Considerações éticas para reportagens sobre COVID-19

May 26, 2020 em Reportagem sobre COVID-19
Teste de COVID-19 com cotonete

Desde que a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a pandemia do novo coronavírus (COVID-19), mais e mais jornalistas de todo o mundo foram recrutados para reportar nas linhas de frente da crise global.

As origens e a propagação do vírus, a resposta de governos e indivíduos e a retórica que se seguiu representam um conjunto único de dilemas para os jornalistas que navegam no desconhecido. É importante compreender como enfrentar considerações éticas para apresentar uma reportagem equilibrada, justa e precisa do que está acontecendo durante a pandemia.

Notícias sobre mortes

Ao dar notícias da morte por complicações de COVID-19 -- especialmente quando uma personalidade de destaque está envolvida -- os jornalistas devem pensar se devem esperar para contar a história e primeiro verificar com a polícia ou as autoridades locais se a família da vítima foi informada.

Por trás dos dados, há vidas reais que serão afetadas pela perda de um ente querido. Os jornalistas devem ter cuidado para não ofender as sensibilidades do público a quem servem.

"Os números de vítimas são fatos, e os fatos continuam sendo a pedra angular do jornalismo. Acredito que a publicação de números de vítimas deve ser feita com a linguagem certa, que mostre sensibilidade e respeito pela vida humana", diz Eniola Akinkotu, jornalista na linha de frente da reportagem de COVID- 19 para o jornal mais lido da Nigéria, Punch.

Em um artigo sobre abordagens éticas para reportar sobre a morte, Sal Lalji, diretora de relações públicas e imprensa da Samaritans, incentiva jornalistas a verificar com as famílias antes de usar imagens da mídia social em uma matéria. "Quando uma pessoa morre, se estiver no centro de uma notícia, pode ser bastante perturbador ver imagens de sites de redes sociais empregadas pela mídia, pois não são imagens que necessariamente uma família em luto gostaria que outros pessoas vissem."

[Leia mais: A perda por trás dos números: Como o jornalismo brasileiro está registrando as mortes por COVID-19]


Respeitando a confidencialidade das fontes

Os jornalistas confiam nas fontes para fornecer furos e informações privilegiadas, que de outra forma não seriam capazes de acessar. A natureza sem precedentes da cobertura da COVID-19 significa que muitas informações vêm de pessoas que estão na linha de frente da pandemia.

Deve-se perguntar a todas as fontes se elas podem ser identificadas em uma matéria, especialmente fontes que possam ser sensíveis à divulgação de suas informações. Isso inclui enfermeiros, médicos, informantes em hospitais e agências governamentais, funcionários descontentes, fontes que oferecem informações sobre tratamento e gerenciamento de pacientes e pessoas com conhecimento de encobrimentos de números de vítimas ou taxas de infecção.

Jornalistas nunca devem assumir que suas fontes querem ser identificadas. É fundamental buscar o consentimento delas e refletir as permissões que elas derem na matéria.

Também é importante garantir que as fontes não sejam identificadas por contexto.

O News Manual oferece um exemplo: "A secretária do primeiro-ministro pode ter fornecido informações secretas em sigilo ou confidencialmente. Se você escrever a história atribuindo os detalhes a 'fontes da equipe pessoal do primeiro-ministro', você corre o risco de expor sua fonte, especialmente se houver apenas uma ou duas pessoas na equipe pessoal do primeiro ministro. Talvez seja melhor atribuir a 'fontes no departamento do primeiro ministro' se for um departamento grande... Você precisa equilibrar a necessidade de mostrar que suas fontes estão próximas ao centro das informações (e, portanto, confiáveis) com a necessidade de proteger a identidade de uma fonte confidencial."

Manter a confidencialidade da sua fonte é importante se você precisar de mais informações no futuro.

[Leia mais: Como o jornalismo de dados está cobrindo a pandemia na América Latina]

Verificando dados 

Seus dados podem ser verificados? Essa é a pergunta mais importante para jornalistas que usam dados durante a pandemia de COVID-19. Há muitos dados provenientes de diferentes países e organizações durante a pandemia, mostrando números de vítimas, financiamento alocado para suprimentos médicos e o impacto do vírus na vida em geral.

Mas os dados podem ser falhos, deturpados, carecer de contexto e até ser inventados; portanto, os jornalistas precisam adotar verificações e interrogatórios completos.

Em um artigo sobre visualizações de dados do coronavírus, Joel Selanikio, ex-investigador dos Centros para Controle e Prevenção de Doenças (CDC, em inglês) mostra como os mapas usados ​​pela CNN e New York Times para "rastrear o surto" podem distorcer os dados.

Devido ao design de um mapa, parecia que todo o país da China estava afetado pelo vírus no início de fevereiro, mas havia apenas cerca de 35 mil casos em uma população de 1,4 bilhões de pessoas: afetando apenas 0,002% das pessoas na China. Em outro exemplo, um mapa da CNN mostrando a disseminação global do "coronavírus", a América do Norte, Europa, Austrália e Rússia, juntamente com a China, estão solidamente infetadas. Mas, no momento da publicação, havia apenas um total de 12 casos, nos EUA, de uma população de 330 milhões.

O uso de um número cumulativo de casos ao reportar pode ser útil na comparação da COVID-19 com outros surtos como a SARS, mas não pode ser empregado para o rastreamento em tempo real, pois nunca diminui. Muitas pessoas se recuperaram, algumas morrem e outras ainda estão recebendo tratamento, portanto não pode ser usado para avaliar a tendência do surto.

Os jornalistas devem fazer essa distinção para garantir que os dados publicados para o público não sejam estáticos e possam ser usados ​​para rastrear a progressão em tempo real sem subestimar ou superestimar o impacto da pandemia.

Cobrindo racismo e discurso de ódio

Desde o surgimento da COVID-19, os jornalistas enfrentam o desafio de cobrir o discurso de ódio e o racismo pelos principais líderes mundiais e agentes do setor. Nos EUA, por exemplo, o presidente Donald Trump se refere abertamente e repetidamente a COVID-19 como o "vírus chinês", provocando ondas de ações de ódio motivadas racialmente.

O chefe da Organização Mundial da Saúde, Tedros Adhanom Ghebreyesus, disse que está sujeito a comentários racistas e ameaças de morte há meses por causa de seu trabalho de supervisionar a resposta global à pandemia.

Os veículos de comunicação estão menos conscientes, ou talvez mais confusos, sobre sua responsabilidade de cobrir os formadores de opinião que defendem a intolerância. Isso ocorre em parte porque os problemas são genuinamente complexos e não são passíveis de simples fórmulas éticas. As melhores práticas envolvem alertar a sociedade para os agentes de ódio, mas sem dar a eles uma divulgação que exagere sua importância e amplie suas opiniões de forma acrítica. Pode ser difícil encontrar o equilíbrio certo, de acordo com a Ethical Journalism Network

O discurso de ódio nunca deve ser celebrado nas manchetes, para que os emissores não sejam excessivamente renomados. Reportar sobre reações ao discurso de ódio pode ser uma maneira melhor de contar a história, diz Akinkotu, repórter do Punch na Nigéria, que se mostrou eficaz em suas reportagens.

As reportagens sobre COVID-19 devem ser feitas com o maior respeito pelas vidas e sensibilidades humanas, especialmente neste momento de grande incerteza.


imagem foi criada por Russell Tate para o Global Call Out To Creatives das Nações Unidas, sob licença CC na Unsplash.