Breve História
Dolarização é o processo pelo qual um país abandona a sua própria moeda e passa a adotar como o seu padrão monetário legal àquela de um outro país mais estável. Ainda que o conceito tenha sido cunhado em referência ao dólar norte-americano, a conversão para qualquer moeda estrangeira e estável – como por exemplo o euro europeu, o iene japonês e o marco alemão – é conhecida como dolarização. Existem dois tipos de dolarização: a completa e a não-oficial.
Dolarização Completa
Ocorre quando um governo toma a decisão oficial de usar uma moeda estrangeira para todas as suas transações, incluindo-se as dívidas públicas e privadas – assim, tanto as contas bancárias públicas e privadas são convertidas em dólares. A moeda doméstica a ser extinta é normalmente honrada até que seja totalmente retirada de circulação. Na dolarização completa, as empresas pagam seus empregados em dólar e as transações de consumo na praça são convertidas em dólares. Ao efetuar tal conversão, os países devem estabelecer uma cotação para qual seus débitos antigos, contratos e recursos financeiros serão convertidos para o novo padrão monetário.
Dolarização Não-Oficial
Também conhecida como “substituição monetária,” a dolarização não- oficial é muito mais comum do que a modalidade anterior. A maioria dos países emergentes são não-oficialmente dolarizados, alguns mais drasticamente do que os outros. A dolarização não-oficial acontece quando o valor da moeda local torna-se extremante volátil e portanto muito mais dependente do dólar para a aquisição de bens, poupança pessoal e pedidos de empréstimos.
Tanto em Havana, em Cuba, quanto em Lima, no Peru, os turistas frequentemente pagam as corridas de táxis e as Coca-Colas em dólar, que coexiste com as moedas locais. Da mesma forma, enquanto a Argentina não se dolarizou oficialmente – ainda que a possibilidade tivesse sido amplamente debatida quando o ex-presidente Carlos Menem aventou a idéia em 1999 – quase toda a sua economia tornou-se “verdinha.” Antes que o peso argentino fosse desvalorizado em janeiro de 2001, a maior parte das transações como empréstimos para aquisições de carros e hipotecas eram fechadas em dólar. Hoje, enquanto o peso se desvaloriza severamente, o fenômeno que ficou conhecido como a “febre verde”– uma corrida desesperada por dólares – já golpeou a nação. Se a Argentina decidir-se pela dolarização, ela virá a ser o maior país a fazê-lo.
Por que dolarizar?
A decisão pela dolarização é tomada, em parte, porque o país em questão sofre de uma inflação incontrolável e de um nível de desvalorização que ameaçam a sua saúde econômica. Os depositantes ainda dispostos a reter a moeda local começam a exigir taxas de juros mais altas para protegerem-se da erosão de seus bens. O Banco Central, por sua vez, valida taxas de juros mais altas como um meio de defender a moeda de uma queda muito aguda. Num ambiente de tamanho desespero, muitas empresas contratam empréstimos em dólar para conseguirem taxas de juros mais baixas. Quando as pessoas perdem a fé na moeda local e começam a comprar dólares, o resultado é uma desvalorização ainda maior. Apesar de taxas de juros mais altas, torna-se menos provável que as pessoas poupem dinheiro em moeda local e muitas empresas começam a exportar seu capital para fora do país.
É preciso frisar que a dolarização, como um sistema de troca monetária, não garante por si só a estabilidade e o crescimento econômico. Quando um país toma a decisão de dolarizar, ele acaba adotando a política monetária do Banco Central americano, o Federal Reserve Board, liberando-se portanto do ciclo de desvalorização e inflação.
Ainda que a dolarização só tenha entrado na moda na última década, ela não é um sistema novo de troca monetária. Há mais de um século que o Panamá é um país dolarizado. Os economistas vêm debatendo por um bom tempo os méritos da dolarização; em anos recentes ela tem atraído muito mais atenção em função das dolarizações do Equador e de El Salvador. Além disso, o fato de que uma nação tão bem conceituada quanto a Argentina continue a flertar com a dolarização tem gerado uma discussão ainda mais ampla sobre a questão.
Condições para uma Dolarização Bem-sucedida
Para que a dolarização dê certo, é preciso que ela obedeça a uma série de pré-requisitos. Primeiro, o país a ser dolarizado, que optou por trocar todas as moedas locais para dólares, deve ter reservas internacionais suficientes: uma carteira de moeda não local. Caso contrário, haverá uma falta de dólares. Se não houver moeda forte suficiente para cobrir todas as reservas, o governo pode ter que vir a aceitar uma taxa de câmbio mais depreciada.
Segundo, o país deve ter um sistema bancário forte. Sistemas bancários frágeis são suscetíveis ao colapso. O severo impacto econômico de um sistema bancário debilitado pode ser usualmente evitado através de injeção emergencial de liquidez. Mas por definição, uma economia dolarizada não pode fazer isso. Em outras palavras, o Banco Central perde a capacidade de prevenir ativamente a quebra dos bancos porque a dolarização impede que o Banco Central controle a nova moeda adotada pelo governo.
Finalmente, o melhor é ter um baixo déficit fiscal. Numa economia dolarizada, frequentemente o governo não pode se dar ao luxo de ter grandes déficits, ou de gastar muito mais do que arrecada. Isso acontece porque numa economia dolarizada, grandes déficits não podem ser financiados ou controlados através da impressão de dinheiro.
PAÍSES QUE DOLARIZARAM
Panamá
O Panamá foi o primeiro país a fazer uma dolarização completa. Desde 1904, quando o país se separou da Colômbia, que a economia panamenha se “esverdeou.” Isso teve muitos efeitos positivos sobre a saúde econômica do país. Na década de 1990, por exemplo, a inflação mal passava da marca de 1% ao ano. Mas mesmo assim, a confiança depositada no dólar não aliviou a dependência do país de ajuda externa. Desde 1973, que o Panamá recebeu mais de quinze programas de ajuda do Fundo Monetário Internacional e a dolarização não conseguiu evitar que o Panamá decretasse a moratória na sua dívida externa em meados da década de 1980.
Equador
O Equador fez a sua conversão no começo de 2000. O país adotou a dolarização como um último recurso, como uma tentativa de escapar de uma crise econômica devastadora: um sistema bancário em colapso, a moeda local (o sucre) em acentuado declínio e protestos da população indígena. Quando o Presidente Jamil Mahuad anunciou em janeiro de 2000 a sua intenção de buscar a dolarização, o processo já estava em curso, uma vez que o país já se encontrava pesadamente dolarizado. O seu anúncio, entretanto, acabou provocando um golpe de estado e ele foi forçado a renunciar. O regime civil foi reestabelecido em fevereiro e o Congresso equatoriano aprovou uma legislação adotando a dolarização completa.
Antes de adotar o dólar, o Equador tentou uma série de sistemas cambiais, incluindo o câmbio fixo e a paridade móvel.
El Salvador
No final de novembro de 2000, os legisladores de El Salvador aprovaram uma lei estabelecendo a dolarização completa do país. No dia primeiro de janeiro de 2001, caixas automáticos foram programados para fornecer dólares e as contas bancárias foram convertidas para a mesma moeda. A mudança não aconteceu num clima de desespero econômico. Na verdade, a inflação salvadorenha era baixa, cerca de 1,3%, durante a década anterior. Por isso, a dolarização tornou El Salvador mais atraente para os investidores internacionais.
Os salvadorenhos não ficaram tão atônitos quanto os equatorianos diante da dolarização porque o colon, a antiga moeda de El Salvador, já vinha sendo mantida em paridade com o dólar po oito anos. O Banco Central salvadorenho havia estimado que o dólar responde por mais de 70% do dinheiro hoje em circulação no país. Novamente, ainda é cedo para se pesar os benefícios da dolarização. Mas existem alguns sinais promissores: no dia seguinte à adoção da nova moeda, a taxa de juros para o consumidor e hipotecas caiu de 17% para 11%.
Outros Casos
Há alguns anos, as Nações Unidas anunciaram que o dólar seria a moeda oficial do Timor Leste, que acabara de conquistar a sua independência da Indonésia. Em dezembro de 2000, a Guatemala aprovou uma lei permitindo a livre circulação de dólares, mas ela não chegou a realizar uma dolarização completa. E uma série de países têm considerado a dolarização – Costa Rica, Honduras e Nicarágua, entre outros. Houve quem propusesse que o Afeganistão se dolarizasse também, mas apenas até que um regime político mais estável tenha o controle do governo. Enquanto vários países são primariamente admistrados em dólar, não existe um único país que tenha revertido uma política de dolarização completa, que é considerada uma mudança permanente.
Os benefícios
Provavelmente a maior vantagem da dolarização é a estabilidade econômica trazida por ela. Quase que imediatamente, consegue-se controlar uma inflação alta. O dólar norte-americano é a moeda com maior credibilidade no mundo e qualquer país que a adote também estará adotando a política monetária do Banco Central americano, o Federal Reserve Board. Dolarizar, portanto, elimina o risco de desvalorizações abruptas reduzindo, por sua vez, as taxas de juros locais. Além disso, ela atrai investidores estrangeiros que sabem que o valor monetário de seus ativos está seguro, e tudo isso leva a crescimento e mais investimento. Psicologicamente, a dolarização reduz a ansiedade econômica.
Os Custos
Ainda que a dolarização possa tornar um país mais estável, por outro lado ele se tornará mais vulnerável às mudanças no valor do dólar, mesmo que tais flutuações resultem das condições domésticas dos EUA. Não há como responder à uma crise causada pela flutuação do dólar em relação a outras moedas internacionais, o que frequentemente acontece, por vezes de maneira selvagem. Isso porque qualquer país dolarizado renuncia ao controle de sua política monetária independente em favor do Banco Central daquele país cuja moeda foi adotada. Além disso, o Federal Reserve Board age tendo os interesses dos Estados Unidos em mente, sem qualquer preocupação particular sobre os efeitos negativos que possa vir a causar a economias dolarizadas.
Pela mesma razão, o país dolarizado não tem como responder a choques econômicos, como a volatilidade do preço do petróleo no mercado internacional, que pressiona as taxas de câmbio. A dolarização leva à perda da taxa de câmbio como uma ferramenta política. Os choques externos – dos quais a flutuação do dólar é apenas uma modalidade – não são mais absorvidos pela moeda local, mas passam a ser transmitidos através da economia real.
Além disso, ao perder a capacidade de imprimir dinheiro, o que é uma grande vantagem fiscal, um país dolarizado perde os benefícios da senhioriagem. Senhioriagem, essencialmente, é a renda ganha pela emissão de moeda. Esse é um negócio lucrativo porque os custos de impressão e circulação de notas (essencialmente pedaços de papel sem nenhum valor) são muito menores do que o valor dos bens que o papel pode comprar. O governo americano ganha cerca de 25 bilhões de dólares por ano em senhioridade líquida e quando residentes de outros países compram dólares, estão gerando renda para o departamento do tesouro dos EUA. Tem-se discutido o compartilhamento de benefícios de senhioriagem entre os países dolarizados, mas os EUA jamais permitiram que isso acontecesse.
As desvantagens adicionais da dolarização incluem o temor de falsificação (notas falsas são difíceis de serem identificadas nos EUA). Além de produzir cocaína, a Colômbia é também famosa por suas “fábricas” de dólares. Existe também o risco político. Quando El Salvador se dolarizou, políticos de oposição criticaram pesadamente o governo por estar curvando-se ao imperialismo econômico. Convencer populações indígenas a adotarem dólares, uma moeda que não é reconhecida por eles, também pode ser uma dificuldade a mais. Um dos maiores obstáculos à dolarização na Argentina é cultural: dolarizar seria como sucumbir a uma forma de colonialismo e renunciar a um símbolo de orgulho.
Mas uma das maiores desvantagens da dolarização é que enquanto ela pode ajudar a estabilizar um cenário de hiper-inflação, ela não afeta as reformas políticas e financeira. Em outras palavras, como muitos economistas questionam, a dolarização não afeta problemas sociais como evasão fiscal, pobreza, desemprego e corrupção. Aqueles que discordam disso dizem que um ambiente econômico mais estável é muito mais afeito à reforma do que a instabilidade. Como se vê, a dolarização é uma estratégia econômica necessária, mas não suficientemente necessária.
Conclusão
Numa análise final, é importante salientar que a dolarização não é nenhuma panacéia. Como muitos estudiosos da dolarização mostraram, é difícil pesar os seus prós e contras por uma simples razão: falta de precedente. Não existe virtualmente nenhum recorde histórico com o qual seja possível contrastar e comparar os resultados de uma moeda adotada. A maior parte das análises a respeito são teóricas. Apenas cerca de uma dezena de países dolarizaram-se completamente e cada um deles era diferente em tamanho e fez a conversão por diferentes razões e sob diferentes circunstâncias. O Panamá é o único país com uma longa história de dolarização e mantém um relacionamento político e econômico muito próximo dos Estados Unidos.
Muitos economistas acreditam que a dolarização será mais bem-sucedida em economias abertas, pequenas e flexíveis que têm uma longa tradição comercial com os Estados Unidos. El Salvador é uma espécie de cobaia. Mas pode levar muitos anos para medir-se o seu sucesso.
Além disso, a dolarização é permanente. Depois de adotar oficialmente o dólar, tentar voltar-se à moeda anterior levará ao enfraquecimento de qualquer decisão e pode significar mais confusão. Esse é um dos problemas em relação à proposta para que o Afeganistão se dolarize. Isso não poderá ser temporário. Até que mais países tenham vivido sob o dólar por pelo menos algumas décadas, será difícil avaliar a efetividade da dolarização completa.
FIQUE ATENTO PARA
O nível da dolarização “não-oficial”
Entender isso vai ajudar os repórteres a descobrirem a dificuldade potencial que um país teria em fazer a transição para uma moeda mais estável. A Argentina, por exemplo, poderia dolarizar-se com relativa facilidade porque o dólar já é um pilar de sua economia. E El Salvador, como já se disse, já havia fixado sua moeda ao dólar, tornando a transição mais suave.
O nível da inflação
No começo da década de 1980, a Argentina padecia de uma hiperinflação que alcançou 5000% ao ano, o que, na época, era a mais alta taxa no mundo. Hoje, o peso está literalmente perdendo valor a cada minuto, causando mais ansiedade. Quando o Equador tomou a decisão de dolarizar, a inflação estava completamente fora de controle. Muitos economistas acreditam que a Argentina deveria se dolarizar, mesmo que fosse para estabilizar a flutuação selvagem de sua moeda.
A taxa da dolarização
A decisão sobre a taxa da dolarização de um país (um para um, ou digamos, dois para um) é política. Um ministro das finanças ou presidente toma a decisão que pode rapidamente mudar a vida de muitos. A taxa da dolarização pode, por exemplo, dobrar o aluguel daqueles vivendo num país recentemente dolarizado. Se você dolariza num nível barato, você se arrisca a ter inflação porque a moeda é fraca. Apurar a taxa da dolarização é uma maneira útil de estudarem-se problemas políticos e sociais.
A proximidade do atrelamento da moeda local ao dólar
El Salvador e, até recentemente, a Argentina atrelaram suas moedas ao dólar. Tal expediente torna mais fácil a transição para a dolarização completa porque elimina risco de uma confusão geral sobre as novas taxas de câmbio e sobre a identificação da nova moeda. Procure saber se há um regime de convertibilidade ou algum tipo de atrelamento e por quanto tempo tal sistema está em uso.
Reservas em dólares no Banco Central e no sistema privado
O ministro da Fazenda de Honduras anunciou recentemente que o Banco Central do país tinha cerca de 1 bilhão de dólares em reservas e outros 500 milhões de dólares em contas privadas. Se o governo se decidir pela dolarização, disse ele, tais recursos ajudariam a suavizar o processo. Pequise quantos dólares têm o Banco Central e os bancos locais. E descubra quanto dinheiro foi mandado para casa por pessoas vivendo nos Estados Unidos. Muito frequentemente, essa renda alcança uma porção substancial do Produto Interno Bruto.
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Fuente: Iniciativa para o Diálogo Político (http://www-1.gsb.columbia.edu/ipd/j_dollarization_por.html)