Como gamificar reportagens investigativas

por Katarina Sabados
Jul 20, 2023 em Jornalismo investigativo
A Xbox controller.

Os jogos e as notícias têm uma história. Dos antigos passatempos e palavras-cruzadas nos jornais diários aos jogos modernos como o Wordle, esses jogos relacionados com notícias são usados por décadas para aumentar o engajamento e atingir audiências mais jovens. Por essa mesma razão, muitos dos nossos hobbies, hábitos de compra e atividades diárias hoje foram gamificadas.

Jogos também ativam a empatia, diz Anna Thulin, jornalista sueca autora de um estudo de caso sobre gamificação e jornalismo como parte de um projeto de pesquisa em redações da London School of Economics. A gamificação permite um impacto maior sobre a audiência.

"Você tem mais tempo para compartilhar sua matéria e mantém o interesse", explica Thulin. "Você sempre quer que os leitores fiquem o máximo de tempo possível."

Uma das matérias que Thulin estudou em sua pesquisa foi Pesca Pirata, uma premiada investigação interativa da Al Jazeera. Nela, o leitor começa abrindo um email que o convida a se juntar a um jornalista que está investigando a pesca ilegal de arrasto nas águas de Serra Leoa, na costa do Oeste da África. Em exemplos como este, os jogos atuam como uma técnica de narrativa imersiva, colocando os leitores na busca pela história, e não somente como observadores passivos que só acompanham a história enquanto ela se desdobra. 

 

Pirate Fishing
A Al Jazeera criou um jogo complementar para sua investigação sobre pesca ilegal na costa do Oeste da África, no qual os leitores começam o jogo abrindo um email que os convida a se juntarem à busca por pescadores ilegais nas águas de Serra Leoa. Imagem: captura de tela do jogo da Al Jazeera

A reportagem é sempre o pilar

Não basta simplesmente criar um jogo que entretém. A história e os dados por trás dele precisam valer por si mesmos. 

Uber Game, do Financial Times, e a reportagem digital que o acompanha foi uma das matérias mais lidas  — e jogadas  — do jornal no ano que foi publicado. A equipe por trás do projeto colocou o leitor no volante, como um motorista de Uber tentando ganhar a vida na economia do trabalho autônomo. 

 

Uber driver game.
O Financial Times criou um jogo que simula o dia de um motorista de Uber para dar vida à reportagem sobre as dificuldades de se trabalhar na economia do trabalho autônomo. Imagem: captura de tela do Financial Times

 

"No caso do jogo do Uber, a interação foi pensada para forçar você a se imaginar naquela situação e perceber que há escolhas difíceis para serem feitas", diz Robin Kwong, ex-chefe de entrega digital do Financial Times.

"Há esse contraste entre sentir-se muito bem à medida que você passa pela experiência de ver o dinheiro entrando, e no final perceber que há na realidade muitos custos envolvidos", explica Kwong. Ter que decidir se você vai continuar dirigindo para cobrir os custos ou voltar para casa para ajudar o filho com o dever de casa foram escolhas reais com as quais os repórteres viram os motoristas se debatendo, e elas orientaram a criação do jogo, conta Kwong.

Além de informar sobre todos os pontos essenciais na matéria, a equipe do FT se assegurou de coletar dados relevantes, como número médio de corridas por hora, custo de combustível e limpeza e tarifas médias por hora para incluí-los no jogo, diz Kwong.

Você precisa de pelo menos um desenvolvedor

Não há uma abordagem única para gamificar reportagens investigativas. Mas se ela não for bem feita, seu jogo pode acabar prejudicando a matéria em vez de torná-la mais interessante.

Nos últimos anos, várias ferramentas de código aberto diminuíram a barreira de entrada para jornalistas integrarem jogos às suas matérias digitais. Ferramentas como Twine e Newsgamer são um bom começo para roteirizar e fazer o design, mas exigem alguma customização para funcionarem. Para isso, Kwong recomenda a parceria com pelo menos um desenvolvedor familiar com o seu sistema de gestão de conteúdo.

"Você provavelmente vai precisar de alguém com um pouco de experiência em programação, principalmente por causa de algumas dessas ferramentas, pois você pode querer ajustá-las. Você não pode simplesmente usá-las do jeito que elas são", alerta.

Dependendo da complexidade, ilustrações e estrutura do jogo, você pode precisar de programadores e desenvolvedores mais habilidosos para garantir que o jogo vai rodar perfeitamente no seu site. "Você provavelmente vai querer usar o seu próprio estilo para então entender como o jogo se integra ao seu sistema de gestão de conteúdo", acrescenta Kwong. 

Escolha um elemento para gamificar e desenvolva-o de acordo

A forma mais eficaz de incorporar a gamificação às suas reportagens é escolher uma mensagem ou tema que seja central para a narrativa da matéria e explicá-lo mais detalhadamente por meio da gamificação.

Esta abordagem mais focada também ajuda a evitar que o aspecto da gamificação fuja do controle. Apesar de o jogo de pesca pirata da Al Jazeera ser relativamente simples — o jogo não tinha resultados múltiplos ou diferentes — ele levou quase dez meses para ser executado, da ideia à publicação.

No caso da Al Jazeera, o elemento central era encontrar barcos de pesca ilegal. Na matéria sobre o Uber, era entender os dilemas pessoas e econômicos enfrentados pelos motoristas.

"O jogo pode ser usado para despertar o interesse das pessoas ou simplesmente para destacar ou mostrar um aspecto específico de algo que você descobriu em sua investigação", diz Kwong.

"Mantenha o jogo pequeno e simples o máximo possível", acrescenta, "porque ele sempre vai acabar se tornando muito mais complicado do que você pensou que seria quando começou."

Estudos de caso

Investigações interativas estão sendo reconhecidas mais do que nunca por combinarem jornalismo contundente e inovação no engajamento da audiência. Em 2018, a ProPublica, WNYC e a Playmatics se juntaram para publicar o O Jogo da Espera, uma matéria que leva os leitores para a jornada muitas vezes brutal de migrantes para os Estados Unidos e para a incerteza que se segue quando chegam na condição de quem busca asilo.

"Nesse caso em particular, nós estávamos pensando: 'e se o que estivermos de fato dando às pessoas é a experiência... de ter que esperar tanto quanto as pessoas no sistema precisam esperar de verdade?'", disse Sisi Wei em uma entrevista a Patrick Strohecker, colaborador da Rede Global de Jornalismo Investigativo.

Outra investigação interativa condecorada vem do Cuestión Pública, da Colômbia. A investigação Jogo dos Votos venceu recentemente o Sigma Award por colocar os eleitores colombianos em um universo medieval no qual eles puderam explorar como famílias políticas atuais se apegam e se mantêm no poder no país às vésperas das eleições parlamentares de 2022.

 

Juego de Votos
O Cuestión Pública venceu o Sigma Award 2023 com um jogo que usou várias bases de dados para conduzir os leitores por diferentes cenários das eleições colombianas. Imagem: captura de tela do Cuestión Pública

Pontos-chave

Thulin, autora do estudo da London School of Economics, tem muitas recomendações para as redações que consideram usar jogos para melhorar seu trabalho. Dentre elas estão transparência, simplicidade, colaboração e "testar, testar, testar". Ela alerta que matérias gamificadas também trazem consigo alguns riscos, incluindo riscos éticos e de acessibilidade, bem como preocupações com a imagem da marca.

"Seja um jogo ou um elemento gamificado no seu site, ele vai refletir você como uma empresa — do formato e conteúdo até as cores que você usa e o formato dos botões", observa Thulin. Por isso, jornalistas investigativos devem fazer o mesmo cálculo para incluir outros elementos de mídia em suas matérias. "Pergunte-se se eles agregam valor de alguma forma. Apenas dizer 'como deveríamos atrair mais leitores? Vamos gamificar um pouco', não; não acho que isso funciona", diz. 

Recursos adicionais

Homenageando o melhor do jornalismo de dados: os vencedores do Sigma Awards 2023

Como a ProPublica usou um jogo para contar a história de cinco imigrantes que buscavam asilo

Investigando uma guerra cibernética


Este artigo foi originalmente publicado pela Rede Global de Jornalismo Investigativo e republicado aqui com permissão.

Foto por Javier Martínez via Unsplash.