A escuta profunda pode transformar o jornalismo

Jul 7, 2025 em Jornalismo básico
A woman interviewing a man

Jornalistas são frequentemente celebrados por sua capacidade de fazer perguntas afiadas e revelar histórias. Mas, depois de mais de duas décadas trabalhando como jornalista na BBC, eu percebi que o coração de um trabalho jornalístico potente não consiste somente naquilo que você pergunta; trata-se também de como você ouve.

A escuta profunda, conforme eu explorei por meio de pesquisa, trabalho de campo, na minha experiência como coach executiva e mediadora e no meu livro, é uma abordagem transformadora que pode ajudar jornalistas a irem além de entrevistas transacionais para entender, conectar e representar suas fontes verdadeiramente.

O que é a escuta profunda?

No jornalismo, a escuta profunda diz respeito a ir além de simplesmente ouvir palavras ou extrair aspas. Significa estar inteiramente presente, deixando de lado a sua agenda (temporariamente), para ouvir com curiosidade genuína e empatia. Diferentemente da abordagem tradicional, na maioria das vezes transacional, em que os jornalistas escutam o bastante somente para obter a informação que precisam, a escuta profunda reconhece o lado humano da fonte, criando segurança psicológica para que ela compartilhe de forma mais aberta e autêntica.

Por que a escuta profunda é importante para o jornalismo?

  • As matérias são moldadas pela forma como ouvimos: a autenticidade e a profundidade daquilo que as fontes compartilham são diretamente influenciadas pela nossa presença, respeito (pela pessoa, não necessariamente por seus pontos de vista), curiosidade e empatia. Quando as pessoas sentem que são ouvidas, elas ficam mais propensas a revelar perspectivas com nuances e não apenas frases de efeito;
  • Cria confiança: praticar a escuta profunda ajuda a gerar afinidade e confiança, principalmente com aquelas pessoas que podem desconfiar de jornalistas ou que podem ter sido distorcidas por jornalistas em algum momento;
  • Revela narrativas mais profundas: a escuta profunda permite que jornalistas tenham acesso a pautas, emoções e valores implícitos que moldam as perspectivas das pessoas, o que é crucial na cobertura de temas complexos ou polarizantes;
  • Reduz a polarização: pesquisas mostram que a escuta profunda pode fazer com que as pessoas tenham pontos de vista menos extremos e fiquem mais abertas ao entendimento de ambos os lados de uma discussão.

8 passos práticos para que jornalistas pratiquem a escuta profunda

Com base em pesquisa acadêmica, sabedoria indígena, entrevistas abrangentes com pessoas que escutam as outras nas circunstâncias mais extremas e lições das minhas próprias reportagens, a seguir estão oito passos para incorporar a escuta profunda no seu trabalho jornalístico: 

(1) Crie espaço: prepare um ambiente, seja físico ou virtual, em que a sua fonte se sinta psicologicamente segura e inspirada a compartilhar.

(2) Escute a si mesmo: analise os seus próprios vieses, suposições e distrações antes de fazer a entrevista. Ter autoconsciência é a base da boa escuta e da integridade.

(3) Esteja presente: dê sua atenção total. Deixe as distrações de lado, mantenha contato visual e sinalize para a fonte que você está verdadeiramente ali para ela.

(4) Seja curioso: encare cada entrevista com curiosidade genuína. Deixe de lado os preconceitos e esteja aberto para aprender algo novo.

(5) Mantenha o olhar-fixo: use sinais não-verbais — como manter um contato visual caloroso, acenar com a cabeça quando for natural, postura aberta e linguagem corporal atenciosa — para mostrar que você está envolvido com a entrevista. Pesquisas mostram que expressões faciais positivas e as chamadas respostas backchannel ("aham", "hum", "é") encorajam as pessoas a compartilharem de modo mais profundo.

(6) Mantenha o silêncio: não se apresse para preencher as pausas. O silêncio dá aos entrevistados espaço para refletir e muitas vezes gera respostas mais ricas. Vale reforçar que o seu silêncio aqui não é frio e duro, mas sim uma quietude abundante, calorosa e vasta. 

(7) Reflita em retrospecto: resuma o cerne do que você ouviu, incluindo as emoções e mensagens implícitas. Verifique o que você entendeu e peça esclarecimentos. Esse processo iterativo ajuda tanto você quanto sua fonte a cristalizarem significados. Mesmo se você entender errado, a pessoa entrevistada pode falar "não, não é isso, mas sim isso".

(8) Aprofunde-se: explore narrativas, necessidades e valores latentes que moldam a perspectiva da sua fonte por meio da tentativa de esclarecer o que ela compartilhou, seja por meio de palavras ou por outras formas. Suas reflexões convidam a fonte a elaborar melhor aquilo que é mais importante para ela. Isso é muito diferente de quando a troca é orientada por aquilo que mais interessa a você.

Exemplos e lições do mundo real

  • Entrevistas com pontos de vista com baixa representatividade: em uma cobertura sobre céticos da mudança climática, eu descobri que a escuta profunda — conversar com as pessoas várias vezes e refletir suas perspectivas — ajudou a revelar as narrativas profundas de desconfiança e frustração que moldam o ponto de vista dessas pessoas, em vez de simplesmente descartá-las como "negacionistas". Quando um produtor de laticínios que entrevistei leu minha matéria, ele se sentiu ouvido, mesmo tendo seu ponto de vista apresentado sob o contexto da mudança climática.
  • Entrevistas desafiadoras: em uma entrevista memorável com o presidente etíope Meles Zenawi, minha abordagem confrontadora levou a uma reação defensiva e a um término antecipado da conversa. Olhando em retrospecto, se eu tivesse ouvido com mais curiosidade e franqueza, eu talvez tivesse conseguido ter um entendimento mais profundo da visão dele sem deixar de cobrar transparência.

O desafio — e a oportunidade

A escuta profunda não é fácil. Jornalistas enfrentam prazos, pressões editoriais e o desejo de conseguir as aspas perfeitas. Mas quando deixamos de lado a nossa agenda, mesmo que temporariamente, abrimos espaço para pautas que são mais autênticas, com nuances e impactantes. Essa abordagem é especialmente vital na cobertura de grupos polarizados ou marginalizados, em que a confiança é frágil e as pautas são na maioria das vezes simplificadas ou mal compreendidas. 

Considerações éticas

Quando você pratica a escuta profunda, as pessoas podem compartilhar mais do que tinham intenção a princípio. Você precisa encarar isso com sensibilidade e verificar mais de uma vez com seu entrevistado se está tudo bem publicar o que foi dito. Se sua fonte fizer parte de um grupo com opiniões fortes, ela pode estar em perigo. Assegure-se de que ela entende os riscos de compartilhar as opiniões e confirme o consentimento delas antes de publicar.

Principais conclusões para jornalistas

  • A escuta profunda não se trata de evitar perguntas difíceis, mas de estar aberto à complexidade integral da experiência do seu entrevistado;
  • É preciso prática e autoconsciência, mas as recompensas são profundas: matérias mais ricas, sólidas e empáticas, e um trabalho de reportagem mais efetivo.

Foto por Tima Miroshnichenko via Pexels.

livro "Deep Listening: Transform your Relationships with Family, Friends and Foes" ("Escuta Profunda: transforme sua relação com família, amigos e inimigos" em tradução livre), de Emily Kasriel, foi publicado internacionalmente pela HarperCollins em 22 de maio e nos EUA e Canadá em 24 de junho. A obra traz orientações consideráveis que são relevantes para jornalistas. Para saber mais sobre a escuta profunda no jornalismo, acesse EmilyKasriel.com.