Como quase todo incidente que acontece no Irã, uma sociedade fechada, a queda de helicóptero que causou a morte do presidente Ebrahim Raisi no dia 19 de maio era um enigma. A cobertura contraditória feita pela mídia estatal sobre a queda deixou tudo ainda mais confuso.
Nas 16 horas que se seguiram ao desaparecimento do helicóptero que levava Raisi e vários outros funcionários do governo iraniano, incluindo o ministro das relações exteriores Hossein Amirabdollahian, até equipes da Cruz Vermelha do Irã encontrarem os destroços, muitas teorias foram publicadas no país como "notícias". Cada uma contradizia a anterior.
A quantidade de matérias em constante alteração divulgadas ao público pela mídia estatal era tão confusa e caótica que até alguns veículos governamentais fizeram críticas.
Histórico de desonestidade da mídia estatal
Muitos iranianos estão acostumados a se informar em fontes estrangeiras, particularmente em canais de TV por satélite em idioma persa com sede no Reino Unido ou nos Estados Unidos.
A mídia estatal do Irã, bem como veículos conservadores não-governamentais que estão estreitamente alinhados com a liderança do país, têm estado longe da verdade na hora de cobrir eventos como protestos contra o estado. Em relação à cobertura de assuntos externos, na melhor das hipóteses, eles têm editorializado as notícias reais.
A mídia estatal também tem historicamente atrasado a publicação de notícias sobre eventos importantes. Sendo fiel a esse comportamento, no caso do helicóptero do presidente, eles divulgaram a notícia do desaparecimento duas horas depois do ocorrido. Tendo em vista esse histórico, muitos iranianos se recusaram a acreditar nos veículos após a queda do helicóptero.
Não surpreende a desconfiança dos iranianos diante dos relatos contraditórios em torno do acidente. A diferença gritante entre a cobertura da mídia estrangeira e nacional sobre a queda só aumentou o ceticismo do público. Por exemplo, enquanto veículos estatais iranianos diziam que o helicóptero tinha sido feito um "pouso forçado", agências de notícias de fora do Irã de credibilidade descreviam o incidente como uma "queda".
Em contato ou sem contato?
Vários veículos estatais citaram fontes do governo dizendo que elas haviam estado em contato com os passageiros do helicóptero após a queda. Pouco tempo depois, disseram que tinham perdido contato com eles, enquanto alguns poucos veículos disseram que não tinham conseguido entrar em contato com ninguém.
No entanto, alguns outros sites iranianos citaram o chefe de gabinete do presidente dizendo que ele tinha ligado para o celular do piloto, mas que a chamada não havia sido atendida por ele e sim por Mohammad-Ali Al-e Hashem, chefe de oração da mesquita de Tabriz e um dos passageiros.
A matéria ainda dizia que Al-e Hashem, que morreu poucas horas após a queda, tinha atendido o celular do piloto quatro vezes e aparentava ser o único passageiro sobrevivente. A mídia ainda divulgou outra matéria dizendo que o presidente e sua delegação tinham desembarcado em segurança e optado pelo transporte terrestre para chegar a Tabriz, a cidade grande mais próxima.
À medida que o ciclo caótico de notícias continuava, algumas publicações conservadoras, geralmente próximas ao líder linha dura do Irã, Ali Khamenei, se perguntavam em voz alta se o incidente teria sido resultado de "uma trama estrangeira", um cenário que eles continuam considerando. Parte da tese é que o helicóptero do presidente era a única aeronave de um total de três que havia sofrido um incidente. Funcionários iranianos que retornavam de uma visita a uma barragem na província iraniana do Azerbaijão Oriental embarcaram em três helicópteros, dois dos quais aterrissaram em segurança. O helicóptero que levava as figuras mais importantes do governo – e aliados de Khamenei – foi o único que desapareceu.
Advertência da política cibernética aos cidadãos
Com a contínua difusão de notícias conflitantes no país, muitos iranianos – incluindo jornalistas e jornalistas comunitários – foram às redes sociais para postar o que haviam deduzido do incidente e especular. A polícia cibernética do Irã prontamente advertiu os cidadãos que suas atividades nas redes sociais estavam sendo monitoradas e aqueles que "espalhassem rumores nesse momento sensível teriam que lidar com as consequências".
Uma jornalista iraniana experiente, que pediu para permanecer anônima por motivo de segurança, me disse que ela e outros colegas ficaram preocupados após a divulgação da advertência, por isso limitaram suas atividades nas redes sociais.
"Não é a primeira vez que a gente passa por isso. Eu fui presa no ano passado e fiquei dois meses atrás das grades sob o pretexto de uma matéria que eu fiz e postei nas redes sociais. A polícia cibernética não estava divulgando uma ameaça vazia; nós sabemos que eles vão perseguir cidadãos. E é claro que eles são mais sensíveis em relação aos jornalistas."
A jornalista diz que desde sua prisão, ela e seus colegas se preocupam mais com sua segurança, principalmente porque um deles recebeu recentemente um "alerta" da Justiça sobre suas postagens nas redes sociais.
Teorias da conspiração
Os funcionários de alto-escalão voltavam da inauguração das barragens de Qiz-Qalasi e Khoda-Afarin, um projeto energético em conjunto do Irã com seu vizinho Azerbaijão, no rio Aras. O presidente do Azerbaijão Ilham Aliyev também tinha participado da cerimônia de inauguração.
De acordo com a mídia linha dura, uma trama bem planejada para matar o presidente era possível.
No entanto, apesar das teorias de conspiração desse grupo, os militares do Irã emitiram um anúncio antecipado dizendo que não havia sinal de suspeita de crime nem evidência de que a aeronave tinha sido atingida por tiros. O anúncio veio após os destroços do helicóptero terem sido encontrados sem sobreviventes.
Mesmo assim, alguns veículos linha dura do Irã continuaram a questionar a possibilidade de "jogo sujo estrangeiro". Eles dizem que a real razão da queda pode incluir problemas além da chuva e da neblina densa na área montanhosa onde o helicóptero caiu. O governo está investigando; apesar do que for concluído, os iranianos vão confiar e acreditar no que a mídia estatal falar sobre as descobertas?
Dados desconhecidos
Diante da falta de dados precisos na sociedade restrita que é o Irã, é difícil chegar a uma estimativa confiável do número de iranianos que confiam na mídia nacional para se informar. Porém, está claro que um grande número, possivelmente a maioria, do público iraniano não confia na mídia estatal do país.
Alguns poucos veículos estatais reconheceram a desconfiança e confusão do público em torno da cobertura da queda. Um deles citou como fonte Bijan Nafisi, "jornalista experiente e especialista em mídia", criticando o atual caos noticioso do país. Nafisi disse à agência de notícias iraniana Labor que uma iniciativa para a "gestão da crise da mídia" é essencial para conter as discrepâncias e imprecisões no noticiário.
Com todas as controvérsias e contradições, a decisão do público de obter informação em veículos estrangeiros parece racional. Ela vai continuar assim o sendo a não ser que e até que a mídia iraniana adote algum nível de veracidade e transparência na cobertura de atualidades no país.
Foto por Tianlei Wu via Unsplash.