Como jornalistas, tem sido bastante desafiador deixar de ir para as ruas e tentar contar a realidade que percebemos através da tela do computador. Neste contexto de pandemia, onde quer que estejamos no mundo, ainda precisamos propor pautas e conhecer historias virtualmente. Porém, aprendemos muito, e não deixamos de contar histórias e mostrar a complexidade do mundo.
Seguem aqui algumas dicas para continuar trabalhando com empatia, se preservando, e ouvindo da melhor forma possível o que os nossos entrevistados têm para dizer.
1- Evite marcar uma vídeo chamada se a entrevista pode, ao seu ver, ser feita por telefone.
Concentrar-se na tela causa um desgaste tanto para o jornalista quanto para o entrevistado e nem sempre é necessário ver a pessoa para conduzir uma entrevista.
2- Uma vez que agendou uma entrevista por vídeo chamada, reserve 10 minutos para “entrar no clima” antes da entrevista.
Se tiver filhos em casa, é importante se assegurar que eles estejam ocupados e tranquilos para você se sentir disponível mentalmente para ouvir uma outra pessoa. Não hesite em se cercar do que te deixa mais disposto para ouvir e entrar no universo do entrevistado: pode ser um cafezinho, um espaço da sua casa melhor que a mesa do escritório —sem esquecer o fone de ouvido. A ideia é não chegar estressado na entrevista.
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3- Quando tiver a pessoa na sua frente, tente começar com algo positivo em vez de algo ressaltando as dificuldades técnicas da entrevista à distancia.
- "Fico muito feliz em poder conversar com você“
- “Obrigada pela sua disponibilidade“
- “Que legal poder te conhecer..."
4- Avise a pessoa da duração da entrevista antes de começar.
Se for um papo de 10 minutos, ou uma entrevista mais complexa de meia hora, é bom a pessoa se programar antes e novamente quando está na sua frente.
5- Comunique se não pretende usar a imagem/vídeo da pessoa.
Isso permite que ela se sinta mais à vontade e não se preocupe tanto com a própria aparência.
6- Como a tela só mostra um quadradinho do ambiente onde a pessoa está, se for pertinente para a matéria, peça para a pessoa descrever onde está, fazendo perguntas abertas:
- Como você descreveria a sua casa/sala?
- E um lugar onde você se sente bem?
- Qual é o cheiro da sua casa neste momento?
- Qual cantinho da sua casa você mais gosta?
Essas perguntas são exemplos para incentivar a pessoa entrevistada a dar alguns elementos que podem ajudar a descrever o cheiro do jantar sendo preparado, o sofá do lado da foto da família que não se reúne faz tempo, a janela com ar fresquinho e cantos dos pássaros. Como perdemos uma parte da nossa capacidade de observação trabalhando à distancia, pensar nos cinco sentidos pode ser útil para ”entrar” na casa da pessoa com esses detalhes.
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7 - Se você perceber que a gravação está ruim e a pessoa não poder mudar de lugar, peça para cortar a câmera.
Se o conteúdo for claro o suficiente, tente encurtar a vídeo chamada. Se a testemunha for importante para a sua matéria e precisar de muito mais tempo, pode mudar para uma chamada convencional e não perder tempo comentando as falhas técnicas.
8- Se você como jornalista sentir que o cansaço está chegando, que a pessoa dá volta demais e que a edição do áudio —caso seja para uma áudio reportagem— vai ser muito difícil, tente olhar para as suas anotações e ver se a pessoa pode repetir em poucas palavras uma parte que você acha chave.
Talvez a pessoa se sinta perdida sem o seu olhar e esteja falando mais do que precisa. Diga: “Senhora, eu lembro que falou tal coisa, poderia por favor repetir tal parte que achei muito forte/importante, por favor?” Se ainda sentir que a entrevista está difícil de conduzir, uma outra dica é mudar totalmente o foco: ”A senhora quer tomar uma agua?” Ou você como jornalista também pode dar uma pausa. Assim, aproveita para respirar fundo, e focar no que é essencial na entrevista e voltar a sua pauta. Pense: por que estou falando com essa pessoa? Ou o que só ela pode me dizer?
9- Para concluir a gravação, pergunte se a pessoa acha que tem algo importante para ela que ainda não comentamos.
Isso deixa a oportunidade da própria pessoa sentir que a palavra dela foi ouvida e respeitada, e encaminha naturalmente para um fim.
10- Avise quando finalizar a gravação e pergunte se há algo para falar "em off" sem usar as falas da pessoa como aspas.
É importante deixar bem claro esses limites, mesmo no mundo virtual.
Marie Naudascher é radialista, correspondente para a rádio Europe 1 no Brasil.
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