Dicas e recursos para cobrir o conflito Israel-Gaza

por IJNet
Oct 16, 2023 em Reportagem de crise
Map of Gaza

O mundo está com os olhos voltados para Israel e Gaza desde os ataques feitos pelo Hamas em 7 de outubro que mataram mais de 1.300 pessoas em Israel até a redação deste artigo. Acredita-se que o Hamas esteja mantendo no momento cerca de 100 a 150 reféns em Gaza.

Desde então, Israel iniciou uma campanha de bombardeios em Gaza, matando pelo menos 1.900 pessoas, e uma invasão por terra parece iminente. O conflito imediato está longe de estar resolvido.

Muitas informações estão sendo compartilhadas online e os ânimos estão exaltados, o que é compreensível. Todo mundo também parece ter uma opinião, se as suas redes sociais estiverem como as nossas. Infelizmente, as redes estão menos preparadas do que nunca para lidar com todo o conteúdo que está circulando.

Na condição de jornalistas, por onde começamos para cobrir o conflito com ética e precisão? A seguir estão algumas dicas e recursos que podem ajudar:

(1) Informe os fatos – depois de verificá-los

Forneça aos seus leitores fatos e dados que você tenha examinado e verificado. Deixe claro também que esses fatos e dados vão mudar. A extensão dos ataques do Hamas no dia 7 de outubro ainda está sendo compreendida, e a operação militar de Israel em Gaza parece estar apenas em seu estágio inicial. 

Por exemplo, os ataques do Hamas teriam matado pelo menos 1.300 pessoas e ferido outras 3.300. O Hamas mantém entre 100 e 150 reféns. As vítimas incluem crianças e idosos. Isso é o que foi confirmado até a publicação deste artigo e os dados podem mudar com o surgimento de mais detalhes.

Os ataques de Israel em Gaza após os ataques do Hamas teriam matado pelo menos 1.900 pessoas, dentre elas 614 crianças, e ferido outras 7.696.

No dia 12 de outubro, Israel ordenou que mais de 1 milhão de palestinos evacuassem o norte de Gaza dentro de 24 horas, gerando especulações de que uma invasão por terra começaria em breve. Mais de 400.000 palestinos já foram deslocados na última rodada de ataques, de acordo com a ONU. A organização alerta para um desastre humanitário em Gaza.

Ao realizar sua cobertura, confirme as fontes oficiais e atribua os fatos e dados.

Os recursos abaixo estão sendo atualizados regularmente com informações sobre o conflito:

(2) Cuidado com desinformação. Consuma mídia com um olhar crítico

A desinformação se espalha durante crises em níveis alarmantes, principalmente nas redes sociais. Independentemente da plataforma de sua escolha – X, Facebook, Instagram, TikTok, WhatsApp, Telegram e por aí vai – você vai se deparar com conteúdo falso.

Em busca de alguma notícia positiva, as pessoas podem postar ou repostas informações que gostariam que fosse verdade, mas não é. Outras mais maliciosas vão buscar manipular as pessoas online de propósito para promover seus próprios objetivos. Todo mundo tem uma opinião, esteja bem informado ou não.

Tenha cuidado para não dar destaque involuntariamente a alegações falsas. Esteja ciente da crescente sofisticação do conteúdo multimídia fabricado. Imagens manipuladas, áudios falsos e deepfakes, dentre outros, estão circulando.

Ao consumir a cobertura da mídia, há vários fatores para se ter em conta. Considere, por exemplo, o veículo, o autor, as fontes usadas na reportagem e a data de publicação. Quando houver dúvida – ou mesmo quando houver excesso de confiança – cruze as informações que chegarem até você com outras fontes confiáveis. Considere o que fontes oficiais, como a ONU, estão dizendo quando se trata do número de mortos, deslocados ou afetados de alguma outra forma pelo conflito.

(3) Reconheça as perdas humanas e o trauma 

Jornalistas devem informar sobre a retórica e ações dos principais atores deste conflito – o governo israelense e o Hamas – bem como os interesses geopolíticos. Porém, focar somente nos atores de alto escalão traz o risco de simplificar demais o conflito e de racionalizar ou ignorar as mortes e o trauma da população civil israelense e palestina. 

Ao informar sobre os principais dados, jornalistas devem tomar cuidado para não reduzir as baixas civis a apenas números. Isso pode dessensibilizar os leitores. Comunique o custo humanitário da guerra nas suas matérias, centralizando as pautas nos civis afetados. Reconheça que tanto os civis israelenses quanto palestinos já sofreram dor, luto e trauma imensos.

Em Israel, a maioria dos israelenses e estrangeiros mortos e feridos durante os ataques do Hamas eram civis, de acordo com o Escritório do Alto Comissário da ONU para os Direitos Humanos. Em Gaza, os civis também correspondem à maioria dos mortos pelos ataques aéreos de Israel, incluindo mais de 600 crianças. Um bloqueio em curso de Gaza gerou alertas de consequências humanitárias catastróficas, já que a proibição de entrega de comida, água, combustível e eletricidade na região está exacerbando o sofrimento humano e gerando temor de que os hospitais vão ficar sem energia, mesmo tratando milhares de feridos.

Aplique essa abordagem a desdobramentos futuros, incluindo a esperada ofensiva por terra em Gaza pelo exército israelense. 

(4) Aprenda sobre o contexto mais amplo para acompanhar melhor o assunto

Dedique um tempo para aprender sobre o contexto mais amplo em torno da atual situação. Identifique os atores envolvidos e diferencie entre líderes políticos e civis. Informe-se sobre a geopolítico que influencia os desdobramentos. 

Porém, é uma tarefa difícil se tornar um especialista enquanto você cobre o conflito imediato. Ao realizar seu trabalho, entreviste especialistas para ajudar a contextualizar. Indique aos leitores recursos com os quais eles podem aprender mais.

Considere as questões a seguir no seu trabalho e saiba que os leitores estarão se fazendo muitas das mesmas perguntas:

  • Quem é o Hamas e quando e como ele chegou ao poder em Gaza? Por que os EUA, a União Europeia e outros países ocidentais definem o Hamas como um grupo terrorista?
  • Quem é Benjamin Netanyahu e como suas políticas governamentais – descritas como as de mais extrema-direita na história de Israel – e os assentamos israelenses na Cisjordânia afetaram as relações com os palestinos? Qual tem sido a resposta da comunidade internacional a essas políticas?
  • Qual é a história de Gaza? Por que Israel se retirou de Gaza em 2005, mas não da Cisjordânia? Por que Gaza está sob bloqueio desde 2007 e quais têm sido as consequências para os palestinos? O que levou o Hamas e Israel a travar várias guerras antes do conflito atual e por que o cessar-fogo não dura?   

Foque mais atrás:

  • Quando e por que Israel foi fundado? Quais consequências isso teve para os palestinos?
  • Qual a natureza das relações entre Israel e a região nos arredores desde sua criação?
  • O que foram os Acordos de Oslo
  • Por que um acordo final de paz estagnou nos 30 anos desde os Acordos de Oslo?

Não faltam perguntas que você deveria estar se fazendo para orientar sua reportagem. A história remonta a milhares de anos, complicados pela guerra, religião e outros fatores.

Aprender sobre a história bem como sobre o contexto imediato vai te ajudar a entender melhor desdobramentos futuros e antecipar para onde o conflito vai a partir daqui. Uso o que você aprender para orientar quem você entrevista, quais perguntas você faz e como você enquadra sua reportagem. 

(5) Cobertura de crimes de guerra

É importante entender o que é um crime de guerra, bem como termos como "limpeza étnica" e "genocídio" quando se trata de conflitos armados.

Saiba que nem toda morte de civil em um conflito é, de acordo com a lei internacional, um crime de guerra. Isso não torna a morte de civis menos trágica ou menos importante de se cobrir, mas classificar todas as mortes de civis como crime de guerra traz o risco de prejudicar a cobertura dos crimes de guerra quando eles ocorrerem. 

Os crimes de guerra caem amplamente sob o guarda-chuva das violações da lei humanitária internacional ou da lei criminal internacional. Violações da primeira incluem a perseguição intencional de civis e de infraestrutura civil, o uso de armas "indiscriminadas", dentre outros. Violações da última se referem a crimes pelos quais os indivíduos podem ser responsabilizados criminalmente.

Aprenda a diferenciar entre genocídio, limpeza étnica e crimes contra a humanidade. Cada um tem um significado legal específico, mas eles normalmente são usados fora de seu contexto legal nas redes sociais e no noticiário: 

  • Genocídio se refere à intenção de destruir, em parte ou como um todo, um grupo étnico, religioso ou nacional.
  • Limpeza étnica normalmente é confundida com genocídio, mas é um conceito à parte. Ela se refere à intenção de remover membros de um determinado grupo nacional, religioso ou étnico de uma certa área por meio de ameaças e força.
  • Crimes contra a humanidade se referem a violações sérias e generalizadas contra os direitos humanos da população civil. Elas incluem mas não estão limitadas a tortura generalizada, assassinatos, desaparecimentos forçados, escravização, violência sexual, perseguição e crime de apartheid.

Jornalistas também podem consultar os recursos seguintes:

(6) Priorize a segurança e o bem-estar

A cobertura da violência entre Israel e Gaza já se provou perigosa para jornalistas em campo. Pelo menos 11 jornalistas – nove palestinos, um israelenses e um que vivia em Beirute – foram mortos desde 7 de outubro, de acordo com o Comitê de Proteção aos Jornalistas. Outros dois estão desaparecidos, dois ficaram feridos e a polícia israelense prendeu um jornalista.

Mesmo a cobertura do conflito a distância pode causar um impacto mental. Falar com as pessoas afetadas diretamente pela violência é difícil. Ver fotos e vídeos pode ser traumático também. Saiba que priorizar sua saúde mental é tão importante quanto manter-se fisicamente seguro, e que jornalistas podem viver traumas mesmo quando não estão trabalhando diretamente em campo.

A seguir estão alguns recursos úteis de segurança física: 

Estes são alguns recursos úteis de saúde mental:

(7) Recursos de apoio

Tudo isso é pesado e vai continuar sendo. Se você está em busca de formas concretas de apoiar colegas trabalhando na linha de frente do conflito, aqui estão algumas opções:


Nós também estamos aprendendo. Se deixamos algo de fora, fale conosco e atualizaremos este artigo.

Foto por CHUTTERSNAP via Unsplash.