Sejam sobre vítimas de um ataque químico ou de um bombardeio, os investigadores de código aberto são obrigados a assistir e interagir com imagens brutas do campo. Como consequência do aumento do número de imagens de testemunhas oculares, pesquisadores e jornalistas entram em contato com uma grande quantidade de imagens fortes. Embora seja uma evidência potencial para fins de investigação e responsabilização, devemos estar atentos aos efeitos que imagens violentas podem ter sobre aqueles que entram em contato com elas regularmente. A consequência da exposição repetida a essas imagens é um trauma secundário ou vicário, que gera um sofrimento mental como um resultado de interagir com cenas violentas.
Este guia se destina a servir como uma ferramenta educacional para aqueles que trabalham no campo investigativo de código aberto. Inclui pesquisa de Sam Dubberley, gerente do Digital Verification Corps da Anistia Internacional e colaborador do Centro de Mídia EyeWitness, bem como a experiência da autora no Laboratório de Investigações de Código Aberto no Centro de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da Universidade da Califórnia-Berkeley. O guia se concentra em temas do trabalho investigativo relacionados ao Oriente Médio, mas pode ser adaptado a outras áreas geográficas.
Prevenindo trauma secundário
O conteúdo das investigações de código aberto no Oriente Médio é geralmente de natureza muito forte. Saber prevenir o trauma secundário é o primeiro passo para diminuir o desgaste causado pelo trauma vicário no campo dos direitos humanos.
Uma das principais características da prevenção do trauma secundário é conhecer a si mesmo e, assim, saber quais imagens afetam mais você. Para algumas pessoas, o som de crianças chorando é particularmente traumático. Para outros, são lesões físicas explícitas. Entender suas próprias sensibilidades é fundamental para prevenir o trauma, pois permite a preparação mental. Uma pessoa é particularmente vulnerável a traumas secundários quando não está preparada ou se surpreende com o que encontra. Como resultado, é imperativo que você se prepare mentalmente para o que está prestes a ver, bem como avise os colegas sobre a imagem traumática que pretende mostrar a eles.
Outro fator importante na prevenção de traumas secundários é entender seu histórico e ambiente. Ter uma conexão pessoal com o trabalho que você está investigando pode intensificar o trauma secundário. As condições que são valiosas ao realizar investigação de código aberto no Oriente Médio, como a capacidade de falar árabe ou ter conexões pessoais com a região, podem muitas vezes fazer com que o impacto da imagem seja maior. Seu ambiente também pode afetar sua suscetibilidade ao trauma secundário. Mantenha o trabalho de investigação contido em um escritório. Se você trabalha em casa, mantenha o trabalho fora do seu quarto. É importante manter um espaço seguro para voltar para casa. Manter uma rotina com limites de tempo também é necessário. Defina blocos de horários para o seu trabalho e faça um esforço para limitar o trabalho de noite.
Prevenção no trabalho em plataformas de código aberto
Ao trabalhar com imagens no Twitter, YouTube e Facebook, existem várias ferramentas para reduzir o risco de trauma secundário.
- Quando você está trabalhando com um vídeo no YouTube, tire seu volume. Pesquisas mostram que sons de trauma são muitas vezes mais prejudiciais do que imagens.
- Enquanto o vídeo está pausado, use o cursor para passar o mouse sobre a barra de progresso para visualizar o vídeo em miniatura (isso só funciona para vídeos no YouTube e Facebook e não para o Twitter), permitindo que você veja se/quando há algum conteúdo que possa ser traumático e se preparar. Se um vídeo incluir algo particularmente explícito ou se você estiver assistindo ao vídeo várias vezes para uma verificação, considere usar um papel ou sua mão para cobrir as imagens fortes.
- Sempre desative a reprodução automática. Isso evita que você seja surpreendido por outro vídeo que possa ser violento. No Facebook e no Twitter, isso tem que ser feito manualmente nas configurações.
- Por último, se você não fala árabe, traduza o título e a descrição do vídeo em que você está trabalhando. Comece a reconhecer palavras que possam indicar conteúdo explícito. Abaixo estão algumas palavras para manter em mente.
- criança طفل/طفلة
- ataque químico الهجوم الكيميائي
- mártir شهيد
- bomba قنبلة
- tortura تعذيب
- família أسرة/عائلة
- hospital مستشفى
- ferimento الإصابة
Identificando trauma secundário
Com o tempo, mesmo estando preparado, a exposição frequente ao conteúdo gráfico pode começar a afetar o investigador mais resoluto. Aqui estão alguns sinais de alerta para ter em mente.
Fique de olho nas mudanças no seu sono, dieta e relacionamentos:
- Você está dormindo mais do que o normal, não consegue dormir ou tem pesadelos?
- Você começou a comer mais porcaria ou seu apetite diminuiu?
- Você gasta mais tempo sozinho, possivelmente se isolando das pessoas próximas a você?
- Sua relação com drogas e ou álcool mudou?
Alterar seus hábitos normais pode ser um sinal de que seu trabalho investigativo de código aberto pode estar afetando negativamente você. Depois de reconhecer esses sinais, é hora de fazer uma pausa e avaliar sua saúde mental.
Lidando com o trauma secundário
Se você começar a sentir que está sofrendo sintomas de trauma secundário, pare e reflita sobre os efeitos sobre você. Dê um passo para trás. Como investigadores de código aberto, muitas vezes queremos continuar apesar desses sentimentos, ignorando-os para seguir com o nosso trabalho. Há um sentimento de desamparo que vem de ficar ocioso no campo investigativo. No entanto, para ser um investigador produtivo no Oriente Médio, você deve abordar o trauma que está vivenciando.
Conecte-se com amigos e familiares. Muitas vezes, conectando-se com aqueles que não estão no campo investigativo oferece uma pausa bem-vinda. Abrir-se com colegas é igualmente útil, se não mais. Seus colegas sabem exatamente o que você está passando e o que você é exposto diariamente. Ter tempo para refletir e apoiar um ao outro é essencial para enfrentar e superar o trauma.
Encontrar atividades de relaxamento mental para realizar é importante também. Exercício e meditação aliviam os sintomas do trauma vicário. A introdução de exercícios pode ajudar a reduzir a ansiedade e a depressão e fornece um aspecto de sua vida sob seu controle. A meditação pode ser uma atividade útil para relaxar a mente. Existem muitos aplicativos, como o The Mindfulness App, Insight Timer e Headspace, que orientam nas rotinas de mediação. Descomprimir com TV ou vídeos leves também pode fornecer uma pausa mental necessária.
Conclusão
O Oriente Médio é rico culturalmente. No entanto, como pesquisadores, muitas vezes estamos interagindo apenas com os aspectos mais hediondos da região. No Centro de Direitos Humanos, nós dedicamos deliberamente o tempo para música, arte e poesia do Oriente Médio a cada semana para nos lembrar da beleza e da humanidade da região. Isso ajudou a ampliar a visão restrita e diminuir o desânimo que poderia se desenvolver com o tempo.
Ao realizar investigações de código aberto no Oriente Médio e Norte da África, esteja atento à sua própria saúde. Faça pausas, interaja com o conteúdo com sabedoria e mantenha sua comunidade. Diminuir o estigma e o estresse mental deste trabalho são igualmente importantes.
Este artigo foi publicado originalmente no bellingcat e é reproduzido na IJNet com permissão.
Imagem principal sob licença CC no Unsplash via Leon Bublitz
Hannah Ellis é atualmente assistente de pesquisa no Centro Berkman Klein de Internet e Sociedade da Universidade de Harvard e ex-líder de investigação da Síria no Laboratório de Investigações de Código Aberto do Centro de Direitos Humanos da Boalt Law School.