Como uma equipe de jornalistas investigou a venda de armas entre Europa e Oriente Médio

por Elyssa Pachico
Oct 30, 2018 em Jornalismo investigativo

Um avião de carga gigante sentado na pista é uma visão incomum no aeroporto internacional da Sérvia.

Dois repórteres do Projeto de Jornalismo sobre Corrupção e Crime Organizado (OCCRP, em inglês) tomaram conhecimento do avião em junho de 2015. O que o avião estava transportando e para onde estava indo?

Uma repórter do OCCRP Miranda Patrucić também suspeitava de algo estranho depois de conduzir uma série de treinamentos de jornalismo no Oriente Médio. Algumas vezes, as pessoas perguntavam se ela poderia ajudá-los a comprar armas dos Balcãs. "Eu fiquei intrigada, 'por que você está me fazendo essas perguntas?'", disse ela.

Estes incidentes ajudaram a desencadear uma investigação de um ano sobre se armas exportadas da Europa Oriental estão alimentando conflitos no Oriente Médio.

O OCCRP, uma rede de repórteres investigativos baseados na Europa Oriental e Ásia Central, fez uma parceria com a Rede de Reportagem Investigativa dos Balcãs (BIRN, em inglês) para produzir "Making a Killing"  (Fazendo uma Matança). A investigação descobriu que governos da Europa Oriental continuaram a autorizar exportações de armas em massa para países como Arábia Saudita, apesar da evidência de que muitas dessas armas podem acabar em países devastados pela guerra, como a Síria. Mesmo que os líderes do governo insistam em contrário, especialistas disseram ao BIRN e OCCRP que este comércio muito provavelmente viola a lei internacional.

Patrucić estava entre os jornalistas que ajudaram a coordenar a investigação, que abrangeu oito países da Europa Oriental e envolveu milhares de páginas de documentos, centenas de fontes e mais de uma dúzia de repórteres. Ela compartilhou alguns de seus pensamentos com a IJNet sobre como outras redações podem enfrentar o que é sem dúvida um dos temas mais difíceis para os repórteres investigativos: o comércio ilegal de armas.

Concentrando-se

No começo da investigação, os repórteres e editores não tinham certeza do que iam encontrar ou mesmo quantos países iriam focar.

"No início, nós seguimos muitas pistas, tentando descobrir o que está acontecendo", disse Patrucić. "Nosso escopo era grande, porque nós não sabíamos o que seríamos capaz de provar."

Ao lidar com um grande tema tão complexo, Patrucić recomendou passar um tempo em pré-reportagem e investigação -- lendo reportagens de organizações internacionais e "think-tanks", estabelecendo fontes e apresentando pedidos de acesso a informação.

Outra chave para se concentrar é começar a escrever a matéria desde o início, disse Patrucić.

"Quanto mais cedo os repórteres podem delinear e escrever as matérias melhor, pois dá tempo aos editores para identificar as informações que faltam e certificar-se de que cada artigo individual se encaixa em um todo maior", disse ela.

Fazer a referência cruzada de conjuntos de dados também pode ajudar os jornalistas a ligar as conexões e refinar ainda mais as ideias da matéria. A equipe do "Making a Killing" teve um grande avanço depois de comparar um banco de dados de voos de carga que passam através da Europa Oriental com outro banco de dados listando os horários dos voos. Isso acabou resultando em um artigo mostrando como dezenas de voos de carga da Europa Oriental transportaram milhares de toneladas de armas e munições para o Oriente Médio no ano passado.

Gráfico produzido pelo OCCRP e BIRN

Comunicando-se frequentemente — e com segurança

Ao trabalhar em uma investigação transnacional, Patrucić recomendou ter um coordenador responsável por cada equipe de repórteres em cada país. Enquanto o OCCRP e BIRN se comunicou com frequência no Slack, Signal e Stackfield, não subestime a importância de reuniões frequentes em pessoa, disse ela. Estas reuniões ajudam os repórteres a fazerem conexões entre países e identificarem tendências maiores que de outra forma não conseguiriam.

"Se você não se comunicar o suficiente, todo mundo vai perambular em sua própria direção", disse ela.

Apesar do OCCRP e BIRN ter sido concorrentes no passado, os repórteres sempre diziam a seus colegas quem eles estavam encontrando (sem dar o nome das fontes) e perguntavam se alguém tinha alguma pergunta que queria fazer. 

E ao investigar um tema sensível como o comércio ilegal de armas, os repórteres devem sempre pensar em segurança em primeiro lugar, disse Patrucić.

"Cuidado na hora que você falar com as pessoas e tenha cuidado com quem você escolhe como parceiro", disse ela. "Se você tem um vazamento em um país, pode explodir em todos os outros países também."

Documentos como fontes

Patrucić estimou que 50 por cento dos documentos utilizados no "Making a Killing" foram encontrados online -- especialmente os publicados pela Organização das Nações Unidas ou União Europeia -- ou foram dados a jornalistas de outras organizações. Outros 20 por cento dos documentos foram fornecidos por fontes, enquanto que 30 por cento veio de pedidos de acesso a informação.

"[Esses documentos são] publicados e disponíveis, mas poucos repórteres examinam todos eles", disse ela.

Obtendo declarações públicas

Outro desafio ao investigar o comércio de armas transnacionais é conseguir que oficiais deem declarações públicas. O OCCRP e sua organização parceira encontraram uma maneira de contornar isso usando como fontes funcionários do baixo escalão em certas agências. Eles também entraram em contato com as fábricas de armas, mas tiveram pouco sucesso em encontrar pessoas dispostas a serem identificadas.

Foi particularmente difícil tentar conseguir que uma autoridade sérvia da aviação civil respondesse a perguntas. A agência finalmente cedeu após a BIRN e o OCCRP mostrarem imagens de vídeo de um avião de carga sendo carregado com caixas de munição. Em termos gerais, confrontar funcionários do governo com evidências em vídeo ou papel ajudaram os repórteres a conseguirem comentários "on-the-record", disse Patrucić.

Enquanto isso, funcionários do governo na Europa Oriental continuam a mostrar pouca vontade de controlar as exportações de armas para o Oriente Médio. Vários dias depois da BIRN e OCCRP publicarem "Making a Killing", o primeiro-ministro da Sérvia disse que "adorava" as exportações de armas, porque trazia muito dinheiro estrangeiro ao país.

Imagem principal sob licença CC no Flickr via a.anis