Tentativas de controlar a mídia certamente não são novidade, mas as maneiras como elas vêm ocorrendo nos dias de hoje são motivo de preocupação — e pedem uma ação imediata.
Nosso novo livro, Media Capture: How Money, Digital Platforms and Government Control the News (Cooptação da Mídia: como o dinheiro, as plataformas digitais e o governo controlam as notícias em tradução livre), argumenta que os vilões são menos óbvios do que no passado: barões da indústria metamorfosearam de executivos de jornais para figuras usando camisetas, trazendo com elas uma falsa sensação de democratização enquanto continuam a influenciar e manipular (através de seus algoritmos) o que nós consumimos.
Em maio, quando o avião do dissidente bielorrusso Roman Protasevich teve o pouso forçado na rota de Atenas para a Lituânia e ele foi preso após a aterrissagem, o mundo testemunhou um dramático — e antigo — exemplo da tentativa de um político autoritário de silenciar um jornalista.
Infelizmente, o Facebook de Mark Zuckerberg e similares são igualmente uma ameaça. No livro Media Capture: How Money, Digital Platforms and Government Control the News, jornalistas e acadêmicos abordam como formas sutis de cooptação podem ser particularmente perigosas, com implicações não menos nefastas para a democracia.
Elas representam uma restrição em larga escala da liberdade de expressão dos jornalistas. Por piores que as coisas estejam agora, deveria ficar bem claro o seguinte: estamos em uma trajetória que pode deixar tudo ainda pior.
Os últimos anos viram a disseminação do problema da cooptação de mídia, que agora é regularmente debatida em conferências de jornalismo. O tópico também ganha tração crescente num espectro amplo da mídia.
Em um artigo para a New York Magazine, "Tecnologia x Jornalismo: Por dentro da batalha cruel entre o Vale do Silício e os repórteres que escrevem sobre ele", Benjamin Wallace descreve a relação por vezes antagônica que se desenvolveu entre as duas partes.
O super popular jornalista da CNN Jake Tapper recentemente fez um podcast para o New York Times chamado "Jack Tapper está à venda?", que discute como os meios de comunicação estão sendo comprados por grandes empresas de tecnologia como Facebook ou Apple e os efeitos que isso pode ter na produção de notícias.
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As três seções do novo livro abarcam a história, métodos contemporâneos de cooptação da mídia e possíveis soluções. Os colaboradores fazem relatos em primeira mão e análises de como a cooptação da mídia acontece e o que pode ser feito em relação a isso. Aqui está uma breve visão geral:
História de uma ideia
Enquanto a ideia de um controle sutil da mídia é antiga, o termo cooptação da mídia foi cunhado no início do século XXI.
De acordo com a cientista política Alina Mungiu-Pippidi, que apresentou a melhor definição de cooptação da mídia, trata-se de uma situação na qual os veículos jornalísticos são controlados "diretamente por governos ou por interesses pessoais misturados com política".
Os primeiros trabalhos sobre a cooptação da mídia não conseguiram dar conta totalmente dos efeitos dramáticos que a internet teve na informação. Como é impossível ignorar o impacto da internet, argumentamos que é o momento de revisar teorias sobre o assunto e alargar sua definição para incluir como a cooptação da mídia funciona na era digital.
Plataformas como Google e Facebook agem como filtros arbitrários, decidindo com base em algoritmos qual informação é disponibilizada e, consequentemente, qual notícia é consumida.
Esta seção inclui o capítulo "Como o Vale do Silício copiou o manual de cooptação da mídia de Wall Street", escrito por Rana Foroohar. Ela descreve a rede de influências do Google e do Facebook e seus esforços em Washington, D.C., incluindo as vastas somas de dinheiro alocadas em "parcerias" com veículos jornalísticos e meios de comunicação, garantindo assim um lugar para as empresas de tecnologia em toda conferência de jornalismo bem como sua influência sobre o conteúdo e distribuição.
Múltiplas perspectivas sobre a cooptação de mídia na era digital
Essa seção explora como a era da internet criou possibilidades de cooptação em diferentes níveis. Isso inclui análises das maneiras como consumimos notícias e os riscos das plataformas modernas.
"Um Servo na fazenda do Google", de Josh Marshall, aborda a situação atual, na qual grandes plataformas controlam grande parte das fontes de receita, aumentando de forma crescente a vulnerabilidade dos meios de comunicação e suas audiências.
No capítulo "Jabá Digital: policiando a rede aberta de colaboradores", James Ledbetter descreve como jornalistas são cooptados por esquemas eticamente duvidosos de publicidade nativa, nos quais agências que representam diferentes empresas oferecem pequenas quantias em dinheiro aos jornalistas em troca da menção em uma matéria.
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Doadores e cooptação de mídia: uma solução com algumas condições
Falando de soluções, vale notar que fundações e filantropos tomaram para si o trabalho de financiar meios de comunicação independentes em várias partes do mundo para aliviar a crise financeira vivida pelo jornalismo e compensar os efeitos da cooptação. Mas é uma batalha inglória porque não importa quanto dinheiro eles doem, isso vai ser ofuscado pelas grandes somas de dinheiro dos poderosos da mídia.
Está claro que ainda não temos uma solução para o problema na era da internet, mas no livro nós identificamos maneiras de começar a tratar essas questões. Elas incluem:
Fortalecer a mídia livre e independente. Essa é uma solução padrão oferecida para aqueles que buscam como evitar ou pelo menos contrabalançar a cooptação de mídia. A vantagem em caso de intervenções governamentais é que os meios de comunicação podem crescer e resistir.
Financiamento do governo de serviços públicos de comunicação de qualidade como os que têm funcionado na Suécia e no Reino Unido, dentre outros países. Sistemas públicos de comunicação são amplamente populares entre cidadãos e governos e têm demonstrado serem mais resistentes à cooptação pelo Estado responsável por seu financiamento na comparação com os riscos de cooptação dos meios de comunicação tradicionais por anunciantes.
A tributação do Facebook para que ele pague pelo jornalismo é outra ideia que ganhou força em 2018 e 2019 graças aos esforços de Victor Pickard na Annenberg School for Communication na Universidade da Pensilvânia.
Apenas o jornalismo destemido não é o bastante. Alternativas viáveis, financiadas por agências públicas apartidárias comprometidas com o pluralismo, diversidade e a verdade, são essenciais. Este livro, ao documentar o processo através do qual ocorre a cooptação da mídia, suas consequências e o que pode ser feito a respeito, vai promover o debate público e a ação.
Muita coisa precisa ser feita — e o momento é agora.
Anya Schiffrin é diretora da especialização em tecnologia, mídia e comunicação na Universidade da Columbia. Ela é editora de livros como Global Muckraking: 100 Years of Investigative Reporting from Around the World (2014) e African Muckraking: 75 Years of Investigative Journalism from Africa (2017), entre outros.