de saber quando e como contar, especialmente para não atrapalhar processos legais em curso", explicou Chirinos.
Em sua apresentação, a jornalista venezuelana recomendou as reportagens abaixo como exemplo de boas práticas jornalísticas com foco em direitos humanos:
- Museu Entre Rios, uma investigação sobre assassinatos e desaparecimentos na Colômbia
- O caso emblemático de Beatriz, a mulher a quem El Salvador proibiu um aborto há dez anos, mesmo a gravidez sendo inviável
- Filhos migrantes, inocência desalojada, os relatos de crianças que fogem de seu país e enfrentam situações adversas
- Poços de silêncio, os desaparecidos na busca de El Dorado
- Filhos da mina, histórias de crianças menores de dois anos deixadas para trás por mães que vão trabalhar nas minas de ouro no sul da Venezuela
Você pode ver o webinar completo abaixo:
Imagem por Hanna Zhyhar via Unsplash.