A cobertura do Mês do Orgulho em estados dos EUA com leis anti-LGBTQ+

por Nora Neus
Jun 15, 2023 em Diversidade e Inclusão
LGBTQ flags in a row

Este artigo foi originalmente publicado pelo Poynter. Nós vamos publicá-lo em duas partes; a primeira delas está abaixo.


Um tweet viral feito há um ano pela dramaturga lésbica Claire Willett está sendo compartilhado novamente nas redes sociais. Ele faz uma pergunta simples: "no Mês do Orgulho deste ano, as pessoas heterossexuais podem focar menos em 'amor é amor' e mais em 'pessoas queer e trans estão em perigo'".

Há uma razão para a mensagem repercutir neste ano. Com o início do Mês do Orgulho agora em junho, legisladores estão analisando mais de 450 projetos de lei anti-LGBTQ+ em assembleias estaduais pelo país. Estados como a Flórida aprovaram leis que criminalizam até parte das celebrações do Orgulho, como a Lei 1438, que basicamente proíbe a participação de crianças em eventos com artistas drag.

Como jornalistas devem cobrir o Mês do Orgulho em toda sua glória versátil — uma celebração, um protesto, uma performance, uma oportunidade para educar e uma demonstração de solidariedade — em um ano em que os direitos queer e trans estão sob ataque coordenado?

Os eventos do Mês do Orgulho, embora muitas vezes deslumbrantes e fabulosos, são muito mais do que festas. O que começou no Stonewall Inn em Nova York, em j28 de junho 1969, como um protesto de rua liderado por mulheres trans negras por direitos civis e humanos, é agora uma importante demonstração de esperança, alegria queer e resistência que salva vidas.

"Queremos garantir que podemos transformar crianças queer em adultos queer", diz Dr. Byron Green-Calisch, homem negro pansexual organizador da Parada do Orgulho de St. Pete. "...Nós sabemos que a representatividade desempenha um papel massivo no aumento dos sentimentos de satisfação e redução da depressão em jovens. Por isso estamos oferecendo espaços para jovens virem e verem adultos queer e o simples fato de que 'está melhorando'".

Jornalistas têm a grande habilidade de moldar a opinião pública sobre pessoas queer, uma responsabilidade que a profissão tem falhado em atender ao longo da história. De "jornais baratos" na virada do século XX que vendiam histórias de crimes enfeitadas ou falsas sobre pessoas de gênero diverso e queer a jornais de referência como o The New York Times desprezando os primeiros sinais da epidemia de AIDS em manchetes como "CÂNCER RARO ENCONTRADO EM 41 HOMOSSEXUAIS", o jornalismo tem uma história problemática de representação da comunidade queer. A cobertura de baixa qualidade da comunidade LGBTQ+ só reforça os estereótipos negativos que levam à aprovação de leis como as citadas.

Com a perseguição de famílias queer por leis que criminalizam vários aspectos de sua existência, e leis entrando em vigor que podem afetar batalhas de custódia envolvendo crianças que estão recebendo cuidados de afirmação de gênero, uma cobertura mal feita também tem o potencial real de prejudicar famílias e crianças.

Abaixo estão algumas considerações para jornalistas que planejam fazer a cobertura do Mês do Orgulho.

Defina um propósito

Jornalistas precisam perguntar a si mesmos o que estão tentando conquistar com a cobertura dos eventos do Mês do Orgulho, reconhecendo que seu objetivo vai provavelmente depender de sua localização.

"Em alguns lugares, pode ser registrar uma celebração com os cidadãos em nossa comunidade", diz Kelly McBride, presidente do Centro Craig Newmark para Ética e Liderança do Pointer, com sede em St. Petersburg, na Flórida. "Essa seria uma razão perfeitamente legítima. Mas nós estamos aqui na Flórida, e eu diria que você provavelmente vai querer ser um pouco mais ambicioso que isso."

McBride aponta que o Movimento dos Direitos Civis é um exemplo. Assim como nos anos 1960, ela diz, é importante que jornalistas evitem apresentar os "dois lados" em uma falsa equivalência.

"Há momentos em que as pessoas estão afirmando sua igualdade ao mesmo tempo em que o estado está afirmando a desigualdade delas, e isso é bem diferente", diz. "Então reconheça que estamos em um momento agora onde há uma lacuna enorme entre o que significa existir com dignidade e um conjunto completo e intacto de direitos humanos."

Dr. Green-Calisch faz coro a esse ponto.

"Só porque algo foi politizado não o torna político", diz. "Eu acho que é muito, muito importante dizer que estamos falando agora sobre a existência das pessoas."

McBride diz que jornalistas devem educar os leitores e espectadores sobre as especificidades das leis ant-LGBTQ+. Muitos dos projetos de lei são baseados em modelos escritos por grupos conservadores nacionais, que são disseminados para legisladores locais adaptarem ao seu estado e então apoiados com campanhas de financiamento multimilionárias. 

"Este é um momento muito bom para pressionar o absurdo dessas leis e aproveitar a oportunidade de fazer jornalismo explanatório sobre como essas leis vão funcionar e quem pode ser processado porque elas são diferentes em diferentes estados", diz McBride. "Você não precisa colocar o seu próprio ponto de vista, mas você definitivamente não deve evitar de entrar na controvérsia de uma forma que eduque o público sem inflamar a situação." 

Se um jornalista escolhe mencionar os manifestantes contra os eventos do Mês do Orgulho, é importante contextualizá-los adequadamente dado o tamanho relativo, em vez de apresentar os "dois lados" como participantes iguais. Se há 100.000 pessoas em uma parada do Orgulho e 50 manifestantes, repórteres devem reconhecer que isso representa 0,05% da multidão e adaptar sua matéria de acordo.

"Você não vai querer criar uma falsa equivalência na sua cobertura dos manifestantes", diz McBride.

Informe o contexto e a história

Jornalistas têm a responsabilidade de entender a história do evento que estão cobrindo. A primeira parada do Orgulho foi um levante. Em 28 de junho de 1969, um grupo de clientes queer do Stonewall Inn na Christopher Street em Nova York decidiram dar um basta. Liderados principalmente por mulheres negras trans, o grupo queer lutou contra maus tratos da polícia em um levante de rua que durou dias. Treze pessoas foram presas. 

Em todos os anos que se seguiram, pessoas LGBTQ+ e seus aliados marcharam pacificamente ao longo da Christopher Street em apoio a mais direitos para as pessoas queer naquilo que ficou conhecido como Parada do Orgulho.  

"Foi um ato de desobediência civil", diz Dr. Green-Calisch. É importante que jornalistas saibam que o Orgulho hoje não é "só hastear bandeiras e sorrir", mas uma celebração "da luta para ter os direitos que temos hoje."

Neste ano, o Mês do Orgulho provavelmente vai assumir mais aspectos de protesto do que de simples celebração.

"Tem havido cada vez mais uma transição para realmente incorporar a intenção original do Orgulho, que é um protesto", diz Max Fenning, presidente da PRISM, uma organização sem fins lucrativos do Sul da Flórida com foco em jovens LGBTQ+. "Isso é uma parte grande do Orgulho; nós aparecemos mais enérgicos do que no passado."  

É também imperativo que jornalistas sejam o mais específicos possível em sua linguagem ao informar sobre eventos do Orgulho e leis anti-LGBTQ+.

Muitas propostas de lei têm como alvo artistas drag, incluindo leis que proíbem apresentações em espaços públicos ou em eventos com crianças; pessoas trans, como leis que acabam com cuidados de afirmação de gênero para menores; e pessoas LGBTQ+ em geral, como leis que proíbem educadores de ensinar sobre a comunidade gay. Ao cobrir essas leis, jornalistas precisam ser corajosos para não confundir coisas diferentes, por exemplo, nem todas as pessoas trans são artistas drag e nem todos os artistas drag se identificam como trans.

"A diferença fundamental é que trans é uma identidade e uma qualidade inata de uma pessoa, enquanto drag é uma forma de arte", diz Fenning. "Então, ser transgênero significa que você não se identifica com o sexo atribuído no nascimento, aquele que foi colocado na sua certidão de nascimento. É um estado de ser... Enquanto drag é uma forma de arte, e para alguns uma profissão, um tipo de vestimenta que essencialmente transforma a expressão de gênero em performance ou arte."

A distinção é importante em partes porque muitas leis LGBTQ+ são redigidas para serem intencionalmente vagas.

"O propósito disso é que as leis possam ser superinterpretadas, superimpostas e superimplementadas. Por isso é importante que jornalistas sejam muito, muito claros e muito, muito precisos em termos do que essas leis fazem e não fazem", diz Fenning.

Por exemplo, a Lei 1438 tecnicamente proíbe a "exposição obscena de próteses ou imitações de genitálias ou seios", o que não é simplesmente uma "proibição de drags".

"É na verdade antitrans, diz Dr. Green-Calisch. "A realidade... é que há pessoas trans que vivem e existem de formas que são incongruentes com a linguagem dessa lei, razão pela qual nós estamos levantando o maior número de preocupações possível porque agora você tem pessoas que talvez entrem em uma biblioteca e possivelmente podem ser presas por existirem." 

Limitar o entendimento do público sobre a lei que proíbe todas as drags presta um grande desserviço à comunidade LGBTQ+ — e é jornalismo impreciso.

Ao chamar a Lei 1438 de veto drag, "nós basicamente estamos dando a esses políticos conservadores que dançaram enquanto a redigiam, estamos dando a eles o que eles querem", diz Fenning.


Foto por Brielle French via Unsplash.