Como descobrimos sobre megapoluidores que se aproveitam de crédito verde

por Sasha Chavkin
May 29, 2025 em Jornalismo investigativo
Factory putting smoke in the air

Nos últimos anos, bancos e corporações destinaram trilhões de dólares a financiamentos rotulados como "verdes" ou "sustentáveis". Soa impressionante o que dizem que esse dinheiro vai ser capaz de fazer, mas na maioria dos casos não passa de promessas vazias.

Nós fizemos uma investigação em que analisamos um tipo de financiamento verde chamado de Empréstimo Ligado à Sustentabilidade (SLL na sigla em inglês). Os SLL tendem a ser massivos — imagine bilhões de dólares — e oferecem às empresas taxas de juros reduzidas se elas prometerem atingir objetivos sustentáveis, como reduzir as emissões de carbono ou limpar cadeias de suprimentos. Mas, diferentemente de outros tipos de financiamento verde, o dinheiro dos empréstimos não precisa ser usado para propósitos ecológicos e nem as empresas nem os bancos precisam divulgar seu progresso ambiental ou mesmo suas métricas de sucesso.

Nossa investigação descobriu que, entre 2018 e 2023, quase U$ 300 milhões em empréstimos ligados à sustentabilidade — quase um a cada cinco dólares no total de SLL — foram para empresas em setores poluidores como combustíveis fósseis e mineração. Em alguns casos, as emissões de carbono das empresas aumentaram mesmo elas tendo se beneficiado de um SLL relacionado à descarbonização. O projeto foi publicado pela The Examination, Associated Press, Toronto Star e Mississippi Today e teve o apoio da Rede de Investigações sobre Florestas Tropicais do Pulitzer Center.

 

A woman with tubes in her nose.
Virigina Weary, 60, teve ​​que sair do trabalho por causa de doenças respiratórias graves. Ela suspeita que as emissões da fábrica de pellets de madeira da Amite em Gloster, no Mississippi, contribuíram para a doença. Foto por Eric Shelton para o Mississippi Today

Hipótese

Nós nos perguntamos se os SLL estavam sendo usados para fazer greenwashing. Queríamos analisar os dados e ver se poderíamos lançar luz sobre como esses empréstimos são usados e se as empresas estavam tendo um cuidado maior com o meio ambiente após receberem esse dinheiro.

Fontes de dados

Metodologia de investigação

(1) Banco de dados global

Nós queríamos obter uma visão global completa do mercado de empréstimos ligados à sustentabilidade. Nosso desafio era que nenhum dado a respeito era público. Há dados limitados sobre os SLL disponíveis em bancos de dados financeiros como o LSEG e a Bloomberg, mas o acesso requer assinaturas caras.

Nós mandamos um email para o LSEG pedindo que compartilhassem os dados conosco, mas não forneceram mais do que um resumo. Conseguimos acesso entrando em contato com a Data Desk, uma consultoria que trabalha com jornalistas e outros investigadores de finanças ambientais. A Data Desk tem uma assinatura que dá acesso ao LSEG, que contratamos para acessar dados sobre SLL e fazer a análise — um serviço que custa uma fração da assinatura do LSEG. 

(2) Análise de dados

Um dos maiores desafios desse projeto era analisar os nossos dados sobre os SLL. Eles estavam em uma planilha de Excel que listava mais de 4.500 pagamentos de SSL que totalizavam mais de US$ 1,5 trilhão. Não era factível avaliar o impacto ambiental de cada empresa, então focamos em identificar os empréstimos concedidos a empresas de setores poluidores.

Decidimos que seriam cinco os setores no coração da nossa análise:

  • Combustíveis fósseis
  • Mineração
  • Alimentação e agricultura
  • Madeira
  • Empresas presentes na Forest 500, um índice de empresas ligadas ao desmatamento de áreas tropicais   

 

A spreadsheet
Empresas na planilha se enquadram em setores poluidores, mas sua inclusão nessa categoria não sugere que elas, individualmente, contribuem para a mudança climática. Foto por The Examination
(3) Estudos de caso 

Outro desafio fundamental foi escolher um caso central para investigar. Depois de pesquisar mais de uma dúzia de empresas em setores poluidores que identificamos ter se beneficiado de um SLL, decidimos focar no Drax Group, empresa britânica do setor de energia. O Drax produz energia elétrica a partir da queima de pellets de madeira e se apresenta como líder em energias renováveis porque está abandonando a energia a carvão. Mas tem uma pegadinha importante: estudos científicos mostram que a queima de biomassa de madeira é, na verdade, ainda pior para o clima do que o carvão.

A central elétrica principal do Drax, em North Yorkshire, na Inglaterra, usa pellets de madeira importados de outros países, notavelmente dos EUA. A empresa também tem unidades em cidades no sul dos EUA e elas estão desproporcionalmente localizadas em comunidades majoritariamente negras e pobres. Nós viajamos até Gloster, no Mississippi, uma comunidade com menos de 1.000 pessoas, onde o Drax abriu uma unidade em 2016. Legisladores do Mississippi aplicaram multas recorde à empresa por violações da poluição do ar na região e um número crescente de moradores afirma estar sofrendo de problemas respiratórios debilitantes como consequência. Nós conversamos com mais de uma dúzia de pessoas em Gloster sobre como elas foram afetadas.

 

Community members
Moradores de Gloster descrevem os efeitos da unidade do Drax em sua saúde e no meio ambiente local.
Foto por Eric Shelton para o Mississippi Today
(4) Apresentação de resultados

Sentimos que deveríamos apresentar nossos resultados de uma forma criativa e atrativa. Ficamos impressionados com os volumes massivos de empréstimos destinados a setores poluidores. Mas, para ser sincero, se nossa apresentação se resumisse a números e produtos financeiros, iríamos deixar os leitores com sono.

Nós decidimos incluir uma visualização criativa das nossas descobertas no início da matéria. Contratamos uma ilustradora talentosa, Alejandra Saavedra, e encomendamos cinco imagens baseadas em um roteiro que tínhamos preparado. O roteiro incluía os dados principais e você pode ver um exemplo dos resultados abaixo: sinistro, distópico e (na minha opinião) atraente.

 

Illustration
Ilustração para a reportagem.
Desenho por Alejandra Saavedra para o The Examination

 

Além da parte visual e da matéria, decidimos quebrar o segredo em torno dos empréstimos ligados à sustentabilidade e publicamos o nosso banco de dados. Não podíamos publicar informações sobre todos os SLL por causa dos termos da assinatura do LSEG, mas publicamos um banco de dados com os SLL que foram para setores poluidores. Ele está disponível no site do The Examination como um recurso para qualquer um que quiser investigar.

Em resumo, descobrimos que bancos de dados privados com dados financeiros podem trazer insights para resultados de investigações originais, mas ter acesso a eles requer criatividade e a análise de dados exige esforço significativo. Também descobrimos que os dados financeiros, pilar da reportagem, precisavam ser combinados com narrativas atraentes para dar vida às nossas descobertas, inclusive por meio de imagens potentes e reportagem em campo.


Este artigo foi publicado originalmente pelo Pulitzer Center e republicado na IJNet com permissão.

Foto por Pixabay via Pexels.