Dicas para cobrir o ceticismo na ciência

Dec 15, 2021 em Reportagem sobre COVID-19
Scientist filling test tubes

Embora o ceticismo em relação às vacinas, às mudanças no clima e outros movimentos similares sejam anteriores à pandemia, eles atingiram novos níveis de visibilidade durante a crise da COVID-19. Hoje, a resistência aberta ao consenso científico pode ser vista em toda parte, do movimento alemão "Querdenker" ("pensamento lateral") aos percentuais de tamanho considerável de céticos da mudança climática nos Estados Unidos.

O ceticismo perante a ciência se refere à desconfiança ampla em especialistas e descobertas científicas de credibilidade. Com reportagens sobre o tema se tornando mais frequentes, é importante ter cuidado com a maneira como jornalistas cobrem o tema para evitar interpretações equivocadas sobre a questão exatamente e sobre a força motriz por trás dela.

Confira na sequência como repórteres podem melhorar a cobertura:

[Leia mais: Dicas para cobrir vacinas, hesitação vacinal e desinformação]

Contextualize sempre

O termo ceticismo na ciência pode ser enganoso. É importante que jornalistas contextualizem adequadamente quando se referirem a ele.

Por exemplo, embora possa haver frequentemente uma sobreposição significativa entre resistência às vacinas da COVID-19 e negação da mudança climática, esses dois posicionamentos céticos nem sempre compartilham os mesmos seguidores. Pessoas resistentes às vacinas da COVID-19 podem acreditar na mudança climática ou serem a favor da preservação do meio ambiente e vice-versa. É importante esclarecer o tipo de especialidade científica perante a qual um grupo ou movimento é cético, em vez de colocar todos os céticos em um único grupo.

É importante também observar que os céticos na ciência não se definem a si mesmos dessa forma e frequentemente recorrem a especialistas e cientistas sem credibilidade para sustentar suas afirmações. Por exemplo, como forma de embasar seu posicionamento, um movimento que nega a mudança climática pode citar fontes científicas raras que argumentam contra o consenso de 99,9% dos cientistas de que a mudança no clima é causada pelo ser humano.

Os céticos da ciência questionam a ciência mainstream. Eles frequentemente baseiam sua desconfiança em anti-intelectualismo ou na desconfiança generalizada em especialistas e intelectuais e não no método científico propriamente dito — especialmente quando se trata de questões altamente politizadas como a mudança climática e a pandemia.  

Ceticismo na ciência e política de direita não são sinônimos

Há ligações fortes entre certa política de direita e ceticismo na ciência. Nos Estados Unidos, eleitores republicanos são muito menos propensos a se vacinarem contra a COVID-19 ou a acreditarem que a mudança climática seja consequência de processos criados pelo ser humano. Na Alemanha, o partido Alternative for Germany (AfD) advogou abertamente pela resistência à vacinação da COVID-19 como parte de sua plataforma política.

Mesmo assim, o ceticismo na ciência não está inerentemente alinhado com visões políticas de direita. O movimento alemão Querdenker, cético em relação à COVID-19, por exemplo, tem a contribuição tanto de membros da extrema direita quanto daqueles à esquerda que não confiam nas vacinas e em medidas de lockdown. Na França, também, a resistência às exigências de vacinação é prevalente entre líderes da esquerda e da extrema direita.

Ter em mente que o negacionismo da mudança climática, hesitação vacinal e ceticismo perante a COVID-19 não pertencem ao mesmo grupo político pode evitar exageros de generalização e confundir os leitores. 

[Leia mais: Como noticiar os potenciais efeitos colaterais das vacinas de COVID-19]

Lembre-se que a confiança na ciência permanece alta

Ao longo da pandemia, as demonstrações anti-vacina apareceram regularmente na primeira página dos jornais. Dar destaque continuamente a esses eventos pode criar a percepção de que o ceticismo na ciência é um fenômeno maior do que ele realmente é. Na hora de cobrir esses movimentos, é importante contextualizá-los dentro do quadro maior de altos níveis de confiança na ciência.

De fato, durante esta crise de saúde global, a maioria das pessoas no mundo "tem pelo menos alguma confiança nos cientistas para fazer o que é certo", de acordo com o Pew Research Center. Na mesma pesquisa, a maioria (58%) também acredita que seus governantes estão fazendo muito pouco para combater a mudança climática.

Os movimentos de céticos na ciência têm impactos reais. Eles podem afetar políticas governamentais em nível local, estadual e federal, como a redução no cumprimento de isolamento social em lugares onde uma grande parte da população é cética em relação às vacinas. Mesmo assim, é importante que os leitores estejam cientes de que esses pontos de vista não refletem a visão da maioria.

Nem todo jornalista que cobre esse assunto precisa ser um especialista em saúde ou ciência. Porém, ao evitar essas potenciais armadilhas, jornalistas podem assegurar que seus leitores vão receber um retrato mais preciso e com nuances do estado da crença na ciência e como a confiança nos cientistas — ou a falta dela — afeta sua própria comunidade e o resto do mundo.


Foto por Julia Koblitz no Unsplash.


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Jornalista freelancer

Devin Windelspecht

Devin Windelspecht é editor da Rede de Jornalistas Internacionais (IJNet). Antes de trabalhar na IJNet, ele era jornalista freelancer e cobria preservação e direitos humanos.