Em junho, o jornal Globe and Mail ganhou o prêmio "Investigação do Ano" por uma série sobre por que a polícia canadense descarta tantos casos de agressão sexual como "infundados". Os jurados dos Prêmios de Jornalismo de Dados de 2017 elogiaram a "análise profunda de dados" da reportagem que expôs falhas no sistema nacional.
Mais elogios vieram rapidamente e de gente importante. Em um artigo, o primeiro-ministro Justin Trudeau observou: "Como vimos na excelente reportagem de investigação muito profunda publicada pelo Globe and Mail, [a agressão sexual] ainda não é levada a sério pela nossa sociedade". O governo anunciou US$100 milhões para combater a violência baseada no gênero, citando a investigação do Globe. Dezenas de agentes policiais começaram a revisar os casos.
A série Globe and Mail exibiu o jornalismo de dados na sua melhor forma. Mas é a exceção ou faz parte de uma tendência de pesquisar e visualizar fontes digitais? Quão prevalente é essa forma de jornalismo que exige novas ferramentas e habilidades?
Um estudo liderado pelo Google News Lab em colaboração com a PolicyViz fornece informações sobre o estado do jornalismo de dados e explora os desafios que os profissionais enfrentam neste campo.
Três perguntas guiaram o estudo que analisou o estado atual e os desafios que o campo enfrenta hoje. "Como os jornalistas definem jornalismo de dados? Quais tipos de matérias são produzidas usando dados? Quais são os principais desafios enfrentados pelo jornalismo de dados?
De acordo com Simon Rogers, editor de dados do Google News Lab e coautor do estudo, há apenas uma década, existiam apenas meia dúzia de jornalistas de dados. Hoje, a pesquisa mostra uma mudança dramática. Entre os principais achados do estudo:
42 por cento dos repórteres usam dados regularmente (duas vezes ou mais por semana).
51 por cento de todas as organizações de notícias nos EUA e Europa agora têm um jornalista de dados dedicado - e esse valor sobe para 60 por cento para as plataformas que são somente digitais.
33 por cento dos jornalistas usam dados para matérias políticas, seguido por 28 por cento para temas financeiros e 25 por cento para reportagens investigativas.
Na França, 56 por cento das salas de redação têm um jornalista de dados, seguida pela Alemanha com 52 por cento, o Reino Unido com 52 por cento e os EUA com 46 por cento.
O estudo também analisou os desafios que os jornalistas enfrentam. Entre os mais prevalentes:
53 por cento da amostra vê o jornalismo de dados como uma técnica especial que requer treinamento extensivo e que não é fácil aprender.
Os entrevistados também discutiram as pressões de tempo e a quantidade limitada de jornalistas de dados dedicados que podem limpar, processar e analisar dados. Os pesquisadores descobriram que 49 por cento das matérias de dados são criadas em um dia ou menos.
A pesquisa também descobriu que as ferramentas de visualização de dados não estão acompanhando o ritmo da inovação. Como resultado, os repórteres estão construindo suas próprias soluções: um quinto dos jornalistas de dados usa ferramentas e software internos, seja ferramentas de visualização de dados ou mesmo soluções de limpeza de dados.
"Apesar desses desafios, o jornalismo de dados em 2017 tornou-se mais importante do que em qualquer outro momento da sua história. As redações estão produzindo um trabalho incrível que ajuda a explicar o mundo que nos rodeia", escreveu Rogers quando o estudo foi lançado.
Entre os exemplos notáveis, ele cita: o "Fact Check: Debate do Trump e Clinton..." da NPR, o "Não Era Sempre o Leste" do Berliner Morgenpost e o "Infundados" do Globe and Mail.
O estudo foi realizado em duas fases: durante a primeira parte, realizaram-se entrevistas em profundidade com 56 jornalistas no Reino Unido, Estados Unidos, França e Alemanha. A segunda parte consistiu em uma pesquisa quantitativa com mais de 900 jornalistas e editores.
Outras conclusões extraídas da pesquisa incluem:
O papel do jornalista está mudando.
Ser capaz de reportar sobre dados agora é esperado, mas ser capaz de coletar, analisar e visualizar dados ainda é amplamente visto como uma habilidade especializada.
Nem todas as salas de redação têm recursos para empregar um jornalista de dados dedicado ou uma equipe de jornalismo de dados.
A maioria das organizações está explorando vários métodos para usar mais dados em suas reportagens.
O que Rogers diria para as mídias de notícias que estão considerando utilizar ou não jornalismo de dados?
"Não é caro. [O jornalismo de dados] lhe dá acesso a um mundo de histórias que poderia perder de outra maneira, e, finalmente, você realmente quer que seus concorrentes possuam uma área de especialização que está faltando na sua redação?", argumentou Rogers.
Formação em dados
O "Manual de Jornalismo de Dados" (em inglês) de Jonathan Gray, Liliana Bounegru e Lucy Chambers podem fornecer um bom ponto de partida para quem está interessado em desenvolver ou aperfeiçoar novas habilidades.
Entre as seções mais úteis: Torne-se especialista de dados em 3 passos simples; Use visualização de dados para encontrar insights em números; e Passos básicos para trabalhar com dados. Há estudos de casos e exemplos da BBC, The Guardian, o jornal alemão Zeit e outros. Disponível online.
Outro recurso de fácil acesso e gratuito no Learno.net: "Jornalismo de Dados: Primeiros, passos, técnicas e ferramenta", desenvolvido para iniciantes e ensinado por cinco instrutores, incluindo Rogers. O curso leva seis horas para ser concluído.
Imagem sob licença CC no Flickr via adina*raul