Não é segredo para ninguém que a indústria da mídia tem muitas questões de diversidade para tratar, dentre elas um problema de classe. As faculdades de jornalismo seguem proibitivamente caras em muitos países, custando dezenas de milhares de dólares nos Estados Unidos, por exemplo, e no Reino Unido só 10% dos jornalistas vêm das classes baixas.
Além disso, a maioria das vagas de emprego na mídia estão em cidades grandes e caras. Com uma taxa de emprego em declínio e perspectivas salariais ruins, muitas pessoas que não podem contar financeiramente com a ajuda da família precisam de uma ocupação diferente para pagar as contas no fim do mês, principalmente enquanto acumulam experiência com trabalhos jornalísticos não remunerados ou mal remunerados.
"Muitas pessoas trabalham 12-14 horas por dia quando estão na universidade ou ainda começando a carreira [no jornalismo], [fazendo] um estágio durante o dia e trabalhando em um bar à noite", diz Michele Theil, freelancer que vive em Londres e que trabalhou no setor hoteleiro por alguns anos.
Não se fala muito sobre este aspecto do trabalho na mídia. Talvez porque qualquer trabalho fora da mídia possa parecer irrelevante, como diz a repórter e escritora freelancer Elsa Cavazos, que mora na Califórnia. "Talvez alguns jornalistas, incluindo eu, possam desprezar qualquer outra experiência profissional porque não é o seu 'trabalho dos sonhos'". Cavazos é grata por ter trabalhado anteriormente em várias lojas do varejo e em cargos fora do jornalismo, apesar de não falar frequentemente sobre a experiência porque tem pouca relação com seus objetivos futuros.
O jornalista britânico Adam England aponta que "a indústria da mídia ainda é um ambiente muito de classe média alta no qual quem já está no topo tende a seguir o mesmo padrão de escola privada direto para a universidade direto para um emprego na área. Esse tipo de trajetória é normalizada e eu sinto que isso talvez torne mais difícil para pessoas que trabalharam fora da mídia falarem pra valer sobre suas experiências".
Mas a experiência fora da mídia pode ser um ativo valioso. Jenna Farmer deu aula no Ensino Médio por oito anos antes de começar sua carreira de freelancer, com foco em parentalidade e saúde. A experiência dela em educação a ajuda a moldar suas ideias de pauta e hoje ela comanda a revista mumernity.co.uk e tem matérias assinadas no The Independent, Mother and Baby, Happiful e The Telegraph, apesar de não ter uma graduação em jornalismo. "Há mais de um caminho para o jornalismo — e não precisa envolver estágio!", diz.
Tanto Cavazos quanto England, Farmer e Theil trabalharam em uma área fora da mídia no passado. Eles acham que foi bom para conhecer pessoas, ampliar as perspectivas, criar empatia e articular matérias de um jeito mais direto e acessível. A experiência os ajudou inclusive a saber se o jornalismo é ou não uma vocação. Eu pedi que eles explicassem precisamente como se beneficiaram com esses empregos e resumi algumas ideias.
Fortalecer as habilidades de entrevista
Qualquer função de atendimento ao cliente envolve falar com pessoas, neutralizar situações potencialmente estressantes e estabelecer conexões. Isso pode ajudar a realizar entrevistas, povo fala ou simplesmente mandar uma mensagem ou email do nada para uma pessoa por causa de uma matéria.
"Uma habilidade muito importante para um jornalista é ser capaz de fazer perguntas instigantes, de perguntar em cima do que suas [fontes estão] falando e também simplesmente fazê-las confiar em você o bastante para que se abram e conversem com você", diz Theil. "É também uma ótima habilidade para se ter quando as pessoas são grossas e não querem te dar entrevista, pois você vai encontrar isso no jornalismo também."
Ter resiliência
Seja sugerindo pautas ou se candidatando a empregos, a rejeição é comum no jornalismo. Lidar com pessoas difíceis no atendimento ao cliente, varejo e hospitalidade pode te ajudar a criar resistência para essas situações.
"Quando uma pessoa está brava porque o drink dela veio errado ou porque demorou demais, e ela está gritando com você — isso te ajuda a criar resiliência para quando você é rejeitado em uma vaga ou rejeitam uma pauta sua, ou quando você não está ingressando no mercado jornalístico tão rápido quanto você queria", diz Theil. "Você não pode deixar isso te afetar porque do contrário você não seguiria adiante."
Vivenciar realidades diferentes
A mídia às vezes pode parecer uma área cheia de pessoas alienadas. Mas, como England sabe muito bem, muitos jornalistas trabalharam em um emprego do qual particularmente não gostam por um salário mínimo ou pouco mais que isso. "Procurar um trabalho temporário como terceirizado, levantar cedo antes da escola para entregar jornais — tudo isso são coisas que muitas pessoas fazem ou fizeram, e quem está na mídia às vezes pode esquecer que nem sempre é fácil para muita gente", diz.
Essas experiências influenciaram os assuntos e questões que ele cobre. "Eu acho que sou um jornalista mais completo por ter trabalhado em outras áreas."
Fazer matérias mais acessíveis e empáticas
Em seu trabalho anterior como professora, Farmer se acostumou a explicar conceitos complexos de forma simples para os estudantes. "Isso foi muito útil quando precisei explicar coisas como estudos científicos na hora de escrever sobre saúde e nutrição", diz. Isso a tornou mais reflexiva também. "Enquanto professora, você está sempre se perguntando: 'como eu poderia ter comunicado isso de um jeito melhor? Como eu poderia ter ensinado isso de um jeito mais claro?, [o que] ajuda muito."
Theil acrescenta que ter uma gama de experiência profissional pode te ajudar a entender experiências e comunidades diferentes, e informar com mais precisão e clareza. "Isso te ajuda a ter [empatia] e escrever melhor porque você não está tentando usar palavras complicadas como se fosse em um artigo acadêmico", diz.
Jamais rejeitar oportunidades
A experiência de Cavazos em trabalhos no comércio e de assistente de decoração de árvores de Natal no passado a ajudou a melhorar suas habilidades interpessoais, ter menos medo de agarrar oportunidades e aprender a nunca recusar nenhuma tarefa.
"Eu sinto que, no jornalismo, essas habilidades me ajudaram a nunca dizer não para qualquer matéria para a qual eu sou pautada", diz. "Além disso, não sou boa com fotografia, mas nunca diria não para fazer fotos."
Foto por Camille Chen no Unsplash.