Mais de dois terços da população do mundo atualmente usa a internet e passa mais de seis horas online. A vasta quantidade de informações disponíveis online — algumas reais e úteis, outras manipuladas e/ou danosas — tornou o letramento midiático, ou seja, a capacidade de consumir informação criticamente, mais importante do que nunca.
Para ajudar audiências vulneráveis à desinformação se orientarem no cenário informativo, o ICFJ fez uma parceria com o MediaWise do Poynter Institute em uma iniciativa de capacitação de instrutores para equipar líderes comunitários do mundo todo com ferramentas e técnicas essenciais de verificação de fatos e letramento de mídia. Em contrapartida, esses líderes ficam encarregados de treinar pelo menos 60 pessoas de suas próprias comunidades.
Durante uma sessão do Fórum de Reportagem de Crise da IJNet, três participantes que se tornaram instrutores — a jornalista de rádio e líder comunitária queniana Harriet Atyang; a educadora de mídia indiana radicada em Omã Dr. Tamilselvi Natarajan; e o tecnologista e jornalista digital srilankês Arzath Areeff — discutiram suas experiências na organização de cursos de letramento de mídia em suas respectivas regiões. Brittani Kollar, vice-diretora da MediaWise, moderou a discussão.
Os participantes compartilharam como criaram e realizaram oficinas em suas comunidades. A seguir estão as dicas deles para conduzir um programa de letramento de mídia:
Adapte o programa a diferentes audiências
Iniciativas eficazes de letramento de mídia levam em consideração as experiências e o conhecimento anterior dos participantes.
Por exemplo, quando Natarajan inicialmente entrou em contato com alunos da Faculdade Bayan, em Omã, onde ela dá aulas, teve uma resposta morna, pois a maioria não sabia muito sobre desinformação.
Para lidar com isso, Natarajan mudou sua estratégia. Em vez de abrir o curso para todos os estudantes da faculdade, ela fez o primeiro curso com estudantes de uma turma que à época era de sua responsabilidade. Ela começou a aula definindo termos-chave como desinformação, informação enganosa e informação maliciosa em um vídeo breve de dois minutos para familiarizar os estudantes com os conceitos. Com o aumento do interesse nas oficinas, Natarajan estendeu o curso para outros estudantes e seus pais, e em seguida para outros grupos de diferentes idades e níveis de escolaridade.
No Sri Lanka, Areeff enfatizou o atendimento aos alunos em seu próprio idioma. Antes da primeira aula, ele fez uma enquete com seu público, mas recebeu poucas respostas. O motivo? O questionário estava em inglês, enquanto o público-alvo falava predominantemente a língua tamil. Quando ele traduziu o questionário, recebeu mais respostas.
Do mesmo modo, Natarajan, que não fala árabe, levou para as suas aulas um coapresentador fluente no idioma. "Para ter mais impacto, é realmente muito bom quando as pessoas escutam em sua própria língua", observou.
Crie confiança
Natarajan disse que seu maior desafio foi convencer os participantes de que existia desinformação em Omã, onde as notícias são regulamentadas pelo Ministério da Informação. Os alunos disseram acreditar que o Ministério "filtrava as informações" para eles, segundo Natarajan. "Quando eu chegava e falava para os estudantes e colegas que havia desinformação, eles diziam 'você está questionando como o Ministério funciona aqui?'"
Natarajan não culpou as autoridades pela disseminação de desinformação. Em vez disso, ela compartilhou exemplos concretos de como notícias velhas eram divulgadas como informação nova e como desinformação sobre Omã e a Arábia Saudita circulava nas redes sociais e era espalhada em outros países.
Para deixar os participantes mais confortáveis, ela substituiu aulas tradicionais por discussões e atividades práticas. "Eu pedia pra eles se sentarem em círculos, debaterem e então eu começava a aula", explicou Natarajan.
Deixe as aulas atrativas
Areeff realizou quatro oficinas, das quais a primeira foi uma palestra que fracassou em engajar os alunos. "Eu tentei passar muita informação e preparei 83 slides. Não faça isso", disse. "Eu não precisei de um questionário de feedback dos alunos porque obtive o feedback nas expressões deles." Areef criou aulas mais interativas e práticas nas sessões seguintes, ensinando métodos de verificação de fatos como busca reversa de imagem.
Também é importante adaptar as aulas ao modo como diferentes gerações absorvem informação. Para manter a atenção de alunos mais jovens, Areef usou informações falsas divulgadas sobre atores tâmeis como o tema da oficina.
Atividades interativas para quebrar o gelo são eficazes para engajar os participantes. Atyang usou a brincadeira do telefone sem fio para ilustrar como a desinformação se espalha, notando que a dinâmica teve "mais impacto que os slides que eu preparei".
Atyang ressaltou como os instrutores podem usar discussões em grupo para criar uma relação entre os participantes. Esta também é uma forma eficaz de o instrutor reforçar seus próprios conhecimentos. "Não chegue lá na aula para desfrutar de um monopólio de conhecimento; ninguém tem o monopólio do conhecimento. Quando você ensina, você também está aprendendo porque você não sabe 100%", diz.
Dicas de preparação
- Preparação mental: preparar-se psicologicamente antes de começar qualquer treinamento é fundamental, reforçou Atyang. Os instrutores devem se certificar de descansar, ela disse, acrescentando que fazer afirmações positivas também pode ajudar. Preparar slides com visual limpo e profissional também pode impulsionar a confiança. "Quando você apresenta algo visualmente atrativo, mostra que você sabe o que está fazendo e sua audiência acredita mais em você", disse Atyang.
- Questionários pré-oficina: todos os três instrutores enviaram questionários antes das oficinas para coletar informações demográficas sobre os participantes e avaliar os conhecimentos da turma. Questionários podem ajudar os instrutores a identificar em quais tópicos focar. "Eles me ajudam a saber o que os meus alunos sabem e o que não sabem", disse Atyang.
- Inclua informações específicas: incorpore informações específicas sazonais e regionais para engajar mais os participantes. Com uma oficina realizada durante a temporada de chuvas do Quênia, Atyang aproveitou o momento para destacar como imagens falsas de inundações se espalham. Usando ferramentas como busca reversa de imagens, os participantes viram como algumas fotos haviam sido tiradas há décadas ou eram de lugares diferentes.
- Logística: quando possível, simplifique questões logísticas, como o local do curso. Por exemplo, Atyang realizou as oficinas em um mercado central. "Quando disse aos participantes que íamos nos encontrar no mercado, algumas mulheres chegaram inclusive antes de mim porque já conheciam o lugar", disse. Ela acrescentou que oferecer reembolso pelos custos de transporte e refeições garante que os participantes frequentem a oficina sem pressão financeira.
Foto por Dziana Hasanbekava via Pexels.